Segunda, 2 de janeiro de
2012
Por Ivan de Carvalho

Vi o programa com atenção,
ainda que não absoluta, até porque não imaginava escrever sobre o assunto e
outras coisas solicitavam simultaneamente os meus cuidados. Mas o essencial, o
que realmente importava na entrevista conduzida por Joelmir Betting com
participação de dois outros importantes representantes da emissora, deu para
registrar muito bem na memória.
O tema central foi a crise
econômica e financeira na Europa e seus desdobramentos. Outros assuntos, como a
economia brasileira, a americana, a chinesa, entraram como acessórios.
Praticamente o que se buscava ao tratar desses acessórios era discernir as
consequências da crise na União Européia sobre eles.
Delfim Netto, na quase
totalidade de suas opiniões sobre economia – especialmente a brasileira – tem
se revelado um otimista incorrigível. E, pelo menos no caso do Brasil, até o
momento, nos últimos anos, ele não teve razão para arrepender-se das previsões
generosas.
Mas dessa vez foi diferente.
Eu nunca vi um Delfim Netto tão pessimista ou tão assustador. O que ele disse?
Para quem não viu o programa e nas minhas palavras, que não decorei nem gravei
as dele: disse que a vaca européia já foi pro brejo. Está atolada até o pescoço
e pouco falta para que o pescoço e a cabeça (ele deixou bem claro, e com
insistência, que o pescoço e a cabeça são a França e a Alemanha) submergirem
também. Seriam arrastados pelo peso do corpo que o brejo já engoliu ou está
engolindo.
Bem, e diante da ameaçadora
hipótese de uma derrocada européia total (incluindo o Reino Unido, que não é da
Zona do Euro, mas já sofre com a crise e também acabaria sendo arrastado às
suas profundezas), a lenta recuperação americana seria severamente
comprometida, talvez inviabilizada, enquanto a China resistiria, mas com
inevitável sofrimento. Ora, a União Européia totalmente no brejo, os Estados
Unidos estagnados ou em nova depressão, a China em marcha reduzida, claro que o
Brasil – nesse cenário – não seria um ator de bom desempenho.
Mas Delfim ofereceu uma proposta
para resolver a crise financeira e econômica da União Européia e, com ela,
resgatar de futuras amarguras os EUA, a China, o Brasil e mais dezenas. A UE se
salva da derrocada se tiver a ousadia de transformar-se numa Federação, na qual
a Itália seria apenas um Estado federado, a Alemanha, outro, assim como a
França, a Grécia, Espanha, Portugal, Suiça e os demais membros da UE. Finanças
unificadas, responsabilidades compartilhadas. Federação mesmo.
Até porque, diz ele, se não
for feito isto, com a vaca no brejo, logo vai aparecer em cada um dos países
mais fortes, “um Napoleãozinho”. Um aqui, um ali, outro acolá, cada um querendo
fazer sua guerra para obter unidade interna que o mantenha no poder e, quem
sabe, tirar seu país do sufoco. Seria horrível. Mas creio que pode haver coisa
ainda pior.
Uma Federação, um governo
da Europa, tudo a partir do embrião criado pelo Tratado de Roma, de 25 de março
de 1957 (completará 55 anos em 25 de março próximo), que criou a Comunidade
Econômica Européia, fundada por seis países, entidade que expandiu-se até
tornar-se a União Européia que é hoje.
Ah, sim, no último livro da
Bíblia, Apocalipse, afirma-se que uma Besta está assentada sobre sete montes.
Roma? O Tratado de Roma... parece que a sugestão do ex-ministro Delfim Netto
não foi feliz. O que tiver de ser, será. Mas a tal Federação iria dar mais musculatura
à Besta, se a referência aos sete montes for mesmo às sete colinas romanas.
Delfim é expert em economia
e finanças, mas de Apocalipse parece que não entende nada.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan
de Carvalho, jornalista baiano.