Terça, 4 de janeiro de 2014
Da Pública
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
Cinco histórias de vitórias populares contra
violações aos direitos à cidade, à moradia, ao trabalho, à cultura e ao
esporte durante os preparativos da Copa
Não faz muito tempo que a palavra de ordem “Não vai ter Copa” surgiu
nas manifestações que denunciam os impactos sobre a população e
questionam o legado da Copa do Mundo de 2014. Com outras faixas, como
“Copa pra Quem?”, há três anos as organizações populares das 12
cidades-sede vêm denunciando as remoções de comunidades, questionando a
construção de obras contrárias ao interesse público e reivindicando o
direito da população de trabalhar em áreas sujeitas às exigências da
Fifa. Protestos, abaixo-assinados e ações judiciais foram instrumentos
capazes de trazer a vitória da população organizada em alguns desses
casos – e essas conquistas talvez sejam o principal legado que a Copa
deixará para o Brasil.
Recuperamos cinco dessas histórias.
Natal: Um projeto alternativo de tráfego poupa a comunidade do despejo
“O que eu aprendi? Aprendi que temos direitos”, resume a professora
de geografia Eloísa Varela, que morava – e ainda mora – ao longo da
Avenida Capitão-Mor Gouveia, no bairro de São Domingo, zona oeste de
Natal. Em agosto de 2011, ela recebeu uma notificação da prefeitura
avisando que seria removida da casa onde vive há 21 anos.“De início a
pessoa se aperreia com a história que vai perder a casa, tem toda a
questão do lugar, de se reconhecer nele e perder os laços estabelecidos
ali”, lembra. Cerca de 250 famílias residentes ao longo da avenida, que
liga o aeroporto ao estádio Arena das Dunas, receberam o mesmo papel com
a sentença que abateu Eloísa. “Tinha gente que vivia lá há 40 anos”,
ela diz.
Eloísa começou a participar dos encontros do Comitê Popular da Copa,
que reuniam moradores, arquitetos, urbanistas, advogados. Juntos, viram a
luz no fim do túnel: “Estudando o projeto, começamos a ver que a obra
em si estava irregular: não atendia aos parâmetros plano diretor, não
houve audiência pública, não havia a licença ambiental… A gestão
simplesmente decidiu que ia ser esse o projeto e avisou o povo“. Para
entrar na Justiça contra o projeto, formalizaram a criação da Associação
Potiguar dos Atingidos pela Copa (APAC). Mas o mandado de segurança
impetrado para impedir o início das obras foi negado pelo juiz da 2ª
Vara da Fazenda Pública de Natal em março de 2012. Resolveram tentar
outro caminho. “No começo a gente só estava pensando em ações legais.
Até que um morador propôs: por que não montamos um projeto
alternativo…?”, lembra Eloísa.
O projeto oficial previa, como principal mudança naquele trecho, o
alargamento da avenida – o que provocaria as remoções – para acelerar a
ligação entre o aeroporto e o estádio Arena das Dunas, já conectado ao
parque hoteleiro na via costeira. “É um percurso turístico, ou um
‘percurso Copa’”, explica Dulce Bentes, professora do Departamento de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Como se tratava de um projeto viário, passaram a realizar
seminários e workshops para propor um traçado alternativo, com a ajuda
de Dulce e outros arquitetos e urbanistas. Depois de estudar o tráfego
da região, o grupo chegou a um modelo em que vias paralelas à avenida
também seriam utilizadas para o deslocamento, sem necessidade de
alargá-la.“É uma caixa de ruas bastante largas, então a ideia era fazer
fluir o tráfego num sentido em uma avenida, e voltar em outra. Fizemos
muito mais um estudo de tráfego do que simplesmente optar por aumentar
uma avenida para usar só uma via”, explica.
O projeto foi entregue para representantes da prefeitura em uma
audiência pública em maio de 2012 e, mesmo antes disso, o comitê popular
já buscava explicar o problema à população, entregando flores e
panfletos aos motoristas que passavam no local.
Em agosto, a Secretaria de Planejamento Municipal de Obras Públicas
passou a discutir alternativas. Mas, com a prefeita Micarla Araújo de
Sousa (PV) em fim de mandato, parecia difícil o projeto sair do papel.
Os moradores passaram a pressionar os candidatos em campanha, ávidos por
apoio e generosos nas promessas, e conseguiram arrancar de dois deles o
compromisso de, se eleitos, rever o projeto.
