Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

A Federação de Delfim

Segunda, 2 de janeiro de 2012
Por Ivan de Carvalho
Estamos desde ontem em 2012 e já somos levados a uma breve e pouco saudosa visita a 2011. O programa Canal Livre da Rede Band estabeleceu o hábito de reservar sua edição de cada ano para uma entrevista, sempre interessante, com o ex-deputado e três vezes ex-ministro Delfim Netto. Foi o que fez no ano passado, às vésperas do Natal.

            Vi o programa com atenção, ainda que não absoluta, até porque não imaginava escrever sobre o assunto e outras coisas solicitavam simultaneamente os meus cuidados. Mas o essencial, o que realmente importava na entrevista conduzida por Joelmir Betting com participação de dois outros importantes representantes da emissora, deu para registrar muito bem na memória.

            O tema central foi a crise econômica e financeira na Europa e seus desdobramentos. Outros assuntos, como a economia brasileira, a americana, a chinesa, entraram como acessórios. Praticamente o que se buscava ao tratar desses acessórios era discernir as consequências da crise na União Européia sobre eles.

            Delfim Netto, na quase totalidade de suas opiniões sobre economia – especialmente a brasileira – tem se revelado um otimista incorrigível. E, pelo menos no caso do Brasil, até o momento, nos últimos anos, ele não teve razão para arrepender-se das previsões generosas.

            Mas dessa vez foi diferente. Eu nunca vi um Delfim Netto tão pessimista ou tão assustador. O que ele disse? Para quem não viu o programa e nas minhas palavras, que não decorei nem gravei as dele: disse que a vaca européia já foi pro brejo. Está atolada até o pescoço e pouco falta para que o pescoço e a cabeça (ele deixou bem claro, e com insistência, que o pescoço e a cabeça são a França e a Alemanha) submergirem também. Seriam arrastados pelo peso do corpo que o brejo já engoliu ou está engolindo.

            Bem, e diante da ameaçadora hipótese de uma derrocada européia total (incluindo o Reino Unido, que não é da Zona do Euro, mas já sofre com a crise e também acabaria sendo arrastado às suas profundezas), a lenta recuperação americana seria severamente comprometida, talvez inviabilizada, enquanto a China resistiria, mas com inevitável sofrimento. Ora, a União Européia totalmente no brejo, os Estados Unidos estagnados ou em nova depressão, a China em marcha reduzida, claro que o Brasil – nesse cenário – não seria um ator de bom desempenho.

            Mas Delfim ofereceu uma proposta para resolver a crise financeira e econômica da União Européia e, com ela, resgatar de futuras amarguras os EUA, a China, o Brasil e mais dezenas. A UE se salva da derrocada se tiver a ousadia de transformar-se numa Federação, na qual a Itália seria apenas um Estado federado, a Alemanha, outro, assim como a França, a Grécia, Espanha, Portugal, Suiça e os demais membros da UE. Finanças unificadas, responsabilidades compartilhadas. Federação mesmo.

            Até porque, diz ele, se não for feito isto, com a vaca no brejo, logo vai aparecer em cada um dos países mais fortes, “um Napoleãozinho”. Um aqui, um ali, outro acolá, cada um querendo fazer sua guerra para obter unidade interna que o mantenha no poder e, quem sabe, tirar seu país do sufoco. Seria horrível. Mas creio que pode haver coisa ainda pior.

            Uma Federação, um governo da Europa, tudo a partir do embrião criado pelo Tratado de Roma, de 25 de março de 1957 (completará 55 anos em 25 de março próximo), que criou a Comunidade Econômica Européia, fundada por seis países, entidade que expandiu-se até tornar-se a União Européia que é hoje.

            Ah, sim, no último livro da Bíblia, Apocalipse, afirma-se que uma Besta está assentada sobre sete montes. Roma? O Tratado de Roma... parece que a sugestão do ex-ministro Delfim Netto não foi feliz. O que tiver de ser, será. Mas a tal Federação iria dar mais musculatura à Besta, se a referência aos sete montes for mesmo às sete colinas romanas.

            Delfim é expert em economia e finanças, mas de Apocalipse parece que não entende nada.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho, jornalista baiano.