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domingo, 12 de setembro de 2021

De Josué de Castro à pandemia Covid-19, a fome segue sendo um problema social e político no Brasil

Domingo, 12 de setembro de 2021

Do IHU
Instituto Humanitas Unisinos

Movimentos sociais apontam a agroecologia como único caminho capaz de transformar a realidade de fome hoje vivenciada por quase 20 milhões de pessoas no Brasil.

A reportagem é de Érica Daiane Costa, publicada por Articulação do Semiárido - ASA, 10-09-2021.

Você já ouviu falar em geografia e geopolítica da fome? E em Sistema Alimentar? Está sabendo que existem hoje mais de 19 milhões de pessoas no Brasil em situação de insegurança alimentar grave, o que fez o país retornar ao Mapa da Fome Mundial? Então, só no Semiárido brasileiro são 4 milhões de pessoas, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19. Você tem conhecimento de que, apesar disso, esse mesmo país é o quarto maior produtor de grãos do mundo? E que a população de pessoas obesas dobrou entre 2003 e 2019, passando de 12,2% para 26,8%, você sabia? Pois é, obesidade está ligada também a má qualidade da alimentação e não, necessariamente, à qualidade.

Mas o que tudo isso tem a ver com a fome? Antes de qualquer coisa, é preciso dizer que o problema da fome no mundo pode ser resolvido. No Brasil, na década de 1930, um nordestino de pernambuco, nascido em 05 de setembro de 1908, se dedicou a entender e apontar soluções para o fenômeno da fome, que, para ele, era resultado da desigualdade social e não da falta de alimento ou do excesso de pessoas.

Josué Apolônio de Castro, ou simplesmente Josué de Castro, como ficou eternizado, era médico, geógrafo, professor e deixou seu legado de luta contra a fome no Brasil, afirmando, inclusive, que “o que falta é vontade política para mobilizar recursos em favor dos que têm fome”.

Josué de Castro evidenciou as origens sociais, econômicas e políticas da fome em obras que ficaram conhecidas internacionalmente, cujos títulos são curiosos e despertam para um tema que era pouco tratado: a geografia da fome e a geopolítica da fome. Mais de 70 anos depois, o problema que ele tanto denunciou e buscou desnaturalizar segue sendo um empecilho para o pleno desenvolvimento do país.

O próprio termo desenvolvimento e subdesenvolvimento eram problematizados por Josué, que por duas vezes foi eleito deputado federal por Pernambuco. Conforme lembrou o pesquisador José Arlindo Soares durante live realizada no canal youtube, “Josué de Castro dizia que o subdesenvolvimento não é uma ausência do desenvolvimento, é simplesmente um produto negativo do desenvolvimento, é como se ele fosse gerado, em parte, pelo desenvolvimento".

No atual cenário da fome no Brasil, outros termos vêm sendo problematizados, a exemplo de agronegócio. O pesquisador Sérgio Schneider, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), aponta que “a palavra agronegócio é uma ideia, uma noção, um termo, que, no Brasil, virou uma ideologia”. Para ele, esta é uma especificidade do país, que se apropriou do termo original agribusiness, cuja tradução se fortalece e tem diferentes sentidos, a exemplo da propaganda (hoje com a persuasão a partir do mote do agro é pop, agro é tech, agro é tudo); da bancada política no congresso; e do enraizamento de uma cultura que se institui na mentalidade das pessoas.

Sérgio, no entanto, chama atenção para o fato de que o agronegócio não é apenas uma narrativa, mas, sim, um setor econômico voltado para a agricultura industrial. Contudo, ele insiste em referir-se a algo mais amplo, que é o Sistema Alimentar, “que compreende um mundo muito maior de empresas e de atores e de agentes globais”.