Ao tomar posse, o novo prefeito Carlos Eduardo Alves (PDT) revogou os
decretos de desapropriação e chamou o comitê para uma reunião. Pediu
que a proposta fosse reapresentada formalmente. “Nenhuma remoção foi
realizada”, comemora Eloísa, ressaltando que há outras bandeiras
importantes ainda em disputa em Natal, como a de barrar a redução da
área do Parque Areia das Dunas, o segundo maior parque urbano do país.
“Essas gestões foram eleitas, então têm que atender às demandas da
sociedade. Então não estou cobrando nada além dos meus direitos, o
cidadão tem o direito de discutir a cidade e a construção dela”.
Salvador: Baianas usam Internet no “lobby” contra a FIFA
No dia 5 de abril de 2013, cerca de cem baianas paramentadas tomaram a
entrada do Estádio Fonte Nova, em Salvador, durante a cerimônia de
inauguração da arena, com a presença da presidenta Dilma Rousseff, do
governador da Bahia, Jaques Wagner, e do prefeito da capital baiana, ACM
Neto. “Levamos tabuleiro, distribuímos acarajé de graça, 200
camisas do Vitória e do Bahia, e outras falando ‘A Fifa não quer acarajé
na Copa’”, conta Rita Santos, presidente da Associação das Baianas de
Acarajé.
O protesto bem humorado foi motivado pelas normas da FIFA para a
venda de alimentos nos estádios durante os jogos da Copa do Mundo que,
na prática, impediam que as baianas vendessem o quitute tradicional,
considerado patrimônio imaterial do Brasil. Além dos tabuleiros, as
baianas traziam um abaixo-assinado com mais de 17 mil nomes. Foi a
cartada final de uma campanha de ‘advocacy’, um lobby do movimento
popular, que envolveu contatos com políticos e uma estratégia de apoio
da população que atraiu a atenção – e a simpatia – da imprensa
nacional e internacional.
A carioca Rita Santos, mãe do goleiro Felipe, do Flamengo, gosta de
contar a história que terminou com a vitória das baianas. Foi um
jornalista que a preveniu de que as regras da FIFA para a venda de
produtos nos estádios e em seu entorno exigiam uma licitação, de
burocracia inalcançável para essas trabalhadoras autônomas. A resposta
da FIFA: todas as lanchonetes poderiam vender acarajé desde que
vencessem as licitações.
“A gente disse que não, que a gente não queria ser empregadas da
empresa, queria trabalhar por conta própria, como sempre trabalhamos”,
diz Rita. “A Dona Norma, a Solange, a Meirejane trabalham em todos os
jogos. A Dona Norma trabalha lá há mais de 50 anos”, explica Rita. “Foi
por causa dessas três que eu comecei a brigar”.
Rita, figura conhecida da imprensa baiana (afinal, é a associação que
cuida de diversos cerimoniais do governo do Estado), passou a dar
entrevistas criticando duramente a jogada da FIFA. “Eu já tinha ido
conversar com o governador aqui, mandado emails para o ministro dos
Esportes e para a FIFA, fui no Ministério Público e abri uma ação contra
a FIFA…”
O movimento atraiu a atenção da equipe da Change.org., uma
organização que promove petições on line em defesa de direitos que
estava chegando ao Brasil. “Entramos em contato para ver se elas se
interessavam em fazer um abaixo-assinado. Toparam na hora”, explica
Graziela Tanaka, diretora de campanhas da Change. “Elas já são super
organizadas politicamente, têm contato direto com as pessoas mais
poderosas da Bahia. A gente ajudou na parte estratégica, buscando ver
quem era o responsável da secretaria especial para a Copa em Salvador,
fazer o contato com o Governo Federal”, Nos seis meses seguintes, a
petição recolheu 17.728 assinaturas. “Aí o movimento deixou de ser
local, começou a sair matéria em outros estados e outros países”, avalia
Rita.
O abaixo-assinado foi entregue a um assessor do gabinete da
Presidência da República durante a inauguração, quando as baianas foram
convidadas de última hora a entrar no estádio. Pouco depois, Rita foi
chamada pelo Secretário Especial para Assuntos da Copa: a FIFA tinha
autorizado as baianas a trabalhar na Arena na Copa das Confederações.
