Domingo, 2 de fevereiro de 2014
Paulo Metri – conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do
Correio da Cidadania
Dá-me
angústia ver dirigentes de um país que não conseguem enxergar a grandiosidade e
a responsabilidade dos cargos galgados. Muitos chegam ao alto cargo,
unicamente, com um projeto de satisfação máxima dos grupos políticos que
representa e do seu orgulho próprio. Estes são os corruptos e os desprezíveis.
Outros, bem intencionados, querem contribuir socialmente e conseguem fazer
muita coisa. Mas, em certos aspectos, fraquejam, pois, para fazer mais, é
preciso enfrentar grupos muito poderosos, principalmente externos.
Neste
ponto, lembro-me do ex-governador Leonel Brizola, que combatia as “perdas
internacionais”, que eram a razão para não se conseguir atingir o máximo
bem-estar social. Ele era criticado por não elencar estas perdas, mas, na
verdade, quem o criticava tinha medo que a população viesse a conhecê-las. A
intuição do sagaz político era perfeita. Algumas das possíveis perdas
internacionais, em caráter de exemplo, são as seguintes. Ao se aceitar a antiga
dívida externa sem uma auditoria pública, ao se assinar hoje as concessões
petrolíferas danosas da lei 9.478, ao se possuir uma política mineral
entreguista, ao não se proteger desde 1995 as empresas nacionais genuínas, ao
se financiar com recursos públicos grupos estrangeiros, ao se concordar a
partir de data recente com um novo registro de patente de desenvolvimento antigo,
que já deveria estar em domínio público, devido a um suposto novo uso, e ao se
colocar em condição subalterna em negociações internacionais, restam para a
sociedade brasileira perdas internacionais incomensuráveis.
Existem
administradores da nação bem intencionados que mergulham em labirintos, alguns
maquiavelicamente plantados, e se perdem em conceitos e tecnicidades, criadas
por quem quer que a riqueza saia do país e vá para o exterior. Por exemplo,
entendo a razão explicada para a existência das agências classificadoras de
risco. Contudo, entendo também que elas prestam um papel essencial para o
capital internacional, ao serem utilizadas como ferramenta de controle de
países dominados, visando obrigá-los a fazer o que é de interesse do capital.
No ato de seguir o receituário externo, pode até não existir corrupção, sendo
somente o caso de simples “dominação cultural” dos administradores.
Nas
relações internacionais, não há amizades, nem inimizades, há unicamente
interesses. A atual coalisão de partidos que governa o Brasil, liderada pelo
PT, não atua conscientemente com relação às relações internacionais. No meu
entendimento, a entrega do campo de petróleo de Libra, no governo Dilma, para
receber R$ 15 bilhões de bônus e, com isso, aliviar as contas do país,
representou a total alienação deste governo com relação à importância, sob o
ponto de vista da política internacional, de se ter o controle da produção e da
destinação do petróleo nacional.
Para
compreender a importância deste recurso natural, a voracidade das empresas
petrolíferas internacionais e o apoio dado por países desenvolvidos às suas
empresas, o leitor deve assistir a quatro vídeos, intitulados como “O
segredo das sete irmãs: a vergonhosa história do petróleo”, que estão em
vários sites na internet, inclusive, por exemplo, em:
http://www.youtube.com/playlist?list=PL65E3B3A3DC9AEBD0
Estes
vídeos, produzidos por Frédéric Tonolli e Arnaud Hamelin, têm a participação da
France Télévisions e são dirigidos por Frédéric Tonolli. Muitas das suas
afirmações são encontradas também no livro “O Petróleo: uma história mundial
de conquistas, poder e dinheiro”, de Daniel Yergin, presidente da Cambridge
Energy Research Associates (CERA).
Dentre as
várias informações importantes obtidas destes vídeos, observa-se que muitos
genocídios contra homens e mulheres negros têm ocorrido na África em torno da
exploração do petróleo. Observa-se, também, que as empresas estrangeiras que
ganharam Libra são, exatamente, as responsáveis por alguns dos genocídios
ocorridos na África. A atuação da Shell e da Elf (atual Total) na Nigéria, da
Total no Gabão e das empresas chinesas no Sudão levou à morte mais de dois
milhões e meio de negros.
