Domingo, 18 de maio de 2014
SOBRE O SEQUESTRO DE SIGLA
Nota da federação nacional do Movimento
Passe Livre
Não é nenhuma novidade que a partir das mobilizações de
junho, que surgiram principalmente das manifestações organizadas pelo Movimento
Passe Livre em São Paulo e pelo contexto de lutas contra aumento das passagens
em tantas outras cidades do país, o nome “Movimento Passe Livre” passou a ser
usado em muitas cidades onde não existiam coletivos MPL locais. A mídia deu uma
grande exposição das lutas contra o aumento das tarifas em São Paulo e pro MPL
em si, e isso contribuiu muito para esta proliferação de “Movimentos Passe
Livre” pelo Brasil afora. Hoje, muitos desses “Movimentos” que surgiram fazem
parte da federação do MPL, mas o “Passe Livre” também foi usado por vários
coletivos que tinham um caráter muito diferente do Movimento que temos
construído ao longo de vários anos.
Nos sentimos honrados de ser um dos atores responsáveis pela
retomada das lutas de rua autônomas e vitoriosas, e que a nossa organização e
as nossas práticas tenham servido de exemplo para tantas outras lutas, mas
precisamos ressaltar que nunca nos colocamos no papel de “donos” das lutas de
junho. E foi conscientemente que não assumimos o papel de “representantes”
dessas mobilizações. Nenhuma luta que o Movimento Passe Livre participou foi construída
sozinha, e se as lutas não fossem impulsionadas por todos que se mobilizaram
não teríamos conquistado a revogação dos aumentos. Nós acreditamos que as lutas
não devem ser só do MPL, ou de uma organização qualquer, e isso por duas
razões.
Primeiro, porque o MPL é só mais um movimento social entre
tantos outros que lutam contra a exploração e a opressão na cidade e no campo;
vamos seguir lutando, todos juntos, rumo às nossas vitórias, e é esta
diversidade de lutas e de organizações que nos faz fortes. Em segundo lugar,
nós não acreditamos o papel de “vanguardas” que se usam do discurso classista
para se colocar como os representantes de todos os trabalhadores, esses grupos
de “iluminados” e “entendidos em política” que querem falar em nome dos outros,
e atrapalham ou impedem a organização e participação direta dos próprios
trabalhadores, desempregados, comunidades indígenas e tantos outros
subordinados à dominação da sociedade capitalista racista e patriarcal. Se as
lutas de junho não foram suficientes para demonstrá-lo, que fique claro:
acreditamos que nós, de baixo, devemos nos organizar coletivamente por nós
mesmos, e qualquer forma de luta que tire a iniciativa direta daqueles que a
constroem serve apenas para nos manter na passividade a que o capitalismo nos
condena.
O Movimento Passe Livre não é uma moda passageira, como a
grande mídia faz parecer. Também não é uma onda de manifestações com pautas
variadas. O Movimento Passe Livre é um movimento social horizontal, autônomo,
apartidário e independente, fundado em 2005 numa plenária do Fórum Social
Mundial, a partir da articulação de vários coletivos locais que já se
organizavam há algum tempo pra lutar pelo passe livre estudantil em suas
cidades. Em 2006, adotamos oficialmente o federalismo como forma de
organização, pensando em dois objetivos: (a) criar uma estrutura nacional para
apoiar as lutas locais, sem criar qualquer hierarquia entre os coletivos
federados, e (b) abrir uma “via de mão dupla”, através da qual, os coletivos já
federados e coletivos recém-acolhidos na federação possam contribuir consciente
e ativamente com o desenvolvimento das lutas pelo direito à cidade e pela
tarifa zero em todo o país. Essas são as bandeiras do movimento. Qualquer
pessoa interessada pode encontrar essas resoluções – públicas – tiradas no III
Encontro Nacional do MPL, no nosso site: http://mpl.org.br/?q=node/2.
Desde junho, a grande mídia e alguns setores da esquerda têm
tentado confundir o movimento social organizado, que é o MPL, com uma frente de
lutas ampla e irrestrita, para abafar e diluir aquilo com que o MPL contribuiu
decisivamente em junho, de maneira organizada: a manutenção de um sentido
sólido para a mobilização popular e massiva – uma pauta concreta, simples e
palpável, que representa um avanço real na luta popular e que pôde ser
conquistada pela luta do povo.
Por isso nos preocupamos com o sequestro do nome “Movimento
Passe Livre” por organizações políticas e indivíduos oportunistas, que tentam
se aproveitar da legitimidade que o Movimento construiu ao longo de todos esses
anos e em junho. Usam o nome do nosso coletivo desrespeitando completamente
nossa história de luta. Em Osasco (SP), enquanto o grupo Osasco Contra o
Aumento organizava manifestações contra o aumento, membros da União da
Juventude Socialista (UJS) usaram a sigla “MPL” para legitimar-se em
negociações com o governo. Também na baixada santista (SP), a UJS tentou
aparelhar um coletivo que está tentando refundar o MPL na região. Em Salvador
(BA) uma frente hegemonizada por indivíduos e organizações de esquerda de cunho
nitidamente governista usa a sigla do MPL para se projetar politicamente, e tem
hostilizado a própria federação nacional do MPL. Em São Luís (MA), um coletivo
local ingressou na federação recentemente, mas não sem antes ter de lidar com
um conhecido militante oportunista do movimento estudantil que tentava marcar
reuniões com o governo e a prefeitura, e se dizia “coordenador” do movimento,
vestido com a camisa do MPL. Em Curitiba, o coletivo expulso da federação, em
2012, insiste no uso ilegítimo de nossa sigla.
Estas situações são apenas as que tivemos notícias, mas, por
conta da dimensão das jornadas de junho, devem haver vários outros casos como
esses. Diante de todos eles, reafirmamos que só integram a federação nacional do
Movimento Passe Livre, aqueles coletivos que passaram pelo processo de adesão
ao MPL: que mostraram ter concordância com os princípios do movimento, dos
quais conhecemos a história na própria cidade, que procuraram e foram
acompanhados por outros coletivos já federados, e nos quais temos plena
confiança e laços de solidariedade de luta. Não proibimos, nem poderíamos
proibir que qualquer grupo de pessoas se organize politicamente, e esperamos
que mais pessoas se organizem na luta pelo transporte, mesmo que não seja pelo
MPL; mas denunciaremos publicamente qualquer tentativa de sequestro do nosso
nome por oportunistas que usem a sigla do movimento como uma chance momentânea
de crescer na política ou de se afirmar diante de qualquer governo.
POR UMA VIDA SEM CATRACAS E SEM
OPORTUNISMO!
Movimento Passe Livre – Brasil
11.05.2014