Apesar de a vitória ter alcançado notoriedade internacional – afinal,
foi uma das poucas vezes em que trabalhadores conseguiram mudar uma
determinação direta da FIFA – Graziela lamenta que a entidade jamais
tenha declarado publicamente ter mudado sua posição. “Eles não queriam
dar a vitória como fruto de pressão popular”, diz Graziela.
Belo Horizonte: A persistência dos feirantes do Mineirinho
Os feirantes da tradicional Feira de Artesanato do Mineirinho, o
estádio Jornalista Felipe Drumond, em Belo Horizonte, também tiveram que
lutar muito – foram seis meses de protesto – para obter um desfecho
favorável de sua causa.
Entre 2011 e abril de 2013, a feira que acontecia todas as
quintas-feiras e domingos, dentro do estádio, foi fechada para dar lugar
às estruturas temporárias da Copa das Confederações. Rumores de que
esse fechamento seria permanente ameaçavam 400 expositores e cerca de 4
mil empregos indiretos gerados por esse comércio.
“Nós tentamos diálogo várias vezes antes de fazermos manifestações.
Mas o secretário estadual dos esportes, Eros Biondini, falava que não
era ele que resolvia, e o Tiago Lacerda, que na época estava à frente da
Secretaria Estadual para Assuntos da Copa do Mundo, nunca nos recebeu”,
diz Thereza Marques, presidente a AEFEM.
A solução foi ir às ruas – ou melhor, ao estádio. “A AEFEM continuou
indo ao Mineirinho todas as quintas e domingos, no horário da feira,
pedindo a nossa volta”, lembra. “A gente tinha umas 100 pessoas a cada
dia com faixas, cartazes, panfletos. A gente vendia bala no sinal,
conversava com o pessoal, contava o que estava acontecendo”. A convite
do Comitê Popular dos Atingidos Pela Copa (COAPC), os feirantes
ampliaram sua presença nas ruas, durante as primeiras manifestações
massivas na cidade, que recebia a Copa das Confederações em junho.
“Fomos pras ruas, mas agora pra uma manifestação maior que a nossa, no
tamanho. No dia 17 de junho, seguimos da Praça 7 ao Mineirão, e lá
Claudio, nosso colega de feira, levou gás lacrimogêneo da cara, spray de
pimenta, quase foi preso… Mas firmes em trazer a feira de volta”,
relata Thereza.
Foi quando o governo do Estado procurou o Comitê Popular dos
Atingidos Pela Copa (COAPC) e a AEFEM para conversar. “Fomos chamados
para uma reunião com o governador sobre segurança nas manifestações. Foi
aí que conseguimos marcar outra reunião para falar das demandas da
população, entre elas a da feira do Mineirinho”.
Pouco depois, a sorte virou. “Foi no dia 25 de Julho – não esqueço –
que a gente recebeu a resposta do Ronaldo Pedron, assessor do
Governador, de que poderia voltar a um espaço provisório, e depois da
Copa ganhar um espaço efetivo [no Mineirinho]”, lembra Thereza. Os
feirantes retornaram no fim de 2013, e hoje ocupam o primeiro andar do
estádio. “Estamos gostando bastante. A feira fica mais compacta, mais
fluida, é mais fácil para as pessoas verem a feira toda”. Agora, eles
brigam para que esse acordo seja assinado com a nova empresa
concessionária do estádio. “Já avisamos que só vamos sair [para a Copa]
quando tivermos em mãos o contrato assinado”. Não há ainda data para a
nova licitação.
Fortaleza: 22 comunidades ainda em luta
Em meados de 2010, os moradores da comunidade Caminho das Flores, no
bairro de Parangaba, foram visitados pelos técnicos contratados pelo
governo estadual para fazer o cadastro das 45 famílias residentes na
única rua da comunidade. O motivo? A 18 metros dali, passaria o primeiro
trecho do VLT (Veículo Leve Sobre Trilhos) que ligaria o oeste de
Fortaleza ao Porto de Mucuripe, a um custo estimado de R$ 265,5 milhões,
bancados pela Caixa Econômica Federal e o governo estadual. A notícia
veio tão abrupta quanto desencontrada; os moradores não ouviram falar
mais da obra até o final de 2012, lembra Thiago de Souza, morador e
integrante do Comitê Popular da Copa de Fortaleza: “Foi aí que o
governo fez uma reunião com a gente para explicar o que seria feito”.
