Por
Pedro Augusto Pinho
A Escola Superior de Guerra (ESG), para seus cursos regulares, utiliza o Manual Básico que ao longo de sua existência apresentou mudanças de forma e de conteúdo. Alguns conceitos e classificações, no entanto, vencem o tempo.
Vamos nos fixar nos Objetivos Fundamentais, até bem pouco designados Objetivos Nacionais Permanentes (ONP).
Bolsonaro importou dois lemas e os cunhou para sua campanha e mote político: Brasil acima de tudo, Deus acima de todos.
Até que ponto podemos identificar as realizações e os projetos do Governo Bolsonaro com o "pensamento da ESG" e seu lema de governo?
Enumero os ONPs constantes do Manual, sem ordem hierárquica: Soberania, Integração Nacional, Integridade do Patrimônio Nacional, Progresso, Paz Social e Democracia.
Como o Governo Bolsonaro trata a Soberania do Estado ou da Nação Brasileira?
Ficou muito claro, na visita feita aos Estados Unidos da América (EUA), que a Soberania brasileira está refém de um viés ideológico e mercadológico.
O pretendido acordo sobre o uso pelos EUA da Base de Lançamento de Alcântara (Maranhão) não envolve o objetivo da instalação brasileira de pesquisa e desenvolvimento aeroespacial. Está explícito o veto ao acesso brasileiro às tecnologias estadunidenses. Logo o que se negociou foi um contrato de locação, talvez com as "chaves", típico de locações comerciais, por fora.
Mas a agressão à soberania e à Integridade do Patrimônio Nacional não ficaram por aí. Foi aceito, como um grande benefício, o apoio ao ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Vejamos a que se destina e quem participa da OCDE. Assim discorre a Wikipédia: " A OCDE é uma organização internacional de 36 países que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de mercado, que procura fornecer uma plataforma para comparar políticas econômicas, solucionar problemas comuns e coordenar políticas domésticas e internacionais. A maioria dos membros da OCDE é composta por economias com um elevado PIB per capita e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e são considerados países desenvolvidos".
Somos um país subdesenvolvido e com enormes desigualdades sociais e regionais. Ao aceitar participar da OCDE abriremos mão de vantagens concedidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), destinadas a tornar menos desiguais as relações entre países desenvolvidos com elevado IDH e países com perfil igual ao do Brasil. Isto se dará também com enorme prejuízo para a Integração Nacional.
Prossigamos na análise dos atos e discursos deste Governo.
Afirmou o presidente Bolsonaro que seu objetivo era "desconstruir" o Brasil. Entendemos que seja nosso Estado Nacional. Também tenho e meu caro leitor terá muitas críticas à estrutura do Estado Brasileiro. Mas "desconstrui-lo" sem que se tenha um detalhado projeto de novo Estado e uma proposta de convocação de constituinte exclusiva para aprovar tão importante alteração na vida brasileira, parece-me afirmação irresponsável ou atentado à Democracia e à Paz Social, importantes ONPs consignadas no Manual da ESG.
A Paz Social é um dos objetivos fundamentais para qualquer nação. Significa a justiça e a garantia das necessidades mínimas para cada um dos cidadãos e para vida em comum.
A Democracia é para ESG um objetivo em contínuo aprimoramento. Mas com a participação da sociedade, com a garantia dos Direitos Fundamentais do Homem, e com a responsabilidade de governantes e governados.
O Governo Bolsonaro assume cada vez mais a característica de um governo movido apenas ideologicamente. O que ele tanto combate, por palavras, como característica de seus antecessores.
Vejamos as ações específicas, o que efetivamente está sendo implementado com a desconstrução brasileira.
A história de nossa Nação após 1822 tem sido da disputa política do estado liberal com o estado de bem estar social.
Até a Revolução de 1930 dominou o Estado liberal, de um liberalismo tão acentuado, tão exorbitante que as decisões nacionais eram tomadas por banqueiros ingleses e não nas Assembleias brasileiras. Os mais clamorosos exemplos são a manutenção da escravidão e a entrada do Brasil na Guerra do Paraguai, decisões que aceleraram o próprio fim do Império.
A Revolução de Trinta, com o suporte ideológico do tenentismo, inicia o Estado Nacional Desenvolvimentista e da valorização do trabalho.
Contra ele se insurge o latifúndio, a agricultura de plantation paulista no levante de 1932, derrotado pelas Forças Armadas Nacionais.
A permanente acomodação das elites impediu uma derrota definitiva do modelo vigente no Império, para surgimento do Brasil Republicano. Foi este acordo que acabou por derrubar Getúlio Vargas e manter um Brasil morno até os governos Médici e, principalmente, Geisel, que prosseguiu na construção do País desenvolvimentista e trabalhista, com preocupação social.
A Nova República e os governos até Lula foram tipicamente liberais, buscando o retrocesso econômico e social ao período pré-Vargas.
O Manual da ESG, mesmo com as diversas alterações, guardou muito do espírito tenentista. Bolsonaro mais uma vez, com radical ideologia liberal, busca a volta ao Império, substituindo os banqueiros ingleses pelos administradores de empresas financeiras e o deep state estadunidenses.
As privatizações, que tiram a capacidade de ação do Estado Nacional, a contrarreforma da previdência, claramente um projeto ideológico pró-banqueiros, agredindo a Paz Social e o Progresso, mostram este afastamento das práticas governamentais do lema de campanha.
Concluímos que os fundamentos e conceitos que regem o Manual da Escola Superior de Guerra foram a primeira desconstrução realizada pelo Governo Bolsonaro.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado é diplomado pela ESG e pertenceu a seu Corpo Permanente, do que muito se orgulha.
(Publicado no Monitor Mercantil, 1º e 2 de maio de 2019)