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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 19 de maio de 2014

'O rechaço à candidatura de Safatle a governador de São Paulo é um atentado contra o PSOL!'; leia também a carta de Vladimir Safatle

Segunda, 19 de maio de 2014
Carta à Direção Nacional, aos militantes e filiados ao PSOL

       Nós, membros titulares e suplentes do Diretório Estadual do PSOL-SP que assinamos esta carta, nos dirigimos à Direção Nacional do partido e, em particular, à base do PSOL, seus militantes e filiados em todo o país por conta das lamentáveis e irresponsáveis decisões da maioria da direção do partido (Unidade Socialista) tomadas neste domingo em reunião do DE-PSOL.

       As manifestações de junho abriram um enorme espaço para a participação política e para a ida às ruas de milhões de pessoas em nosso Estado e em nosso país. O rechaço aos governos e aos velhos partidos trouxe a retomada das mobilizações e a entrada em cena da juventude, dos movimentos sociais e de trabalhadores. As mobilizações do último dia 15 de maio, com participação massiva do MTST em cortes de avenidas em São Paulo, as greves de garis no Rio e em várias cidades do Brasil, rodoviários de Porto Alegre e Rio, e dos professores de São Paulo neste ano mostram que nunca houve tantas possibilidades para que uma esquerda que não teme dizer seu nome dispute influência de massas em nosso país.

Nesse cenário, a filiação do companheiro Vladimir Safatle ao PSOL encheu de orgulho e entusiasmo a militância do partido não apenas em São Paulo, mas em todo o país. Sua defesa, nos debates públicos na imprensa ou na academia, do programa apresentado pelo povo e pela juventude em luta nas ruas de junho mostrou para um setor amplo, muito maior do que aquele que já se referenciava em nosso partido, que o PSOL poderia superar as desconfianças com a forma partido e se referenciar como um polo para disputar o poder no Estado mais rico do país. Em São Paulo, o domínio tucano nunca esteve tão ameaçado, como comprovam a crise da água e os escândalos no Metrô e na CPTM. Ao mesmo tempo, a forte greve dos professores municipais contra Haddad, somada às revelações do caso Vargas/Youssef que tocam diretamente Padilha, revela a impossibilidade de que o PT seja qualquer alternativa a este cenário.

Por isto, desde fins de 2013, muitos de nós temos nos dedicado com afinco para que Vladimir Safatle representasse o PSOL na eleição a governador de São Paulo. A constatação de que esta candidatura poderia ocupar o enorme espaço aberto à esquerda parecia ser unânime no partido, o que trazia grande alento para a militância, já que vínhamos num desgastante processo de cisão interna desde o último Congresso do PSOL. Para viabilizar a candidatura, trabalhamos com Safatle na construção dos seminários “Governar após Junho” e estimulamos o debate sobre a construção de uma Frente das Esquerdas que pudesse unificar as diversas expressões políticas e sociais de junho ao redor desta candidatura.

O companheiro Vladimir Safatle, recém-filiado ao PSOL, expressou ao partido a necessidade legítima de garantir as melhores condições possíveis para que pudéssemos ocupar o espaço que todos víamos aberto. Por isto, muitos de nós trabalhamos arduamente nas últimas semanas na esperança de convencer a maioria da direção do partido, ligada a Ivan Valente, a ter sensibilidade política com as questões apresentadas por Safatle e dar passos reais para viabilizar: 1) a Frente de Esquerda, a partir de discussões nas quais o PSTU apresentava boas sinalizações; e 2) garantir a estrutura de campanha mínima necessária para que Safatle e o PSOL pudessem disputar a eleição com as melhores condições.

Para nossa surpresa, infelizmente, antes de que as duas questões acima fossem solucionadas, a maioria da direção do partido, a Unidade Socialista, deu um ultimato a Safatle, exigindo que ele se declarasse publicamente como candidato ou desistisse de qualquer postulação. Na sequência, organizaram a convocação do Diretório Estadual para este domingo 18/05, que fecharia a questão sobre a candidatura a governador. Além disso, redigiram uma carta onde explicavam por que Safatle não seria mais candidato. Aos dirigentes partidários que questionaram tais decisões e o método impositivo e antidemocrático como o processo foi conduzido, a Unidade Socialista replicava que Safatle teria “desistido” da candidatura por motivos pessoais e a insatisfação com as condições propostas.