A faixa de 7 metros, que teria de ser cedida para o novo VLT,
significava que boa parte das casas seria “comida” pelas
desapropriações. “No meu caso, por exemplo, meu terreno tem 135 metros.
Eles queriam desapropriar 35”. Foi aí que a comunidade resolveu se
organizar e se juntar a outras 21 comunidades que passavam por uma
situação semelhante. “As 22 comunidades existem há mais de 50, 60 anos. E
o governo num passe de mágica quer acabar com elas”, resume Thiago. “A
gente foi atrás quando a coisa esquentou para a gente”, lembra ele,
apontando por exemplo que o projeto do VLT não havia sido apresentado
aos moradores.
Junto com as outras comunidades, eles entraram em contato com o
Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei
Tito de Alencar, que contatou a Defensoria Pública. “A gente só
conseguiu ver o projeto mesmo depois que a Defensoria entrou com uma
ação civil pública exigindo que fossem respeitados os nossos direitos”.
Houve três audiências na qual a Defensoria mediou as negociações com o
governo estadual. O resultado, no caso da Caminho das Flores, é que o
terreno a ser desapropriado foi bastante reduzido, e os moradores
conseguiram reconstruir suas casas no próprio terreno, com maior recuo.
“Na comunidade Lauro Vieira Chaves iam ser 200 famílias removidas e
conseguimos reduzir para 50. Na Alcir Barbosa também, iam ser mais de
200 e conseguimos abaixar para 50 famílias removidas”, comemora Thiago.
Segundo os dados oficiais, cerca de 3 mil famílias seriam
inicialmente removidas, mas o número foi reduzido para 2.185 residências
que estão atualmente em processo de remoção. Já o Comitê Popular
contabiliza 5 mil famílias em risco inicialmente, e diz que ainda há
2.500 famílias que devem ser removidas pelo VLT (em diversas
residências há mais de uma família). “O governo diz que foi ele que
reduziu esse número, mas isso nada mais é que fruto da luta das
comunidades. Se ninguém tivesse resistido, hoje estaria todo mundo na
rua…”, diz.
O Comitê segue em negociação, e pretende reverter mais remoções forçadas na área do VLT.
Rio de Janeiro: O Maraca é nosso, o Maraca é deles
No dia 29 de julho de 2013, o governador Sérgio Cabral anunciou
pelo twitter: “Tenho ouvido muitas manifestações em defesa da
permanência do Parque Aquático no complexo do Maracanã. Coaracy [Nunes,
presidente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos] me disse
que o governo com isso estaria atendendo à natação brasileira. Diante
disso, o Júlio de Lamare [nome do parque] está mantido”.
Os tweets marcavam uma recuada e tanto do governo Cabral, amplamente
comemorada pelos que protestavam contra a destruição do complexo: além
do parque aquático, a sede do ex-Museu do Índio, ocupada por
representantes de várias nações indígenas, o estádio de atletismo Célio
Barros e a Escola Municipal Friedenreich, estavam igualmente condenados à
demolição. “O anúncio começou pelo Júlio de Lamare, posteriormente ele
falou não ia demolir a pista de atletismo, e quando chegou em 5 de
agosto veio a confirmação que a escola não seria mais demolida”, lembra
Carlos Ehlers, pai de duas alunas da Friedenreich.
A suspensão das demolições vinha sendo reivindicada pelo Comitê
Popular da Copa no Rio de Janeiro – um dos mais ativos do Brasil – desde
2012, mas os tweets do governo vieram em um momento em que o Rio estava
sob a intensa agitação das manifestações que começaram em junho e se
prolongaram por meses.
A revolta contra a descaracterização do Maracanã pelas obras da Copa
era uma das bandeiras que unia os cariocas bem antes dos protestos de
junho, como explica Gustavo Mehl, membro do Comitê Popular e apaixonado
pelo Maraca. “O Maracanã resumia o que estava acontecendo na cidade: o
processo de privatização, autoritarismo, falta de interlocução com a
sociedade civil, remoções, expulsão dos pobres, elitização dos espaços.
Mas a partir de 2012, o Maracanã vira um símbolo de luta”.