O
genocídio contra qualquer grupo é ato abominável que desmerece a espécie
humana. Contudo, o que torna os genocídios africanos aberrações de grandeza
superior é a fragilidade do exterminado. Ele é politicamente inocente e
desprovido de qualquer mecanismo de defesa. É inimaginável que humanos
instiguem outros humanos a matarem sua própria espécie e etnia para que os
primeiros recebam riquezas. Enfim, constatando-se a veracidade das informações,
em respeito à etnia negra, que com orgulho é uma das constituintes do povo
brasileiro, peço que haja um movimento para a rescisão do contrato de Libra,
assinado com uma rapidez incrível pelo governo brasileiro, por essas empresas e
pela Petrobras.
Do mesmo
grupo de vídeos, obtém-se que o líder Ken Saro-Wiwa, pertencente ao povo Ogoni,
lutava contra a degradação ambiental, causada por petrolíferas, especialmente a
Shell, na exploração de petróleo na região do delta do rio Níger, na Nigéria. O
governo ditatorial deste país nos anos 90 e o sistema judiciário corrupto de
então prenderam, “julgaram”, condenaram à morte e assassinaram o líder e mais
oito companheiros. A Shell, para melhorar sua imagem neste país, pagou US$ 15,5
milhões às famílias das vítimas, o que significa um reconhecimento da culpa.
Devido ao passado dessas empresas de descuido com o meio ambiente, os
ambientalistas podem se juntar à luta pela rescisão do contrato de Libra.
As
grandes petrolíferas estrangeiras não citadas não o foram simplesmente porque
estava me atendo àqueles que ganharam o campo de Libra. Mas elas também têm
seus passados vergonhosos. Não há santo neste setor, a não ser estatais que, em
seus próprios países e dependendo do governo, tendem a se comportar bem melhor.
Esses
vídeos mostram também uma gama maior de ações aéticas dessas empresas, capazes
de tramar a deposição de mandatários, instigar revoluções, assassinar lideranças
e muito mais, não só na África negra, mas no Norte da África, no Oriente Médio,
no Cáucaso, na Ásia Central, na América Latina, enfim, onde houver países com
petróleo e passíveis de serem dominados. No Brasil atual, estas empresas
atuariam, se já não estão atuando, seguindo outro modelo. Mandariam prepostos
dos governos de seus países de origem declarar ao presidente brasileiro o
quanto é importante abrir as portas para ela, contribuiriam para campanhas
políticas, cooptariam muitos órgãos da administração pública, corromperiam
legisladores, influenciariam na nomeação de diretores das estatais brasileiras
do setor, conseguiriam a aprovação de frequentes rodadas de leilões em bacias
escolhidas, dentre outras atuações.
Os
governos FHC, Lula e Dilma, com suas naturezas privatistas do petróleo
nacional, já fizeram 13 rodadas de leilões de áreas para busca de petróleo, já
assinaram cerca de 1.000 contratos, sendo um, o da partilha amofinada, e os
demais, os de concessão. “Partilha amofinada” porque o governo criou tantos
benefícios para as empresas na lei, no edital e no contrato, que, para a
sociedade, sobrou pouco. Em outras palavras, estes governos entregaram-se ao
mercado.
O remédio
natural contra a imposição dominadora estrangeira é a nossa reação soberana.
Infelizmente, vários setores da economia brasileira já estão com alto grau de
dominação externa e nossos governos nada fazem, como se a entrega do país fosse
algo natural. Este modelo subalterno só serve aos países onde estão as sedes
das empresas multinacionais, para onde vão o lucro, os pagamentos de royalties,
assistência técnica e outras formas de remessa. Isto explica, por exemplo, a
desnacionalização da economia brasileira, a desindustrialização e o crescimento
pífio do PIB.
A China só atinge altas taxas do PIB graças às
suas posições soberanas. O setor do petróleo brasileiro ainda é um dos menos
dominados, graças à Petrobras, que tem atrapalhado a entrega do petróleo
nacional, devido ao seu arremate de muitos blocos nas diversas rodadas. No entanto,
muito tem que ser feito para protegê-lo, inclusive parar os leilões, não ceder
quanto à Petrobras ser a operadora única do Pré-Sal, entregar os barris
adicionais de Franco à Petrobras por cessão onerosa e rescindir o contrato de
Libra.