Segunda, 5 de junho de 2017
Da Ponte
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
Ministro do STF aceitou os áudios como possíveis provas ao abrir inquérito, mas validade será analisada no processo
“Essa (…) gravação, totalmente ilegal, pois não tinha autorização
judicial, agora está sendo defendida [pelo ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Edson] Fachin como sendo uma prova legal de obstrução da
Justiça.” – Trecho de corrente sobre delação de Joesley Batista, dono da
JBS, que circula pelo WhatsApp.
Em
março deste ano, o empresário Joesley Batista, dono da JBS, gravou, por
conta própria, conversas com o presidente Michel Temer (PMDB), o
senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o deputado Rodrigo Rocha Loures
(PMDB-PR). Os diálogos foram usados para dar início às negociações de um
acordo de delação premiada e foram entregues à Procuradoria-Geral da
República (PGR) no mês seguinte. A divulgação da delação ocorreu em 17
de maio, quando o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, publicou reportagem sobre o conteúdo dos áudios comprometedores.
Já no dia seguinte à publicação da reportagem, o relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, homologou a delação de Batista. Um dia depois, em 19 de maio, o ministro autorizou a abertura de uma investigação
sobre os três políticos implicados nos áudios. Apesar disso, a gravação
feita pelo dono da JBS gerou polêmica. Uma corrente de WhatsApp afirma
que o procedimento adotado pelo empresário foi totalmente ilegal, por
não ter sido autorizado por um juiz.
Além da discussão em torno do conteúdo da gravação, tema de outra checagem do Truco – projeto de verificação de fatos da Agência Pública
–, existe a controvérsia jurídica a respeito da legalidade da prova
obtida pelo empresário. Juristas e especialistas em direito
constitucional têm questionado a validade dos áudios feitos por Joesley,
como mostra reportagem do Consultor Jurídico.
Alguns alegam que a situação em que foram obtidos se assemelha a um
flagrante preparado, ou seja, um contexto no qual o agente é instigado a
confessar ou praticar um crime.
A partir da análise de dados e da consulta a especialistas, o Truco
verificou a frase que define as gravações como totalmente ilegais e diz
que Fachin estaria “defendendo a gravação como uma prova legal de
obstrução da Justiça”. A reportagem conclui que a afirmação que circula
no WhatsApp é falsa. Não é necessário ter autorização judicial para
gravar uma outra pessoa. A jurisprudência do STF – ou seja, o resultado
de julgamentos em a questão foi analisada pelo tribunal – define que
gravações feitas por um dos interlocutores são válidas, mesmo que não
haja autorização de um juiz.
Isso é mencionado no despacho de Fachin que autoriza a abertura do inquérito.
A decisão citada, de 2009, é creditada ao então ministro do STF Antonio
Cezar Peluso. Nela, Peluso deliberou que “é lícita a prova consistente
em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem
conhecimento do outro”. No mesmo documento em que cita a decisão de
Peluso, Fachin destaca que “somente depois será examinado se existem ou
não indícios mínimos suficientes a embasar pleito de promoção da ação
penal cabível”.
Além disso, a determinação de que a
gravação é prova de obstrução de Justiça só pode ser feita no final do
julgamento, que sequer teve início. Não há nenhum trecho do documento de autorização de abertura do inquérito
no qual a gravação é “defendida por Fachin como sendo uma prova legal
de obstrução da Justiça”, como diz a corrente que circula no WhatsApp.
Na verdade, o ministro relembra, em sua decisão, que o que deve ocorrer
agora é apenas a “apuração de fatos sob suspeição”. No documento, Fachin
ressalta que “não há nada que nesse passo corresponda a mais que
investigar fatos que serão ou não comprovados” e também que “ainda que a
instauração de inquérito se destine a apurar fatos sobre os quais recai
suspeita de tipicidade, isso não implica (…) qualquer responsabilização
do investigado”.
Na verdade, Fachin apenas aceitou as
gravações feitas com Loures, Temer e Aécio como possíveis provas.
Definir se o áudio é uma prova legal e se comprova uma situação de
obstrução de Justiça são decisões que competem ao plenário do STF, ao
fim do julgamento. Por isso, não há como avaliar a legalidade dos áudios
antes dessa análise. Ainda que as gravações sejam consideradas ilegais,
será por motivos diferentes daqueles afirmados na frase que circula na
corrente de WhatsApp.
Segundo Humberto Fabretti, professor de direito penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
não há consenso jurisprudencial e doutrinário sobre a legalidade da
prova. “Se o interlocutor faz com que o agente pratique o crime, ou
seja, não há crime e ele só acontece por conta da instigação, essa prova
não é válida, pois há flagrante preparado, que não é admissível pela
jurisprudência do STF. Agora, se o crime já existia, e houve apenas a
produção da prova do crime, então seria válida, pois o crime já estaria
consumado anteriormente”, explica.
Para Heloísa Estellita, professora de direito penal na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas,
é necessária a conclusão da perícia técnica nos áudios antes de
qualquer avaliação sobre sua validade. “Acho indispensável que se
aguarde a perícia para podermos falar da ilegalidade ou não da prova. O
mínimo que se espera é que as autoridades responsáveis tomem cuidado com
a validade e idoneidade dessa prova”, avalia.
Doutora em direito penal pela USP,
Estelitta avalia que a instauração do inquérito e a citação da
jurisprudência no despacho não demonstram que o ministro Edson Fachin
faz juízo sobre a validade da prova. “Não é possível afirmar, diante
disso, que ele assume a prova como legal ou ilegal. Não há nenhum
parecer atual nesse sentido.”