Ao entrar em contato com o companheiro, porém, ouvimos a reafirmação de sua intenção de ser candidato. Safatle insistiu que, garantidas as duas questões pendentes, sua disposição era a de assumir de imediato a candidatura. No sábado, Safatle divulgou uma carta ao PSOL em que descreve detalhadamente este processo e mostra que, apesar da incapacidade política da direção do partido (Unidade Socialista) em solucionar o impasse, seguia disposto a assumir a candidatura. Um grupo de apoiadores colocou-se à disposição para contribuir financeiramente e o PSTU também sinalizou favoravelmente a encontrar saídas para a garantia da campanha e da Frente. Estavam criadas as condições para que, na reunião do Diretório Estadual deste domingo, Safatle fosse proclamado pré-candidato do PSOL a ser referendado em nossa Convenção.

No entanto, incrivelmente, a Unidade Socialista, em nome do partido, declarou encerradas as discussões com Safatle. Ao mesmo tempo, divulgou nota interna anunciando que Gilberto Maringoni seria seu pré-candidato e passou a afirmar com calúnias que a “desistência” de Safatle era ligada ao fato de que ele não se satisfazia com as condições financeiras propostas e que não estaria disposto, portanto, a “contribuir” com o partido. Esta posição, uma verdadeira provocação, foi repetida de maneira ainda mais grave na reunião do DE-PSOL deste domingo pelo dirigente Márcio Bento (do grupo de Ivan Valente), ao afirmar que Safatle teria promovido “um leilão” e que, não tendo conseguido obter a “quantia suficiente”, teria desistido da candidatura. O mesmo Márcio Bento, incrivelmente, foi o dirigente partidário que procurou apoiadores dispostos a contribuir financeiramente com a campanha de Safatle para que doassem recursos à campanha de Maringoni! Um verdadeiro acinte!

A reunião do Diretório Estadual foi um lamentável exemplo do aparatismo, da falta de democracia, da irresponsabilidade e da incapacidade política com que a Unidade Socialista lidou com a candidatura de Safatle e com a condução do PSOL no Estado de São Paulo. A proposta que levamos à reunião era de que, divulgada a carta de Safatle reafirmando sua disposição em ser candidato, fosse constituída uma comissão encabeçada pelo presidente do partido e representativa das diversas correntes partidárias, para reunir-se com Safatle, repactuar com ele as condições de sua candidatura e organizar o anúncio da candidatura de Safatle ao governo.

De maneira truculenta, a proposta foi rechaçada e Gilberto Maringoni foi votado pelo organismo como pré-candidato do PSOL ao governo de São Paulo! Não aceitaram sequer a proposta de suspender a reunião por 10 minutos na tentativa de construir uma resolução que permitisse superar o impasse e encaminhar uma última conversa com Safatle. O presidente do partido, Paulo Búfalo, levou o pedido de suspensão de 10 minutos a voto e derrotou a proposta.

Para nós, os acontecimentos do dia de hoje trazem profunda indignação. Uma figura como Vladimir Safatle entusiasmou-se com nosso partido após junho, dispôs-se a fazer uma experiência com o PSOL e a encabeçar um projeto de mudanças profundas em São Paulo. E qual a escolha do setor ligado a Ivan Valente? Virar as costas a Safatle e jogar no lixo a possibilidade de ampliar a interlocução do PSOL com os movimentos sociais, a intelectualidade e também nas eleições. Como poderão explicar, agora, para milhares de jovens, de ativistas e de trabalhadores entusiasmados com as posições de Safatle que, no sábado, ele escreveu uma carta reafirmando sua disposição de ser candidato e, no domingo, a maioria da Direção Estadual rechaçou sua candidatura e escolheu Gilberto Maringoni pré-candidato?

A forma como a discussão foi encaminhada revela a aversão da Unidade Socialista à ampliação do PSOL para além dos limites que sua máquina burocrática possa controlar: não admitem a hipótese de uma candidatura ao governo do Estado de Safatle, envolvendo uma coordenação de campanha ampla, representativa, e a presença de aliados numa Frente das Esquerdas com outras organizações políticas e sociais. Para assegurar o controle do partido e a reprodução estrita de seu aparato, vale, para eles, sabotar o próprio PSOL. Esta escolha terá repercussões não apenas locais, mas afetará certamente a possibilidade de que o partido amplie suas bancadas, além de prejudicar o desempenho nacional do PSOL em 2014. Ao mesmo tempo, este setor mostra seu rechaço ao perfil programático e político que Vladimir Safatle oferecia com sua candidatura: um partido conectado com as lutas em curso e capaz de oferecer o PSOL como alternativa aos projetos de tucanos e petistas.

