Terça, 7 de janeiro de 2013
Por Mário Augusto Jakobskind
Do Site da ABI — Associação Brasileira de Imprensa
Do Site da ABI — Associação Brasileira de Imprensa
Para João Pedro Stédile, reforma agrária avançou menos na gestão Dilma do que no governo do General Figueiredo.
“Em entrevista exclusiva concedida ao site e jornal da ABI, o
coordenador geral do MST, João Pedro Stédile, revela como as
multinacionais Monsanto, Cargill, Bungue, Adm e Dreyfuss agem sobre a
agricultura brasileira, hoje sob o predomínio do agronegócio. Além de
fazer uma análise crítica sobre o andamento da reforma agrária no
governo de Dilma Rousseff, Stédile afirma que a expectativa dos
movimentos sociais é de que em 2014 continuem as mobilizações de massa
no Brasil, para que a verdadeira política seja debatida nas ruas.
O coordenador anunciou também a realização em Brasília, de 10 a 14 de
fevereiro, do congresso nacional do MST, um evento que culminará um
longo processo de debates realizado nos últimos dois anos com as bases
nacionais do movimento e que se espera a participação de 15 mil
militantes.
Stédile adianta a realização no próximo dia 7 de Setembro de um
plebiscito sobre reforma política e conclama a direção e os associados
da ABI a participarem dos debates em torno dessas reformas, entre as
quais a na área de comunicação.
O governo Dilma Rousseff, segundo informações correntes, nada adiantou em termos de reforma agrária ao longo de 2013?
Infelizmente o balanço da reforma agrária durante o Governo Dilma é
negativo. Vergonhoso diria. Porque, em termos estatísticos este ano,
foram desapropriadas fazendas para apenas 4.700 familiais, que é menos
do que o general Figueiredo fez no seu último ano.
A reforma agrária está bloqueada e como consequência a concentração
da propriedade da terra e o avanço do capital sobre a agricultura
aumenta. E isso é resultado da conjugação de diversos fatores que
ocorrem ao mesmo tempo criando uma situação muito difícil para os
trabalhadores rurais sem terra. Primeiro, há uma avalanche do capital
internacional sobre os recursos naturais brasileiros. Eles estão vindo
para cá fugindo da crise global e investem seus capitais especulativos
em terras, etanol, hidrelétricas, e até em crédito de carbono, com
títulos do oxigênio de nossas florestas. O aumento dos preços das
commodities provocado pela especulação gerou uma renda extraordinária no
campo, que atraiu muitos capitalistas e os preços das terras foram às
nuvens.
Terceiro, o governo Dilma representa uma composição de forças, que no
caso do campo tem ampla hegemonia do agronegócio, basta dizer que a
senhora (senadora) Katia Abreu, representante máxima do atraso do
latifúndio de Tocantins é da base do governo e se reúne com frequência
com a Presidenta.
Quarto, a imprensa burguesa brasileira, capitaneada pela Globo, Veja e
seus veículos, criaram uma falsa opinião pública de que o agronegócio é
o melhor dos mundos. Escondem seus efeitos perversos, como agora com as
enchentes, que afetam todos os anos a região Sudeste e são
consequências do desmatamento e do mono cultivo na Região Amazônica e no
Centro-Oeste.
E por ultimo, diante de uma correlação de forças tão adversas, a
classe trabalhadora também ficou paralisada, e diminuíram as grandes
ocupações de terra e mobilizações no campo.
Multinacionais como a Monsanto e outras continuam atuando no
Brasil praticamente sem nenhum tipo de obstáculos para impor seu
ideário. O que tem acontecido?
A forma do capital internacional e financeiro se apoderar de nossos
recursos naturais e da agricultura é através de seu braço econômico que
são as empresas transnacionais no agro. Elas controlam os insumos como
sementes e adubos, controlam a tecnologia, as máquinas, e depois
controlam o mercado das commodities impondo seus preços e ficam com a
maior parte do lucro gerado na agricultura. Então para cada segmento da
agricultura há um grupo oligopólico das empresas transnacionais
controlando. Por exemplo, nos grãos, temos a Monsanto, a Cargill,
Bungue, Adm e Dreyfuss. No leite temos a Nestlé, Parmalat e Danon e. na
celulose, temos quatro a cinco empresas, e assim por diante.
E o poder delas é tão grande que o governo não controla e fica
sabendo de suas operações pela imprensa. Vou dar um exemplo de sua
autonomia e da perda de soberania de nosso país sobre a agricultura.O
Nordeste vive a pior seca de sua história nos últimos dois anos.
Estima-se que morreram mais de 10 milhões de cabeça de gado (bovino,
ovino e caprino.) em função sobretudo da falta de comida. Pois bem, o
governo determinou que a CONAB comprasse milho para a distribuir aos
agricultores da região. Mas a CONAB não conseguiu. Sabe por que? Porque
no ano passado a Cargill, a Bungue a ADM, as três empresas
estadunidenses que controlam o agro e o etanol, exportaram 18 milhões de
toneladas de milho brasileiro, para os Estados Unidos fazerem etanol.
Assim, perdemos um patrimônio enorme de nosso rebanho, colocamos em
risco milhares de vidas humanas, em troca do etanol para os automóveis
norte-americanos.
