A Arquidiocese de
Olinda e Recife apresentou em uma reunião reservada o documento com
assinatura de religiosos da regional, para iniciar o processo de
beatificação de Dom Helder Câmara, liderança religiosa que se tornou
referência na luta pela justiça social no Brasil e foi duramente
perseguido durante a ditadura. Defensor de uma igreja mais voltada aos
pobres, ficou conhecido durante o regime militar como o "bispo
vermelho". O próximo passo da Arquidiocese deve ser recolher assinaturas
no resto do país, para então solicitar a abertura do processo ao
Vaticano.
Dom Hélder nasceu em 7 de fevereiro de 1909, em
Fortaleza, no Ceará, e morreu aos 90 anos, em casa, na Igreja das
Fronteiras, no Recife, após cinco dias internado no Hospital Português.
Suas lutas motivaram quatro indicações ao Prêmio Nobel da Paz, devido à
sua projeção no mundo inteiro como o sacerdote que lutava pela justiça
social, aliando a missão espiritual ao apoio aos fieis menos
favorecidos.
Filho
do jornalista João Eduardo Torres Câmara Filho e da professora primária
Adelaide Pessoa Câmara, desde cedo manifestou sua vocação para o
sacerdócio, tendo sido ordenado padre em 1931, aos 22 anos. Em 1936 foi
para o Rio de Janeiro, onde foi ordenado bispo auxiliar, em 1952 e, um
mês depois, bispo, aos 43 anos. Quando chegou ao Rio de Janeiro, então
com 27 anos, se espantou com o cenário de pobreza e marginalização, com
as favelas nas encostas dos bairros mais nobres da então capital do
país.
Com o incentivo e aprovação do então subsecretário geral do
Vaticano e futuro Papa João VI, Monsenhor Giovanni Batista Montini,
fundou, em 1950, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com
sede no palácio arquiepiscopal do Rio de Janeiro. Como acreditava que o
processo de evangelização e a Igreja Católica só se consolidariam se os
bispos trocassem ideias frequentemente, sugeriu a fundação da CNBB
Quando conseguiu, se tornou o primeiro secretário-geral da Conferência.
Mais tarde, ajudou a fundar a Conferência Episcopal
Latino-americana (Celam).
Sempre preocupado com os necessitados,
Dom Helder criou também o conjunto habitacional Cruzada São Sebastião,
que deu origem a outros projetos semelhantes, e o Banco da Providência,
que fornece atendimento à pessoas que vivem em situação de miséria. Em
1964 retorna à Pernambuco, quando é designado arcebispo de Olinda e
Recife.
Desempenhou funções em organizações não-governamentais,
movimentos estudantis e operários, ligas comunitárias contra a fome e a
miséria. Sofreu retaliações e perseguições por parte das autoridades do
regime militar brasileiro.
Se tornou um dos religiosos mais
visados pelos militares, chamado de “o bispo vermelho”. A morte do padre
que era seu auxiliar sempre foi vista como um recado dos agentes
repressores a Dom Hélder, cujo nome não podia sequer ser citado pela
imprensa. O corpo do sacerdote, com visíveis marcas de tortura e tiros,
foi encontrado em um terreno baldio da Cidade Universitária, na Zona
Oeste de Recife, em 27 de maio de 1969.
Quando houve o
golpe militar recebeu um mensageiro do dono das Organizações Globo na
época, Roberto Marinho, com um texto em que o arcebispo apoiaria a
ditadura. Recusou a proposta e rompeu relações com Marinho, de quem fora
padrinho de casamento.
Denunciou, em Paris, já nos anos 70, o
uso sistemático da tortura contra os dissidentes políticos no Brasil. Os
militares proibiram a publicação de qualquer entrevista de d. Helder
pelos meios de comunicação. O segundo tema proibido pela censura era o
dos direitos humanos.
Em 1970, o Sunday Times o definiu
como "o homem mais influente da América Latina, logo atrás de Fidel
Castro. Incomodava-lhe a “pompa excessiva” e o progressivo
distanciamento da Igreja das questões sociais. Chegou a falar certa vez:
"Quando dou de comer a um pobre, todo o mundo me chama de santo. Mas
quando falo que os pobres não têm comida, todos me apelidam de
comunista", próximo ao discurso que Francisco adotou recentemente,
quando foi também taxado de comunista.
O pedido para beatificação
foi feito pela primeira vez em 2008, quando documento elaborado
no Encontro Nacional de Presbíteros foi encaminhado à Congregação para a
Causa dos Santos, no Vaticano.
O processo de beatificação inclui
duas fases. Na primeira a igreja em que o candidato viveu deve reunir
informações sobre sua vida, virtudes e reputação de santidade. A partir
disso, ele já pode ser chamado como Servo de Deus. A segunda fase
compreende o envio do processo ao Vaticano e encaminhado à Congregação
para a Causa dos Santos.
Na década de 1990, lançou a campanha Ano
2000 Sem Miséria na Fundação Joaquim Nabuco. Jamais se acostumou com a
miséria, a dor e o sofrimento humano.
Em 2009, o centenário do
nascimento de Dom Helder foi lembrado na Assembleia Legislativa de Minas
Gerais, homenagem que contou com a presença de admiradores, autoridades
e políticos. “Hoje é dia de festa e de orgulho para o povo mineiro.
Esta Assembleia Legislativa, casa do povo e da democracia, resgata e
homenageia Dom Helder Câmara, grande defensor da liberdade, dos direitos
políticos, da justiça e da paz, mensageiro da esperança”, afirmou Paulo
Stumpf, diretor da Escola Superior Dom Helder Câmara, na ocasião.
Foi
Dom Luciano Mendes de Almeida que presidiu a Celebração Eucarística
de inauguração da Escola Superior Dom Helder Câmara. Sobre Dom Helder,
disse Dom Luciano:
Crítico da ditadura militar
Opositor
do regime militar no Brasil, Dom Hélder foi perseguido por sua atuação
social e política, e teve seu acesso aos meios de comunicação social
negados após o decreto do Ato Institucional 5. Em 1984, aos 75 anos,
renunciou e repassou o comando da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Em
1999, dois dias antes de completar 90 anos, foi inaugurado, em Recife, o
Centro de Documentação Hélder Câmara, que reúne um acervo de 7.547
meditações de Dom Hélder, seus 22 livros publicados em 15 idiomas, e as
cartas circulares escritas durante seus 67 anos de sacerdócio.
Como
ressaltou Leonardo Boff em artigo publicado em 2010, Dom Helder, o papa
João XXIII, Dom Pedro Casaldáliga e Dom Luiz Flávio Cappio são alguns
dos que não se apresentam como "autoridades eclesiásticas, mas como
pastores no meio do Povo de Deus".
O professor Luiz Carlos Luz
Marques, da Universidade Católica de Pernambuco, falou para a Rádio
Vaticano em 2013: "Lendo sobre Dom Hélder, percebe-se que ele tinha uma
sensibilidade muito grande. Uma questão era a dignidade das mulheres. No
caso do Concílio, ele pensava especialmente na dignidade das
religiosas. Outra coisa, claro, os pobres, a centralidade dos pobres:
essa percepção dele de que dois terços da humanidade vivia abaixo da
linha da pobreza, justamente nos países ditos 'cristãos'".