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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Assad escolhe o confronto

Quarta, 11 de janeiro de 2012
Por Ivan de Carvalho
Os fatos e as palavras levam a crer que está se aproximando o desfecho da crise na Síria, mais um dos países onde o movimento por liberdade e democracia apelidado de Primavera Árabe conseguiu instalar-se, mas até aqui não conseguiu desestabilizar realmente o regime do ditador Bashar al Assad, que herdou a “presidência” de seu pai, Hafez al Assad, somando os dois quatro décadas no poder.

    Ontem, a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Susan Rice, em coletiva à imprensa, afirmou que “já passou da hora” de o Conselho de Segurança da ONU agir com seriedade em relação à Síria. Ela acusou a Rússia de “barrar” todas as tentativas de o Conselho de Segurança aprovar um “texto coerente” de condenação à repressão do ditador Assad aos protestos que já duram muitos meses. A embaixadora poderia também acrescentar que a China, que como a Rússia tem também direito de veto no Conselho de Segurança, vem, ainda que menos enfaticamente, auxiliando a Rússia no bloqueio de qualquer condenação séria ao regime de Assad.

    Logo após o discurso de Rice, o representante do governo sírio, Bashar Ja'afari, disse que o que está havendo é uma conspiração internacional contra Assad e seu regime. Provavelmente, digo, tipo a que ocorreu na Tunísia, no Egito, na Líbia (onde a intervenção externa aconteceu porque Gadhafi estava ameaçando – e tentando – matar todo mundo).

A ONU afirmou há cerca de um mês, com base em levantamentos feitos por ela mesma, que a repressão do regime aos protestos populares já resultou em 5 mil mortos na Síria. Desde esse anuncio da ONU, centenas de milhares de outras pessoas já morreram, o que pode ser verificado nos noticiários diários da mesma forma que nas informações do Conselho Nacional Sírio, que coordena a oposição na Síria.

Desnecessário dizer que a oposição síria é ilegal para o regime de Assad, regime que resolveu chamar todos os manifestantes, por mais desarmados e pacíficos que sejam, de “terroristas”. Um motivo para matá-las ou prendê-los, pois há milhares (número, porém, indefinido, porque o governo esconde e a oposição não tem como obter informações precisas) de pessoas presas.

Embora os escalões superiores do bem equipado e bem treinado Exército sírio estejam constituídos por oficiais da seita muçulmana alauita (a de Assad), que tem apenas dez por cento da população, têm ocorrido freqüentes episódios de deserção em massa (talvez de capitão, no mínimo tenente para baixo). Casos de execução em massa de desertores no momento da tentativa mesma de deserção têm sido também relatados. Os desertores levam suas armas e por isto, principalmente, há também grupos armados hostilizando o regime.

Mas o que pôs mais lenha na fogueira síria foi o discurso do ditador Bashar al Assad, considerado pela oposição como uma “incitação à guerra civil”. O Conselho Nacional Sírio denunciou como inepto o relatório dos monitores (eles foram todo o tempo monitorados pelos agentes do governo de Assad) enviados pela Liga Árabe e pediu à ONU que se posicione.

Assad prometeu convocar eleições para uma constituinte e, depois de pronta a Constituição, convocar eleições parlamentares e depois... depois ninguém sabe. Disse que não há divisão interna na Síria, apenas terroristas hostilizando seu governo e garantiu que nenhuma de suas tropas recebeu ordens de atirar em cidadãos. Suponho que só nos “terroristas” – que para Assad, por coincidência, são os cidadãos que fazem manifestações de protesto.

Está claro que o ditador escolheu o confronto definitivo. E até avisou que não deixará o poder e vai declarar vitória em breve.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.