Domingo, 25 de maio de 2014
Do Jornal do Brasil
Mônica
Francisco*
Lembro-me de quando era criança
aqui na favela do Borel e na cidade/país de modo geral, que ao entrar o ano
palco dos jogos da Copa do Mundo, pronto, só se falava nisso. Era uma agitação
só, muita agitação mesmo, até porque o período de realização do campeonato
sempre coincidia com os festejos juninos, era de fato muito animado.
Paredes pintadas com o time
oficial, bandeirinhas, fitinhas, imagem do mascote em destaque e em questão.
quem não se lembra do Naranjito em 1982 e do Arakem em 1986 que foi até
nome popular de bermuda na minha adolescência, todo mundo queria a bermuda do
Arakem, meninos e meninas.
As controvérsias em torno da
escalação, os programas humorísticos inspirados, tinha até um personagem do Jô Soares
que brigava com o técnico da seleção da época, Telê Santana, por telefone.
Jogadores e sambistas principalmente faziam sambinhas, sem contar as de sempre,
enfim era uma animação.
Mais tarde vieram as marcas
registradas deste evento como o famoso Alzirão. A corrida dos torcedores e
espectadores retardatários para ver o jogo em casa depois da dispensa
antecipada do trabalho em meio às ruas quase desertas, parando em um bar ou
outro para dar aquela espiadela, o radinho, situação sempre recorrente em ano de
campeonato mundial. Outros tempos.
Não me recordo de ouvir tanto a
palavra FIFA, não sou ingênua... sei que tudo sempre existiu, tudo mesmo e isso
você leitor sabe também. Mas o que temos nesta Copa é uma coisa inédita em se
tratando de Brasil e pela campanha que emissoras estão fazendo para, como se
diz aqui no Brasil real, "forçar a barra" e mostrar uma
"animação", podemos até afirmar que algo está muito errado ou pelo
menos fugiu à ordem pré-estabelecida.
Assustados todos os entendidos
e especialistas com a apatia e desinteresse até pela escalação, questionam que
um assunto que nunca foi e nunca será unanimidade ande tão em baixa nas rodas
populares. Nenhuma crítica, nenhuma celeuma, nenhuma grita em relação a nada, a
não ser em relação aos gastos exorbitantes para a realização desta que chamam a
Copa das copas.
A cada dia vamos acrescentando
um vexame após o outro à nossa "caixinha da vergonha nacional
alheia". O Hospital Federal do Andaraí alçado a hospital oficial da Copa,
pela proximidade com o estádio do Maracanã em caso de algum grande desastre
como o caso de alguma utilização de armas químicas ou outra ação que cause
danos coletivos, agoniza. Seus funcionários se assustam com a notícia inusitada
e alguns até apresentam demissão diante de tal declaração, pois as condições do
hospital, referencial no tratamento de queimados e que está justamente com seu
centro de queimados em ruínas, não tem condições de atender nem os que estão já
de imediato precisando de seus serviços, dirá um caso como estes.
Nesta hora penso muito na
declaração do ex-jogador Ronaldo que afirmou que para realizar a Copa são
necessários estádios e não hospitais , em resposta ao clamor das ruas nas
jornadas de junho passado. Também lembro que mais uma vez elas , as vedetes da
vez, porque já foram os bancos lembram?
Bancos eram as vedetes (que
velho), eram a bola da vez, sem trocadilho, na atenção pública, hoje são elas,
as empreiteiras. Hospitais, escolas, para quê?
Precisamos de megaestádios,
última geração, afinal somos o país do futebol, celeiro de craques, no bom
sentido. Só que o país do futebol é também o país dos hospitais que
agonizam, das escolas que têm cada vez menos retido os jovens dentro delas, que
têm cada vez mais maltratado seus professores, que apresenta déficits em moradia
popular em todo o seu território. Somos o país onde os pobres são os que mais
pagam, onde os negros, que são maioria, são tratados ainda como cidadãos e
cidadãs de segunda classe.
Pois é: acho que isso, talvez
não só, mas isso explique a ausência de ânimo espontâneo em relação à Copa. Vai
ter Copa, sim vai. Mas não a Copa da paixão, da emoção, da entrega, do carinho,
do charme. Vai ter Copa, sim, vai ter Copa com gosto de vergonha. Quando a Copa
é em outro país, ou outro continente, estamos alijados por questões óbvias. Mas
o povo não faz parte deste processo, não foi incluído nele.
Seremos meros espectadores,
como sempre fomos. Porque essa Copa mostrou que no país do futebol, o povo que
não pode entrar no seu maior símbolo, reconhecido e admirado em todo o planeta,
o Maracanã. A Copa acabou no coração do povo brasileiro, quando disseram pra
ele que ele não era importante, quando mostraram de forma bem pedagógica quem
realmente interessa.
Quando acabaram com a geral,
foi como se tivessem colocado um aviso na porta do Maracanã dizendo: "Fica
vedada a entrada de povo". Vai ter Copa de fato, mas não vai ter Copa de
verdade, aquela Copa como nós vivemos até aqui não vai ter. Alguma coisa
quebrou dentro do coração do torcedor povo brasileiro, fica a dica.
"A nossa luta é todo dia e
toda hora. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO ao RACISMO, ao RACISMO
INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!"
*Mônica Francisco -
Representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras
e Consultora na ONG ASPLANDE.