Quarta, 21 de abril de 2014
Por Mauro Santayana
(Jornal do Brasil) -
A ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações, licitou, há poucos dias,
quatro grupos de direitos de exploração de satélites, em espaços reservados
para o Brasil em órbita terrestre.
Venceram a disputa a Hispamar
Satélites, controlada pelo Grupo semi-estatal espanhol Hispasat, que
ficou com o primeiro grupo de posições licitado, por 65 milhões de reais; a
também europeia, de Luxemburgo, SES-DHT, que ficou com o segundo e o
terceiro grupos licitados, por 33 e 26,8 milhões de reais; e a também europeia
Eutelsat, controlada majoritariamente pelo governo francês, que ficou com o
quarto grupo, por 28,35 milhões de reais.
Como esse espaço,
mesmo, que fique algumas dezenas de quilômetros acima de nossas cabeças,
pertence à União, e, portanto, a todos os cidadãos brasileiros, seria
interessante, se pudéssemos saber:
Quais são os
critérios usados pela ANATEL para a fixação de preço para uma posição de
satélite durante 15 anos, renovável por mais 15 anos?
Levou-se em
consideração a cobertura, o número de transponders e de canais que serão
instalados no satélite?
Esses satélites
poderão alcançar apenas o território brasileiro, ou também outros países e
regiões do mundo?
Que tipos de serviços
serão prestados por meio desses satélites? Banda Larga, telefonia, tv a cabo,
outros?
Qual é o potencial de
faturamento nos próximos 15, 30 anos, em princípio, desses satélites, na
prestação direta de serviços à população, e a empresas de telecomunicações,
internet, televisão, rádio, etc ?
Esse potencial foi
calculado, com base, por exemplo, no faturamento atual do mercado de
comunicações brasileiro?
Nesse caso, por que
não se estabeleceu um “aluguel” anual para o Estado Brasileiro, por cada
satélite, ou um percentual de retorno mínimo em cima do faturamento mensal, ou
anual, de cada satélite?
O mercado brasileiro
de telecomunicações – criminosamente desnacionalizado nos anos 90 - fatura mais
de 200 bilhões de reais por ano, e representa aproximadamente 54% do mercado
latino-americano. Considerando-se, em uma conta rápida, que isso dá mais de 500
milhões de reais por dia – em troca de o país receber péssimos serviços e
pagar, segundo a União Internacional de Telecomunicações, das mais altas
tarifas do mundo – a ANATEL licitou quatro posições de satélites, cada uma com
um tremendo potencial de venda de um amplo leque de serviços, por menos da
metade do que se fatura, em telecomunicações, no Brasil, por dia.
Nesse caso, qual foi
a contrapartida oferecida pelas empresas europeias à indústria nacional, para
vencer, por esse preço, essa licitação?
Os satélites que
serão construídos e lançados a um custo de centenas de milhões de dólares,
terão algum conteúdo mínimo nacional? Qual é a vantagem que nossos
pesquisadores, e a indústria brasileira, terão nesse processo?
O Brasil já constrói
satélites, como os CBERS, com 50% de conteúdo nacional, e 50% de nossos
parceiros chineses. Também dispomos de laboratórios, como os do INPE, capazes
de testar e certificar satélites estrangeiros, como fazemos, por exemplo, para
a Argentina.
No caso de não se ter
feito nenhuma exigência nesse sentido, porque essa questão, ou essa
possibilidade, não foi contemplada no Edital de licitação da ANATEL?
Afinal, trabalhar com
tecnologia estrangeira, nem sempre é garantia de ausência de problemas. Um
satélite da própria Hispasat,o Amazonas A4, lançado da Base
Aérea de Kourou, na Guiana Francesa, no início do mês de maio, está sem
comunicação com a Terra, e pode ser que não venha a funcionar.
Finalmente,
considerando-se a importância estratégica da comunicação orbital para qualquer
país – mesmo que já se esteja projetando, por meio da Visiona, o
desenvolvimento de um satélite para uso militar – e que as posições foram
leiloadas por preço mais do que acessível, porque não se reservou pelo menos
uma delas para uma empresa de capital nacional, ou o BNDES, por exemplo, não
entrou, com a Telebrás, nesse processo?
Aqui, no Brasil falar
em capital estatal na área de telecomunicações é pecado, mas poucos sabem que a
Hispasat, vencedora na licitação da ANATEL, tem capital da La Caixa,
instituição financeira controlada pelo governo da Catalunha, por meio de fundos
de pensão públicos, via ABERTIS, e da SEDI – Sociedad Estatal de
Participaciones Industriales, e do CDTI – Centro para el DesarolloTecnológico
e Industrial, que pertencem ao Governo Espanhol.
O que ocorrerá, no
futuro, se precisarmos de novas posições para a instalação de satélites de
comunicações nacionais e de defesa - nos próximos 30 anos, por exemplo?
Teremos mais vagas, em órbita, além das que foram “leiloadas” agora?
Finalmente, e mais
importante: houve mesmo concorrência nessa licitação?
A Eutelsat, que ficou com o quarto direito de exploração de
satélite, por 28,35 milhões de reais, é o segundo maior acionista, com 33,69%,
da Hispasat, maior acionista da Hispamar, que ficou com o
primeiro direito de exploração licitado, por 65 milhões de reais. E a ABERTIS,
que é a maior acionista da Hispasat, com 57,5% das ações, também é o segundo
maior acionista da Eutelsat, com 8,4% das ações.
Foi permitido que os
mesmos investidores concorressem a mais de um grupo de direitos?
Esse tipo de
participação cruzada é permitido nas licitações da ANATEL?
Em caso afirmativo,
isso ajuda a concorrência, ou a atrapalha?
Isso não bastaria
para anular a licitação?
Na década de 70, logo
depois da viagem da Apolo 11, muita gente ficou rica vendendo terrenos na Lua,
para os incautos.
Precisamos saber se
não estamos dando uma de bobos, entregando, da forma como foi feito, nossos
“slots” para comunicação via satélite, situados em órbita.