Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 15 de maio de 2019

A participação dos Estados Unidos na preparação do golpe militar de 1964

Quarta, 15 de maio de 2019
do
Jornal Info Cruzeiro

A PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS NA PREPARAÇÃO DO GOLPE MILITAR DE 1964
Salin Siddartha
A adesão militar ao Golpe de 1964 não foi natural; para construí-la, os Estados Unidos operaram três anos. Os motivos intervencionistas do imperialismo eram fundamentados no receio do afastamento do Brasil da política externa dependente dos EUA.
Pesou bastante para o incitamento das Forças Armadas no campo político o alinhamento das doutrinas de Washington dos países que se recusavam a romper relações com Cuba; situação na qual se encontrava o Brasil. O Presidente John Kennedy, por exemplo, achava que poderíamos nos tornar uma gigantesca Cuba.
O embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, intermediava as conversações dos golpistas com o governo estadunidense e pedia auxílio militar ao Pentágono. Existia um Centro de Informações do Exterior, montado clandestinamente no Itamaraty, que monitorava as ações de brasileiros nos países estrangeiros e subsidiava a CIA com tais informações (não faltavam autoridades brasileiras no Ministério das Relações Exteriores a serviço da CIA).


Também havia a preocupação de Lincoln Gordon com relação ao acordo comercial do Brasil com a União Soviética. Tudo indicava que o nosso país estava indo em direção a uma cooperação com aquela nação comunista no campo da aviação civil e militar. Em junho de 1963, o Ministro da Aeronáutica brasileiro informou à missão soviética no Brasil que estava interessado em adquirir helicópteros deles.
O investimento financeiro do imperialismo para desestabilizar o Governo João Goulart tinha em vista derrubar o apoio popular do Presidente, porque, ainda que sob forte desmonte da economia e da política da gestão dele, Jango exibia uma popularidade positiva de 76% no final do mandato. O apoio material e financeiro de Washington aos políticos da oposição vinha da Aliança para o Progresso, que distribuiu milhões de dólares entre os adversários de Goulart, chegando à metade do que custou a campanha presidencial de Kennedy.
A Embaixada dos Estados Unidos da América acenava com promessas mirabolantes para os doutrinadores pró-imperialistas e bajulava os oficiais-generais, sindicatos, associações estudantis e camponesas com benesses, assim como, clandestinamente, injetava dinheiro para financiar a conspiração em todos os âmbitos. Por sua vez, a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos era um centro de ligação da pressão daquele país pelo golpe de Estado no Brasil com os conspiradores, a partir do nosso próprio embaixador, Roberto Campos, que traía escancaradamente as diretrizes de João Goulart e demonstrava uma lealdade canina ao embaixador norte-americano, Lincoln Gordon.

O intercâmbio militar entre o Brasil e os Estados Unidos virou um campo de doutrinação anticomunista e de repulsa à esquerda entre os militares brasileiros que eram destacados para estagiarem naquele país ou na Escola das Américas, no Panamá. A pregação ideológica ocorria em conjunto com agrados feitos pelas forças armadas dos EUA aos oficiais e, até mesmo sargentos que participavam dos intercâmbios e das operações de treinamento conjunto de ambas as forças terrestres, aéreas e navais, desde os teatros de guerra simulada até os cursos de formação tática e estratégica,
Havia comunicação direta do Ministério da Guerra, do Estado Maior das Forças Armadas-EMFA, do Ministério da Marinha e do Ministério da Aeronáutica com o Pentágono e o
Departamento de Estado, sem que houvesse interferência efetiva do Presidente da República e de seu estafe militar e diplomático.
Não foram somente militares, políticos e empresários que se locupletaram aos cântaros com os dólares aqui derramados pelos ianques e sua embaixada, também a mídia e muitos dos dirigentes sindicais pelegos ajudaram a CIA. A maioria dos meios de comunicação era favorável ao golpe e ajudava a conspiração. A quantidade de agentes a serviço daquele órgão de espionagem totalizou 4.468 pessoas, só em 1962, dois anos antes do desfecho do golpe, segundo dados revelados pelos arquivos do Pentágono.
O General Vernon Walters foi designado pelo governo estadunidense para o posto de adido militar da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil. Era antigo conhecido dos oficiais-generais, coronéis e capitães-de-mar-e-guerra, que combateram sob sua coordenação na Segunda Guerra Mundial ou tinham realizado cursos mais recentemente sob a direção dele nos EUA.
Falava português sem sotaque e tinha capilarizado uma extensa amizade com militares daqui. Seu poder de influência foi tamanho que partiu dele a indicação do nome mais do seu agrado para presidir nossa pátria após o golpe militar: o Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, com quem chegou a dividir um quarto na campanha da Força Expedicionária Brasileira-FEB, na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial.
A operação que sustentava o golpe militar em curso se chamava “Operação Brother San”. Era planejada nos mínimos detalhes entre a CIA, a Embaixada Americana, o Departamento de Estado, o Pentágono e todas as forças de integração militar dos EUA.
Nesse sentido, um petroleiro com combustível foi deslocado do Porto de Aruba, no Caribe, para próximo de Santos, no Brasil, em seguida seriam despachados três navios-tanque. A IVª Frota americana foi enviada ao litoral do Espírito Santo, com um porta-aviões, quatro destroieres, dois navios-escolta e uma força-tarefa com mais petroleiros e 110 toneladas de munição.
O Governo de João Goulart demonstrou não possuir dispositivo antigolpista hábil para enfrentar a tomada de poder pelos militares. O Presidente não esboçou reação ao golpe e terminou por abandonar o País, que ficou entregue à carnificina golpista. O poderio militar dos Estados Unidos foi uma das principais razões para não ter havido reação do Presidente João Goulart ao golpe dado pelos militares contra o seu governo.
As esquerdas não se prepararam devidamente para o golpe e sequer acreditavam que ele ocorreria tão rapidamente e de forma tão bem sucedida. Os parlamentares foram, quase todos, pegos de surpresa e esboçaram pouca ou nenhuma reação ao golpe. Outro ponto que pesou para a nenhuma resposta das esquerdas ao golpe foi o fato de que os partidos comunistas, no Brasil, eram clandestinos (João Goulart nunca os legalizou) e, por conseguinte, não atuavam com a liberdade de ação e expressão que a legalidade possibilitaria – tinham que abrigar-se dentro de sindicatos e outros partidos para atuarem no Poder Legislativo e Executivo municipal, estadual e federal. Ademais, não havia central sindical organicamente legalizada, embora tivéssemos um sindicalismo bastante forte.
Cruzeiro-DF, 11 de maio de 2019
SALIN SIDDARTHA
Fonte: Coluna Ângulo Aberto do Jornal Info Cruzeiro