Domingo, 19 de janeiro de 2014
Do Blog do Porfírio
Por Pedro Porfírio
Ele conseguiu a proeza de, sendo o acólito-mor da ditadura por todos os seus 20 anos de arbítrio e impostura, converter-se no tutor dos dias seguintes com maiores poderes no emaranhado dos anos civis. Sendo o dono de um Maranhão em que arrancou do cargo, no meio do mandato, o único governador que não rezava por sua cartilha, ele ocupa no Senado uma cadeira do Amapá, estado que mal conhece, numa fraude explícita do domicílio eleitoral. Sendo por anos qualificado como ladrão de carteirinha por Lula e seus parceiros, é hoje o mais chegado aliado do PT, não por que tenha mudado, mas por que mudaram da água para o vinho, na maior cara de pau, os próceres que se fantasiavam de vestais até o dia que galgaram os píncaros e nele se instalaram de costas para seus palanques.
Essa figura
vitoriosa em qualquer cenário é a primeira e última palavra da vida pública
brasileira, é o molde dos triunfantes, dos que exercem qualquer comando em
qualquer um dos podres poderes. Prova disso é a impunidade do seu clã de
usurpadores, em que aparece no pódio sua filha, feita governadora do Maranhão
pela quarta vez, para quem a violência domina geral por que, pasmem, "o
Estado está mais rico",o que é factível se considerarmos a doutrina de
Luiz XIV, segundo a qual "L'État
c'est moi - o estado sou eu".
O Brasil desse todo poderoso é o que consolida
em alto relevo a constatação axiomática do escritor peruano Mário Vargas Llosa:
“A
política real, não aquela que se lê e se escreve, se pensa e se imagina — a
única que conheci — mas a que se vive e pratica no dia—a—dia, tem pouco a ver
com os ideais, os valores e a imaginação, com as visões teleológicas — a
sociedade ideal que gostaríamos de construir — e para falar com crueza, com a
generosidade, a solidariedade e o idealismo. Ela é composta quase
exclusivamente de manobras, intrigas, conspirações, pactos, paranoias,
traições, muito cálculo, uma dose não negligenciável de cinismo e de todo tipo
de tramóia. Porque o que efetivamente mobiliza, excita e mantém em atividade o
político profissional, seja ele de
centro, de esquerda ou de direita, é o poder, chegar a ele, manter—se
nele ou voltar a ocupá—lo o mais depressa possível”.
Tenho o
desprazer de voltar a falar da influência nefasta, mas protuberante, desse
ícone da classe política brasileira ante o noticiário sobre as mazelas impunes
que explodem em São Luiz e ganham mais uma vez o benefício da tolerância cúmplice.
E o faço com os olhos cheios de lágrimas: o Brasil que deita e rola é o de José
Sarney e dos seus pupilos de todos os matizes. Aquele por quem expomos nossas
próprias vidas só existiu em nossos sonhos juvenis.
Esses acontecimentos recentes no Maranhão
são uma estonteante bofetada na história deste país e a mais ríspida demonstração
do grande estelionato político praticado dolosamente nestes tempos abjetos que
os descuidados alcunham de regime democrático de direito.
O que o sr. José
Sarney fez e faz de mal a esse país reduz a pequenos delitos tudo o que se
pode atribuir aos esquemas de suborno do "mensalão" e até mesmo à vida
pregressa do seu colega Paulo Maluf.
São mais de meio
século de crimes de toda natureza graças à sua volúpia de poder, à capacidade
de trair, de enganar, de fraudar, de envolver, seduzir, cooptar, de apossar-se
do alheio e de ser aceito nas altas rodas da politicagem reinante com uma
estranhíssima faculdade de passar a borracha no seu passado e no seu presente.
Só a condição de
senador pelo Amapá é uma afronta à dignidade da cidadania. Sarney é desde
priscas eras o vice-rei do Maranhão, dono de seu cérebro, seus olhos e de sua
alma. Se o Brasil tivesse instituições sérias, ou teria sua candidatura no
Amapá negada ou se revogaria a manipulada lei do domicílio eleitoral.
Mas essa é
apenas uma agressão para expor a delinquência
institucional generalizada. Até o mandato de presidente, com a morte de
Tancredo Neves, antes dos dois tomarem posse, foi outra fraude de juristas
permeáveis aos encantos do poder. Ele ainda não era o vice e, portanto, não
tinha por que assumir.
E por que foi
vice numa composição adversária do regime militar, se o próprio, e não outro,
foi o principal quadro civil da ditadura? Como de repete, no crepúsculo
daqueles 20 anos de chumbo, virou a casaca e foi recebido como poderoso chefão
nas hostes da frustrada mudança?
É
deprimente, mas é preciso admitir que esse serviçal da ditadura e manda-chuva
do seu pós é mais poderoso do que a história.
Ele não foi
assimilado e entronizado apenas pela velha classe política: Lula, que surgiu
como o novo em nome de um partido que por "escrúpulo" se negou até a
assinar a Constituição de 1988, que o chamava de ladrão toda hora, é hoje um de
seus irmãozinhos mais apaixonados.
Por que escrevo
meu pranto falando dessa figura deletéria?
A resposta é
simples: cheguei à patética conclusão de que a política no Brasil degenerou
geral, restando-nos no cenário atual brechas mínimas e simbólicas para reverter
essa situação aviltante e perigosa, onde o modelo de homem público é esse
senhor das artimanhas.
Isto é: José
Sarney fez escola e poucos são hoje em dia os homens públicos brasileiros, de todos esses podres poderes,
que se consideram diferentes dele, antes pelo contrário.
Isso nos remete a conclusões inevitáveis: se quisermos
realmente mudar o Brasil, temos de virar a mesa desse jogo de cartas marcadas.
A esperança, por ora, está na ocupação esperada das ruas, onde o grito das
massas se faça ouvir mais uma vez, de maneira estrondosa, impactante, definitiva.
Se isso não
acontecer, o Maranhão continuará sendo a mais vilipendiada capitania
hereditária, entregue ao clã e a seus comparsas, enquanto o Brasil se submete
a seus sucedâneos de maior ou menor ostentação criminal.
O Maranhão é o
mesmo descrito pelo padre Antônio Vieira, quando foi pregar em Portugal, em
1655: "os governadores roubam “nos tempos imperfeitos, perfeitos,
mais-que-perfeitos, e quaisquer outros, porque furtam, furtavam, furtaram,
furtariam e haveriam de furtar mais se mais houvesse". Enquanto conjugam
toda a voz ativa - discursa Vieira -
"as miseráveis províncias suportam toda a passiva, eles como se
tivessem feito grandes serviços, tornam carregados de despojos e ricos; e elas
ficam roubadas e consumidas”.
“Em qualquer
parte do mundo se pode verificar o que Isaías diz dos príncipes de Jerusalém:
os teus príncipes são companheiros dos ladrões. E por que? São companheiros dos
ladrões, porque os dissimulam; são companheiros dos ladrões, porque os
consentem; são companheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e os
poderes; são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem; e são
finalmente, seus companheiros, porque os acompanham e hão de acompanhar ao
inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo”.
É esse velho impostor
quem dará o tom dos próximos acontecimentos políticos, no limiar dos seus 84
anos cevados no poder, qualquer poder. Infelizmente, para o sofrimento dos
homens de bem, chegamos ao fundo do poço.