Domingo, 22 de janeiro de 2012
Da Radioagência NP
"A chamada cracolândia de São Paulo
apareceu na mídia por conta do balé descompassado no qual escorregaram
os poderes públicos municipal e estadual, setores da saúde, da
assistência social e a Polícia Militar."
Chico Buarque fez a canção Brejo da Cruz, em
1984, há mais de vinte e cinco anos, e, já então, anunciava a dita
novidade: “a criançada a se alimentar de luz, meninos alucinados ficando
azuis, e desencarnando lá no brejo da cruz....” O Brasil está cheio de
brejos da cruz, não mais só com meninos, se alimentando do cheiro da
cola e de luz, mas agora com mulheres grávidas, jovens, homens e
mulheres, também alucinados, sem esperança, em busca, incessante e
continua, de mais uma pedra de crack.
A chamada cracolândia de São Paulo apareceu na mídia por conta do
balé descompassado no qual escorregaram os poderes públicos municipal e
estadual, setores da saúde, da assistência social e a Polícia Militar,
que no comando da orquestra tresloucada, usa não a batuta, mas o
cassetetes, para todo lado. Tudo num cenário caótico, de falas
desencontradas e políticos a querer tirar algum ganho com todo o caos.
Os usuários de crack, bem se sabe, compõem a parcela mais excluída dos
excluídos desta sociedade brasileira que se quer moderna, em franco
desenvolvimento, como cantam os homens da economia, e tão consumista.
Tirar o usuário do mundo do crack é coisa difícil, complexa e que
exige mais, muito mais do que tratamento, com ou sem internação (esta,
nunca compulsória). É preciso possibilitar que o usuário, não mais
usando a droga, encontre seu lugar na sociedade. É preciso dar ao
cidadão sua cidadania, oferta de trabalho e marcos de dignidade; dar à
criança a educação que merece, e ao jovem o caminho possível de seus
sonhos.
De nada adianta limpar as ruas sujas do centro, dispersar a turba, ou
tirar o “nóia” do crack e lhe dar uma sociedade que se embriaga em
álcool e no cigarro, e um subemprego de mínimos, açoitando-o com o
desejo enganoso de que felicidade é comprar um carro ou tv de plasma, em
longas prestações... antes de terminarem essas parcelas de um sonho tão
volátil, o menino, ou homem ou mulher, o jovem, sem projetos e sonhos,
estará de volta ao crack.
Sem volteios, a sociedade brasileira precisa reconhecer seus males e
não apenas querer esconder esses "milhões de seres que não mais se
disfarçam tão bem" e, que antes de desencarnarem, ficando azuis, nos
apontam que, já existiam eles, sim, muito antes, e que eram crianças, e
que "comiam luz” neste triste e brasileiro brejo da cruz.
Dora Martins é Integrante da Associação Juízes para a Democracia.