Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)
Mostrando postagens com marcador Roberto Amaral artigo "Crônica do império em declínio". Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Roberto Amaral artigo "Crônica do império em declínio". Mostrar todas as postagens

sábado, 27 de julho de 2024

Crônica do império em declínio

Sábado, 27 de julho de 2027

Crônica do império em declínio
Roberto Amaral*

Para Charles Pessanha, in memoria

“Na história dos EUA, democratas e republicanos cerraram fileiras para defender o imperialismo” - Claudia de la Cruz, candidata socialista à presidência dos EUA

A comédia do presidencialismo nos EUA transita do quase burlesco, como o debate do 27 de junho, à tragédia do último 13 de julho. Consumado com êxito, o atentado, ainda que lamentável, seria, apenas, mais um homicídio político, curial naquele país, como o que antes abateu o senador democrata Robert Kennedy, igualmente em campanha pela Casa Branca. A violência política não tem caráter.

Desta feita, a competência que não faltou a Lee Oswald fugiu da mira do jovem Thomas Matthew Crooks, livrando a história estadunidense de mais um trauma, algo que se dirá natural, ou lógico, em sociedade e nação construídas e sustentadas pela violência interna, que leva para fora de seus limites sua essência constitutiva: a violência larvar, a violência do dia a dia e a violência estritamente política; a violência social, a violência interpessoal e intergrupos. A violência racial e a violência nas relações com outros povos, a partir da autoconvicção paranoide de sua superioridade, e de seu dever, derivado dessa alucinação, de impor-se a todo o mundo como matriz, assim como a fé era levada aos ímpios pelas espadas sagradas dos cruzados: a ferro e fogo.

Consideremos um recorte de suas disputas políticas: quatro presidentes assassinados (Abraham Lincoln, James Garfield, William McKinley e John Kennedy); dois presidentes vítimas de atentados (Ronald Reagan e Theodore Roosevelt, este antes de tomar posse); um candidato à presidência assassinado (Robert Kennedy) e, dentre as muitas personalidades abatidas a tiros, Martin Luther King e Malcolm X. Nesta lista se insere, agora, Donald Trump, sobrevivente como Reagan, seu colega de partido e irmão no reacionarismo.

Enquanto Biden, em cena aberta, se reconhecia como ator sem enredo e sem “ponto”, o oponente se consagrava no papel de grande bufão. Nos gestos, nas falas, nas propostas, como na truculência. Nessa arte ele é imbatível. O aparentemente inexplicado é que o candidato dos ricos expressa a alma perena do americano comum, assustado com a decadência do país, que lhe haviam ensinado na escola, no serviço militar e na igreja haver sido escolhido por Deus para ser uma nova Canaã: a maior, a mais rica e poderosa nação do mundo. Por isso Trump é um candidato perigoso, como perigoso se revelou o vice que tirou do colete, para quem a essência da alma americana está em um fuzil. Aqui, gente também desprezível diz o mesmo, com igual desenvoltura e igual sucesso, inclusive nos palcos das corporações neopentecostais.

Apesar de tudo, não há nada de novo no front, pois quase nada muda naquele país, qualquer que seja o partido no governo. Persiste a política de expansão imperialista, motivada pela própria formação histórica, mas alimentada pelo complexo industrial-militar, que precisa de guerra para sobreviver.

A diferença entre o Partido Republicano e o Democrata é a que se identifica entre irmãos siameses. O mesmo se aplica a seus líderes na Casa Branca. Foi o democrata Harry Truman que em 1945 lançou duas bombas atômicas sobre a população civil de um Japão já derrotado; foi ele ainda quem criou a chamada Guerra da Coreia (um morticínio ainda muito pouco comentado), enquanto o republicano Dwight Eisenhower negociou o dúbio armistício. Foi o democrata Lyndon B. Johnson quem deu início à invasão do Vietnã, enquanto ao republicano Richard Nixon coube negociar a paz. Os democratas John Kennedy (que conduziu a fracassada invasão de Cuba) e o mesmo Lyndon Johnson, seu sucessor, articularam o golpe militar no Brasil, em 1964, enquanto o republicano Nixon dirigiu a derrubada de Allende no Chile.

Joe Biden, democrata, a quem a humanidade deve haver derrotado Trump, como devemos a Lula a derrota de Bolsonaro, vitórias e derrotas que se equivalem, iniciou a retórica beligerante contra a Rússia e a China, a quem impôs seguidas restrições comerciais e embargos tecnológicos. É o principal fornecedor de recursos e armas para a Ucrânia e para o sionismo israelense. É sua política que dá sustentação ao governo criminoso de Benjamin Netanyahu, portanto à guerra de agressão e extermínio povo palestino, ora em curso, e sem indicação de termo. Trump, em seu quatriênio, provocou o quanto pôde o governo chinês, que seu candidato a vice anuncia como o novo “inimigo número um” dos EUA. Todos os presidentes americanos, democratas e republicanos, de John F. Kennedy a Biden, passando pela dinastia Bush, tentam sufocar o povo cubano, num cerco covarde que chega às raias do genocídio.

Em que se diferenciam esses partidos para supormos que uma administração democrata, com Joe Biden ou Kamala Harris, nos poderia e pode ser mais favorável?

O presidente Lula se entendeu muito bem com o republicano George W. Bush (chegaram mesmo a desenvolver um certo grau de amizade), e terminou seu governo dizendo-se traído por Barack Obama, o presidente democrata cujo governo instalou escutas no gabinete da presidente Dilma Rousseff e invadiu os computadores da Petrobras.