Para nós, no entanto, estas discussões não estão encerradas. Não reconhecemos a votação do Diretório Estadual que apontou Gilberto Maringoni como pré-candidato ao governo de São Paulo. A única escolha que aceitamos, neste momento, é a pré-candidatura de Vladimir Safatle, que ao longo dos últimos meses veio sendo construída pelo conjunto do PSOL e recebeu enorme entusiasmo de sua militância. Caso Safatle, após o lamentável tratamento que recebeu e das autoritárias deliberações impostas ao PSOL-SP pelo setor majoritário de sua direção, não seja nosso candidato, exigiremos que a decisão seja remetida, como determina nosso estatuto, à Convenção Estadual do PSOL.

Fazemos um apelo à Direção Nacional do PSOL: é preciso uma reunião de urgência entre as Executivas Nacional e Estadual do partido que reverta esta absurda situação. Ao mesmo tempo, nos dirigimos à base de nosso partido: não podemos admitir este gravíssimo atentado ao PSOL. Nosso partido não tem dono! É papel de cada uma e de cada um de nós nos mobilizar para derrotar o aparatismo, o autoritarismo e a submissão do PSOL aos interesses mesquinhos do setor majoritário da Direção Estadual de São Paulo.

Assinam:

Mariana Riscali, Maurício Costa, Thiago Aguiar, Cibele Ferreira, Vanessa Koetz, Manuel Iraola, Alexsandro de Castro Costa, Bruna Ballaroti, Carolina Barbosa Figueiredo Filho, Fernanda Lisboa Pereira, Antônio de Souza Ormundo, Claudia Martinho, Ederaldo Batista, Wanda, Pedro Paulo Vieira Carvalho, Dimitri Silveira.


Membros Titulares e Suplentes do Diretório Estadual do PSOL
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A seguir a carta de Vladimir Safatle