Quais as expectativas do MST para 2014?
A nossa expectativa é de que em 2014 continuem as mobilizações de
massa no Brasil, para que a verdadeira política seja debatida nas ruas.
Como MST e movimentos sociais do campo, estamos fazendo parte de uma
ampla plenária de todos movimentos sociais brasileiros, para fazermos um
mutirão de debates na sociedade sobre a necessidade de uma reforma
política para o país. Vamos debater com o povo, o que ele quer mudar na
política. E fazer ver a ele, que as mudanças que o país precisa passam
por uma reforma política, para de fato termos democracia no país. E no
dia 7 de setembro de 2014, faremos então um plebiscito popular para
consultar o povo, se ele quer a convocação de uma Constituinte soberana e
exclusiva ou não. E depois podemos levar os resultados, em uma grande
manifestação em Brasília, para pressionar os três poderes.
O modelo atual do lulismo, de um governo de composição que agrada a
todos, bateu no teto. As mudanças daqui para frente, para melhorar as
condições de saúde, educação, transporte público, e reforma agrária,
dependente de reformas estruturais. Dependem de mexer nos recursos do
superavit primário que hoje vai para os bancos. Depende de uma reforma
tributária e uma reforma do Judiciário. Além de mudar as regras de
eleições no país, que hoje deixa os governantes e parlamentares reféns
das empresas que financiam suas campanhas.
E tudo isso só mudaremos com uma reforma política. E ela só virá se o povo for para as ruas. E eu espero que ele volte logo.
Em outubro de 2014 mais de 120 milhões de brasileiros vão às urnas
para eleger o Presidente da República, governadores, deputados federais e
estaduais e parte do Senado. E então, como analisa neste momento o
quadro?
A Burguesia brasileira tem o controle do Congresso, do Poder
Judiciário e da mídia burguesa. Ela está unida como classe, e
eleitoralmente para defender seus interesses vai colocar seus ovos nas
três candidaturas postas. Sendo assim o mais provável é que a presidenta
Dilma se reeleja. Porém, o fato mais importante é que mesmo com a
reeleição da Presidenta Dilma não se altera a correlação de forças para
as mudanças necessárias. Ao contrário, a direita elegerá um Congresso
ainda mais conservador e mais priorizará a eleição dos governadores.
Por isso, temos analisado nos movimentos sociais de que as próximas
eleições não vão alterar a correlação de forças. Daí a necessidade de
fazermos debates da necessidade de um projeto para o país, voltarmos a
ter mobilizações de rua, e que então, a reforma política abra brechas
para as mudanças estruturais necessárias. Pois os governantes a serem
eleitos não terão força política para as mudanças. Elas só podem vir das
ruas.
Alguma mensagem especial para os jornalistas deste país,
especialmente os associados da ABI, que agora em abril completa 106 anos
de existência ininterrupta?
A ABI sempre foi uma trincheira da luta democrática e da luta por
mudanças sociais no Brasil, em todos os períodos históricos. E por isso
ela é hoje uma referência politica não apenas para a categoria dos
jornalistas, ou dos jornalistas como atores políticos ativos, mas para
todos os lutadores do povo, para toda a sociedade.
Por isso é importantíssimo que a direção da ABI, contribua,
participe, estimule todo o debate politico necessário sobre as reformas
politicas que o país necessita.
Por outro lado, como parte das reformas políticas amplas necessárias,
está a reforma dos meios de comunicação. O projeto de lei já
apresentado no Congresso, fruto das inúmeras consultas e da Conferência
Nacional da Comunicação expressam a necessidade de mudanças.
Nós estamos engajados na coleta de assinaturas, para pressionar os
deputados. Mas mais do que isso, assim como a reforma politica, esse
projeto de democratização da mídia somente terá espaço, se ele for
politizado nas ruas. E para isso a ABI pode ter um papel preponderante,
nos ajudando a debater com a sociedade em geral.
E espero que os jornalistas que trabalham nos meios da burguesia
deixem de ser capachos dos seus patrões e exerçam sua profissão com
ética e compromisso apenas com o povo.
O MST vai realizar seu congresso nacional em 10 a 14 de fevereiro, o que esperam com o congresso?
O que nos chamamos de congresso é na verdade apenas um evento, que
culmina um longo processo de debates realizado nos últimos dois anos com
toda nossa base e todos os setores e instâncias do MST. Então em
fevereiro levaremos 15 mil militantes a Brasília, para uma atividade de
congraçamento, de celebração de uma unidade construída em torno de novas
ideias, debatidas ao longo dos últimos dois anos.
E as ideias principais são de que precisamos ter um novo programa de
reforma agrária, que interesse não apenas aos camponeses e aos sem
terra, mas a todo povo, a toda sociedade. Uma reforma agrária, que não
apenas se preocupe em salvar os sem-terra, mas que priorize a produção
de alimentos, sadios, sem agrotóxicos. Que se preocupe com uma nova
matriz tecnológica da agroecologia que consiga produzir sem
desequilibrar a natureza.
Essas e outras ideias então expressam no novo programa agrário do MST
que será anunciado e consolidado em Brasília em fevereiro.”