O anúncio oficial dos planos de demolição foi tornado público em 22
de outubro de 2012, com a publicação do edital de licitação da concessão
pelo governo do Estado. Aos protestos puxados pelo comitê uniram-se os
indígenas, que moravam e expunham objetos artesanais na Aldeia Maracanã,
como foi rebatizado por eles o antigo Museu do Índio, fundado por Darcy
Ribeiro; os pais dos alunos da escola municipal Friedenreich, décima
melhor do país segundo o índice do Ideb; os atletas que treinavam no
estádio de atletismo Célio de Barros; e os nadadores do Parque Aquático
Julio de Lamare. Juntos, eles passaram a se reunir semanalmente,
divulgando suas denúncias principalmente pela internet – um dos vídeos,
sobre violações de direitos humanos nos preparativos da Copa chegou a
ser apresentado na ONU.
O velocista Nelson Rocha dos Santos , o Nelsinho, ex-campeão
estadual, brasileiro, sul-americano e mundial de corrida, que participou
da mobilização, comenta hoje: “As redes sociais são importantíssimas
para que o restante da população seja informada, e com isso a gente
ganha força, ganha uma voz que não tínhamos”.
O movimento também foi atrás do apoio jurídico do Ministério Público,
conversou com vereadores, reuniu-se com a secretária municipal de
Educação para tentar evitar o fechamento da escola. O principal embate
veio em 8 de novembro de 2012, quando os organizadores conseguiram
mobilizar a população para comparecer à audiência pública de explicação
da licitação – até então as audiências pública haviam sido meramente
formais, segundo Gustavo Mehl. “Havia mais de 500 pessoas no lugar e
todas estavam revoltadas, aplaudindo e gritando de forma unânime contra o
teatro que estava montado para a entrega do Maracanã. A partir daí
foram duas horas de protestos, não houve audiência”, relatou à Agência
Pública na época. “Se o governo tivesse tido um pouco mais de
sensibilidade, teria visto que aquilo era um caldo que estava começando a
entornar”, avalia ele hoje.
Embora Sérgio Cabral tivesse anunciado que não iria demolir o prédio
do Museu do Índio já em janeiro, o governo insistiu em retirar os
indígenas dali, para dar outra finalidade a ele. Por isso, em 22 de
março de 2013, policiais militares invadiram a Aldeia Maracanã usando
bombas de gás lacrimogêneo contra índios e ativistas para desocupar o
espaço. A truculência dos policiais foi denunciada na ONU pela ONG
Justiça Global. Segundo Carlos Tukano, um dos representantes indígenas, o
prédio está agora em reformas e será transformado em um “Museu Vivo da
Cultura Indígena”, a ser concluído em agosto de 2015. Mas eles pretendem
a voltar a expor seu artesanato no local a partir de abril e ali
permanecer durante a Copa do Mundo.
Hoje, a escola continua funcionando, e uma reforma está prevista; o
parque aquático voltou a funcionar em 4 de novembro, depois de seis
meses fechado. Mas Nelsinho continua pessimista: o estádio Célio de
Barros segue como estava antes do recuo de Cabral. “Eles cimentaram a
pista e o campo, destruíram o placar eletrônico, a torre de controle, só
está de pé a arquibancada”, lamenta. “Hoje, ali, todos são funcionários
da Odebrecht. Quer dizer, aquilo ali na verdade não é público”.
A Pública apurou que, no último dia 20 de janeiro, o Ministério dos
Esportes liberou um repasse para a Secretaria Estadual de Esporte e
Lazer do Rio de Janeiro através da Caixa Econômica Federal, no valor de
R$ 9,2 milhões para a reforma do estádio. “O governo do estado deve,
agora, apresentar o projeto para a Caixa Econômica Federal, órgão
responsável por acompanhar a execução do objeto do contrato”, informou a
assessoria de imprensa.
“Eles estão empurrando a história” ataca Nelsinho. “O Célio de Barros
vai ser usado durante a Copa exatamente como foi usado na Copa das
Confederações: para estacionamento VIP.”
Mesmo assim, Nelsinho não se decepcionou com a batalha. “Eu aprendi o
seguinte: a gente deve se organizar para se manifestar. E a gente não
pode ter medo. Até comprei o disco do Rappa, tem ate uma musica que diz
assim: qual é a paz que eu quero para mim? Paz sem voz, não é paz, é
medo”.
Você sabe de mais alguma vitória popular que deveria ser registrada? Poste aqui!
O blog Copa Pública é uma experiência de jornalismo cidadão que mostra como a população brasileira tem sido afetada pelos preparativos para a Copa de 2014 – e como está se organizando para não ficar de fora.