Aos militantes do PSOL
 
Eu gostaria de aproveitar esta espaço para falar aos militantes do PSOL, este conjunto impressionante de sujeitos conscientes de seu lugar na história de transformação pela qual nosso país passará. Gostaria de falar com vocês com a segurança de quem sabe que lutamos pelos mesmos desejos, que nos indignamos da mesma forma e com as mesmas intensidades. Queremos as mesmas coisas e, certamente, estaremos juntos por muito tempo. Tudo está apenas começando.
Sei que muitos de vocês se entusiasmaram com a possibilidade de minha candidatura a governador em São Paulo e se decepcionaram, alguns amargamente, quando leram uma “nota interna” da executiva estadual anunciando minha pretensa renúncia. Certamente, os motivos lhe pareceram ainda mais decepcionantes. Mais sei que muitos são conscientes de como uma história só mostra seu verdadeiro sentido quando juntamos todos os seus lados. E há um lado faltante que gostaria de acrescentar a essa história. Por isto, àqueles que fizeram um juízo sobre o que ocorreu, peço que o suspendam momentaneamente. A história é diferente daquela que circulou nos últimos dias e só não me manifestei imediatamente porque esperava que ela se resolvesse de outra forma.
Há alguns setores da esquerda que, em momentos de crise, preferem ressuscitar velhos personagens de romance político ruim, como o traidor, o egocêntrico que não se sacrifica como os outros, o infiltrado, o entusiasta ingênuo, entre tantos outros que vocês já viram mais de uma vez. Melhor seria compreender tais crises como exposição de problemas estruturais que precisam ser abordados de frente caso queiramos alcançar nossos objetivos de transformação social.
       Fui convidado a candidatar-me pelo partido no segundo semestre do ano passado. Depois das manifestações de junho, eu e o partido estávamos de acordo da necessidade de uma intervenção no debate eleitoral brasileiro tendo em vista a defesa de uma pauta renovada de esquerda. Havia uma convergência a respeito da importância de dar tradução programática ao profundo descontentamento social no qual o Brasil entrou, principalmente desde 2013. Desde o momento que entrei no PSOL, em outubro do ano passado (e esta era a primeira vez na vida que entrava em um partido, o que demonstra a seriedade do ato e de minha implicação subjetiva), usei o tempo para construir seminários sobre desafios de governo, levar as ideias do partido à frente, participar de inúmeras atividades partidárias, avaliar a pertinência da candidatura a partir da conjuntura e conservar espaços na imprensa que me pareciam fundamentais para o debate que gostaríamos de fazer. A ideia de deixar a decisão para abril era a mais plausível. Vinte e quatro horas depois de me filiar ao PSOL fui mandado embora da TV Cultura. Temia que a aceitação prematura da candidatura fechasse ainda mais portas que usava para divulgar nossas posições na grande imprensa. Usei este tempo também para refletir sobre o significado de uma candidatura, sobre o que seria possível fazer e se, de fato, esta era a melhor escolha de atuação política.
A partir de meados de abril, começamos a discutir questões práticas como política de alianças e infraestrutura para a campanha. Desde o início eu insistira na importância de uma política ampla de alianças à esquerda. Engajei-me pessoalmente em discutir com partidos como PSTU e militantes da Rede nestes últimos meses. Conversei várias vezes com suas lideranças. As negociações com o PSTU prosperaram, o interesse em constituir uma frente de esquerda era claro. Para mim, a constituição de uma frente era condição fundamental para impor uma dinâmica sólida de mobilização na campanha e para inaugurar uma outra forma de fazer política que não fossem refém de interesses partidários imediatos. Por isto, insisti que seria melhor definirmos inicialmente a frente antes de lançarmos a candidatura. Sabia da resistência de certos setores do partido à ideia, mas não via como concebível recuar nas alianças se o próprio PSTU lançara um manifesto, o qual assinei, pedindo a constituição da frente.
Noto ainda que esta posição se referia apenas à situação em São Paulo. Nunca interferi ou sugeri o que deveria ser feito em outros estados, e seria delirante acreditar que falaria algo a respeito. Enxergava que uma frente de esquerda nacional seria a melhor resposta para a situação política atual. Continuo pensando que nada será feito neste país sem uma política efetiva de frente que supere a fragmentação fratricida e entediante à qual a esquerda parece querer sempre retornar. Ninguém precisa de uma política especular, na qual procuramos apenas espelhos de nós mesmos. Podemos atuar politicamente compondo com nossas dissonâncias. Sei que muitos de vocês também acreditam neste pensamento.
       No entanto, ao discutirmos a infraestrutura descobri o ponto mais frágil. A “nota interna” emitida pela executiva estadual a respeito de minha pretensa renúncia à candidatura expõe tal questão como se tratasse praticamente de um delírio megalomaníaco de minha parte. Ela passa a imagem de que o partido chegara a exaustão de suas possibilidades e de que eu fora completamente insensível a isto. Tal visão é simplesmente falsa.
       Primeiro, a minha última palavra não foi de renúncia, mas de aceitar a oficializar a candidatura a partir do momento que o partido conseguisse assegurar condições mínimas para o embate. Foi o partido que entendeu não haver mais tempo e que melhor seria escolher outro nome. Ninguém faria diferente se, como eu, tivesse descoberto, pela primeira vez apenas em abril, não haver nada em caixa para a campanha e que apenas a televisão e o material gráfico estariam assegurados. Durante meses ninguém me alertara para isto, expondo a real situação apenas na reta final. Eu amo demais as ideias políticas para deixá-las naufragar por falta de planejamento estratégico mínimo.
