Terça, 2de setembro de 2025
Para Tereza Campello, bioinsumos são centrais na transição para sistemas alimentares sustentáveis
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A diretora socioambiental do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Tereza Campello, defende que o Brasil precisa investir em bioinsumos e agricultura familiar para garantir a soberania alimentar e enfrentar a emergência climática. Em entrevista ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, ela critica o modelo do agronegócio baseado na exportação de commodities e uso intensivo de venenos agrícolas.
“Não podemos aceitar que a grande produção seja saudável, ou pelo menos sem essa quantidade bestial de produtos químicos, e seja exportada, e que fique para a população brasileira o pior produto, a pior carne, a carne que é desmatada, ou o produto que é a soja ou o milho que é contaminado”, defende.
Para ela, a alternativa da produção de bioinsumos, é estratégica para garantir soberania alimentar e enfrentar a emergência climática. Desenvolvidos a partir de organismos vivos ou ingredientes naturais, como insetos, bactérias, plantas, vírus e fungos, eles atuam de forma seletiva, eliminando pragas específicas das lavouras, sem prejudicar polinizadores, insetos e animais.
O BNDES anunciou, na última semana, que vai destinar R$ 60 milhões para cooperativas da agricultura familiar produzirem bioinsumos. Os recursos serão na modalidade não reembolsável, ou seja, o valor recebido não precisa ser devolvido ao banco. A iniciativa vale para todo o país, mas com prioridade para as regiões Norte e Nordeste.
“Nós queremos viabilizar que esses bioinsumos sejam muito mais saudáveis e sustentáveis, cheguem para aqueles que produzem comida de verdade no Brasil, que é a agricultura familiar. É impossível pensar na transição de sistemas, dos sistemas que existem hoje, para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis, que é uma exigência do país, sem falar de bioinsumos”, aponta.
Alternativa aos agrotóxicos
O Brasil é o maior consumidor de venenos agrícolas do mundo. Para Campello, essa dependência torna o país vulnerável a crises internacionais e impacta diretamente a saúde da população. Ela lembra que, durante a pandemia e o início da guerra na Ucrânia, a interrupção do comércio internacional e a alta dos preços expuseram os riscos da dependência de fertilizantes e produtos químicos importados.
“A produção no Brasil é crescente de agroquímicos e fertilizantes, agrotóxicos, uma dependência de produção química enorme. Isso é basicamente importado. Então, além da questão da segurança alimentar, portanto produzir de forma mais saudável e sustentável, nós também estamos falando de soberania alimentar”, pontua.
A diretora acredita que o projeto terá um impacto enorme garantindo autonomia para a agricultura familiar, porque não é um projeto que um grupo vai se aproveitar temporariamente. “À medida que essas microindústrias sejam instaladas, esses projetos de bioinsumo, isso vai ter benefícios para o conjunto dos agricultores”, explica.
Agricultura familiar e comida no prato
“A agricultura familiar é a grande responsável pela produção da comida que chega na mesa do brasileiro”, ressalta a dirigente do BNDES. “Investir na agricultura familiar é investir num alimento mais saudável, porque em geral, só de falar que é agricultura familiar, já estamos falando de agroecologia. É muito difícil comparar um produto do grande agronegócio com um produto da agricultura familiar, ele sempre vai ser menos intensivo em produção química”, acrescenta.
Na visão de Campello, “investir na agricultura familiar é investir em comida de verdade, em agroecologia, em justiça social. É um combo completo. Estamos falando sustentabilidade social, de justiça econômica, de justiça e igualdade, descentralização, desconcentração da terra”.
Enfrentar crise climática exige transição alimentar
A diretora do BNDES relaciona o tema ao debate climático global. Para ela, não basta discutir apenas a transição energética, como ocorre comumente em fóruns internacionais. O Brasil receberá, em novembro, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30).
“Toda vez que falamos de clima, as pessoas começam a falar de transição energética, como diminuir os combustíveis fósseis e ter mais energia renovável, e só se fala disso, de carbono. Na verdade, nós não vamos garantir uma nova agenda estratégica para que o mundo possa enfrentar essa emergência climática se não colocarmos a transição para sistemas alimentares sustentáveis no centro dessa pauta também”, analisa.
Na avaliação de Campello, a soberania alimentar precisa ser entendida como prioridade estratégica do país, principalmente diante de crises globais. Ela lembra o episódio do arroz durante a pandemia, quando o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) incentivou exportações e disse ao povo para substituir o grão por macarrão.
“Veja se é possível um país dizer para o povo substituir o arroz e o feijão, que é uma alimentação saudável, uma das melhores do mundo, e mandar o povo comer macarrão. Só realmente um governo completamente despreocupado com o seu povo, como era o caso do governo Bolsonaro, podia fazer isso”, critica. “Cuidar do que come o nosso povo é fundamental. Essa não é uma agenda só de governo, é uma agenda que tem que estar na boca do povo. E no prato também. Principalmente no prato”, conclui.
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.
Editado por: Maria Teresa Cruz