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(Millôr Fernandes)

sábado, 24 de junho de 2017

Estatizar é preciso, seguindo o exemplo de Paris, Berlim e outras 265 cidades

Sábado, 24 de junho de 2017
Da Tribuna da Internet
Deu na BBC
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No Rio, a lucrativa Cedae vai ser privatizada
Júlia Dias Carneiro

Enquanto iniciativas para privatizar sistemas de saneamento avançam no Brasil, um estudo indica que esforços para fazer exatamente o inverso —devolver a gestão do tratamento e fornecimento de água às mãos públicas— continua a ser uma tendência global crescente. De acordo com um mapeamento feito por onze organizações majoritariamente europeias, da virada do milênio para cá foram registrados 267 casos de “remunicipalização”, ou reestatização, de sistemas de água e esgoto. No ano 2000, de acordo com o estudo, só se conheciam três casos.
Satoko Kishimoto, uma das autoras da pesquisa recém-publicada, afirma que a reversão vem sendo impulsionada por um leque de problemas reincidentes, entre eles serviços inflacionados, ineficientes e com investimentos insuficientes. Ela é coordenadora para políticas públicas alternativas no TNI (Instituto Transnacional), centro de pesquisas com sede na Holanda.

PRIVATIZAÇÕES ERRADAS – “Em geral, observamos que as cidades estão voltando atrás porque constatam que as privatizações ou PPPs (parcerias público-privadas) acarretam tarifas muito altas, não cumprem promessas feitas inicialmente e operam com falta de transparência, entre uma série de problemas que vimos caso a caso”, explica Satoko à BBC Brasil.
O estudo detalha experiências de cidades que recorreram a privatizações de seus sistemas de água e saneamento nas últimas décadas, mas decidiram voltar atrás —uma longa lista que inclui lugares como Berlim, Paris, Budapeste, Bamako (Mali), Buenos Aires, Maputo (Moçambique) e La Paz.
A tendência, vista com força sobretudo na Europa, vai no caminho contrário ao movimento que vem sendo feito no Brasil para promover a concessão de sistemas de esgoto para a iniciativa privada.
NA CONTRAMÃO – O BNDES vem incentivando a atuação do setor privado na área de saneamento, e, no fim do ano passado, lançou um edital visando a privatização de empresas estatais, a concessão de serviços ou a criação de parcerias público-privadas. À época, o banco anunciou que 18 Estados haviam decidido aderir ao programa de concessão de companhias de água e esgoto —do Acre a Santa Catarina.
O Rio de Janeiro foi o primeiro se posicionar pela privatização. A venda da Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto) é uma das condições impostas pelo governo federal para o pacote de socorro à crise financeira do Estado.
A privatização da Cedae foi aprovada em fevereiro deste ano pela Alerj, gerando controvérsia e protestos no Estado. De acordo com a lei aprovada, o Rio tem um ano para definir como será feita a privatização. Semana passada, o governador Luiz Fernando Pezão assinou um acordo com o BNDES para realizar estudos de modelagem.
835 REESTATIZAÇÕES – Satoko e sua equipe começaram a mapear as ocorrências em 2007, o que levou à criação de um “mapa das remunicipalizações” em parceria com o Observatório Corporativo Europeu.
O site monitora casos de remunicipalização —que podem ocorrer de maneiras variadas, desde privatizações desfeitas com o poder público comprando o controle que detinha “de volta”, a interrupção do contrato de concessão ou o resgate da gestão pública após o fim de um período de concessão.
A análise das informações coletadas ao longo dos anos deu margem ao estudo. De acordo com a primeira edição, entre 2000 e 2015 foram identificados 235 casos de remunicipalização de sistemas de água, abrangendo 37 países e afetando mais de 100 milhões de pessoas.
EM OUTRAS ÁREAS – Nos últimos dois anos, foram listados 32 casos a mais na área hídrica, mas o estudo foi expandido para observar a tendência de reestatização em outras áreas —fornecimento de energia elétrica, coleta de lixo, transporte, educação, saúde e serviços sociais, somando um total de sete áreas diferentes.
Em todas esses setores, foram identificados 835 casos de remunicipalização entre o ano de 2000 e janeiro de 2017 —em cidades grandes e capitais, em áreas rurais ou grandes centros urbanos. A grande maioria dos casos ocorreu de 2009 para cá, 693 ao todo – indicando um incremento na tendência.
O resgate ou a criação de novos sistemas geridos por municípios na área de energia liderou a lista, com 311 casos – 90% deles na Alemanha. A retomada da gestão pública da água ficou em segundo lugar. Dos 267 casos, 106 —a grande maioria— foram observados na França, país que foi pioneiro nas privatizações no setor e é sede das multinacionais Suez e Veolia, líderes globais na área.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG TRIBUNA DA INTERNET – A reportagem enviada por Guilherme Almeida demonstra que a privatização descontrolada acaba sendo prejudicial para quem é mais interessado – o “usuário”, que também pode ser chamado de “contribuinte” e muitas vezes é acertadamente classificado de “otário”, sejamos francos. Mas ainda há quem considere “comunista” qualquer pessoa que faça reparos às privatizações. Cada caso é um caso e precisa ser analisado com a profundidade e a isenção que se fazem necessárias, em respeito ao interesse público. (C.N.)