       Nós gostamos de dizer, como ouvimos pela primeira vez nos movimentos Occupy, que representamos “os outros 99%”. Mas para tanto não é possível, ao menos em São Paulo, continuar tendo 1% dos votos. Este 1% não nos representa e não temos o direito de nos acomodar a ele. Durante várias vezes que discuti a infra-estrutura para a campanha, ouvi que 2% de votos estaria bom. Não penso assim, acho este raciocínio completamente equivocado e se pensasse desta forma, não teria aceito entrar no debate em torno da candidatura. Queria saber a quem interessa que nosso partido continue pequeno. Pensar assim é abrir o caminho para a desqualificação de nossas ideias, dar a impressão de que elas não falam com quase ninguém. Por isto, é verdade, agi como quem queria impedir o partido se acomodar ao seu tamanho. Continuo acreditando que estava certo e espero que outros também o façam.
       No entanto, creio que, no fundo, a candidatura para o governo não era uma prioridade do partido. Senão seria difícil explicar porque o diretório estadual nunca foi atrás de possíveis doadores que indiquei há semanas e porque ele nunca aceitou discutir com membros da frente, como o PSTU, que estavam claramente dispostos a contribuir financeiramente de maneira substancial para a viabilidade financeira da campanha. Durante quase um mês, nada foi feito para melhorar a situação de nossa infra-estrutura, mesmo depois que pedi um cuidado especial com isto. Só quando disse não aceitar a candidatura nessas condições que algo foi efetivamente feito. Sei que o diretório é composto de pessoas extremamente dedicadas e engajadas, muitas das quais tenho real admiração, mas creio que (e creio que em certos momentos devemos falar com amigos de maneira clara), por várias razões, ouve uma falta de sensibilidade à importância deste problema.
       O que foi exigido por mim nos permitiria fazer o mínimo: organizar atividades, contratar uma pequena equipe de pessoas que eu poderia trazer para a campanha, acrescentando-a às forças do partido para auxiliar no planejamento da campanha, na comunicação, assessoria jurídica (pois fora alertado por amigos em outras campanhas  que os processos se avolumariam), assessoria de imprensa e na inteligência (montagem de dossiers temáticos, checagem de dados, pesquisa sobre problemas). Eu sabia que essa campanha seria particularmente violenta, pois se a candidatura crescesse, partidos como o PT se voltariam de maneira maciça contra nós. Eu tinha informações de não ser para eles pensável permitir que uma alternativa de esquerda demonstre densidade eleitoral em São Paulo. O que queria era ter o mínimo de condições para suportar o processo com o mínimo de planejamento de longo prazo sem obrigar as pessoas envolvida e se submeterem a trabalho voluntários. Só.
       Mas os últimos dias foram a prova de que eu estava correto. Enquanto a executiva estadual tornou pública uma “nota interna” que colocava toda a responsabilidade do processo em minhas costas, eu mesmo ia atrás de recursos. Eu e outros membros do PSOL conversamos com contatos que eu havia passado ao partido e que nunca foram procurados, assim como conversamos com o PSTU que se dispôs, de imediato, a contribuir com quase um terço do necessário caso fosse chamado para uma reunião, que ao final nunca houve, a fim de discutir a viabilidade financeira da campanha eleitoral. Ao final, havíamos conseguido metade do que precisávamos. Esperava ter a oportunidade de sentar com as inúmeras alas do partido e, com isto, procurar destravar a situação. Destravá-la é sempre possível.
       No entanto, na última sexta descobri que, enfim o diretório estadual havia entrado em contato com pessoas, que eu mesmo indiquei há semanas, dispostas a ajudar financeiramente. Havia apenas um detalhe: eles entraram em contato para pedir auxílio a outro candidato a governador. Se as possibilidades do partido haviam chegado a exaustão, então porque só depois que minha candidatura foi descartada membros do diretório estadual procuraram ir atrás de doadores que eu mesmo indicara? Qual o sentido de uma atitude desta natureza?
       Como disse desde o começo, entrei no partido para ficar. Creio que esta é a melhor alternativa para construirmos uma nova esquerda no Brasil e deslocarmos o eixo do debate político. Eu aceitei colocar meu nome na disputa como uma “intervenção cidadã”. Não tenho interesse em constituir uma carreira política, sou um professor que gosta do que faz. Mas acredito que há momentos nos quais devemos entrar no debate público a fim de abrir portas para que outros possam passar por elas. Este, de fato, era meu objetivo. Por isto, não funciona comigo o cálculo das ações eleitorais que se acumulam. Isto faz sentido para quem quer construir uma carreira política. Meu objetivo era simplesmente ter as condições básicas para fazer uma boa campanha capaz de mostrar a densidade eleitoral que a esquerda pode ter. Sei que isto é possível e que por conta de esforços pessoais e de dirigentes e militantes do partido estivemos a um passo de concretizar essas condições básicas.  Como disse anteriormente, minha última palavra não foi a renúncia à candidatura.
Apesar das dificuldades dessa experiência, sei que muitos problemas nela ocorreram por mal-entendidos e dificuldades que serão superadas com o tempo. Todos nos PSOL lutam pelas mesmas coisas, talvez apenas de forma diferente, obedecendo a tempos e dinâmicas distintos. Se desencontros são tão frequentes em experiências afetivas, o que dirá dentro de um partido no qual as pessoas se vinculam com o coração, empenhando seus desejos mais fortes. A história da esquerda é cheia de divisões e, no que depender de mim, esta não será uma parte de tal história. De toda forma, o mais importante de tudo foi ter a oportunidade de me aproximar da militância e conhecer seus desejos, descobrir a riqueza de seu engajamento e compromisso. Este é o grupo do qual quero fazer parte. Como disse no início, tudo está apenas começando.

Vladimir Safatle