Sexta, 16 de maio de 2014
Akemi Nitahara – Repórter da Agência Brasil
O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF-RJ)
recorreu da decisão do juiz da 17ª Vara Federal do Rio, Eugênio Rosa de Araújo,
que negou o pedido de retirada de vídeos com mensagens de intolerância contra
religiões afro-brasileiras. O juiz alegou que tais crenças “não contêm os
traços necessários de uma religião”, que seriam um texto base, como o Corão ou
a Bíblia, estrutura hierárquica e um Deus a ser venerado.
Na decisão, Araújo coloca que “as manifestações religiosas
afro-brasileiras não se constituem em religiões, muito menos os vídeos contidos
no Google refletem um sistema de crença - são de mau gosto, mas são
manifestações de livre expressão de opinião”.
No recurso, o procurador regional dos Direitos do Cidadão,
Jaime Mitropoulos, argumenta que os 15 vídeos em questão caracterizam crime de
ódio, pois são baseados na “intolerância e na discriminação por motivos
religiosos”, ressaltando que a comunidade internacional “praticamente chegou ao
consenso sobre a necessidade de coibir práticas desse tipo”.
Ela cita a promulgação de documentos como a Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional Sobre os Direitos
Civis e Políticos (1966), a Declaração Sobre a Raça e os Preconceitos Raciais
(1978) e a Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e
discriminação fundadas na religião ou nas convicções (1981).
A Ação Civil Pública foi proposta a partir de uma
representação da Associação Nacional de Mídia Afro, que apontou vídeos
divulgados no Youtube que trariam mensagens que “associam as referidas
religiões à figura do diabo e a tudo de mal que a ele possa estar ligado, muito
embora 'diabo' ou 'demônios' sequer façam parte do universo das religiões de
matrizes africanas”, diz o recurso de Mitropoulos.
No agravo de instrução, o procurador destaca também que o
Ministério Público Federal expediu recomendação para que a Google Brasil
retirasse os vídeos da internet. Mas, segundo ele, a empresa manteve os vídeos
sob o argumento de que “tudo não passa de um fiel retrato da liberdade
religiosa do povo brasileiro”.
Para o presidente da Comissão de Combate à Intolerância
Religiosa (CCIR), Ivanir dos Santos, o juiz Eugênio Rosa de Araújo não se posicionou
na decisão com a neutralidade que requer o cargo. “Eu acho que o juiz não
externou uma posição como juiz, ele externou uma posição como uma pessoa que
tem uma religião, e o estranho é que ele é um funcionário de um estado laico.
Ele, na verdade, ofende a lei que ele tem que zelar, o próprio artigo da
constituição que fala de discriminação de religião e preconceito”.
Santos informa que o CCIR fará uma reunião na próxima semana
sobre a questão para, se for o caso, denunciar o juiz ao Conselho Nacional de
Justiça (CNJ). Procurado pela Agência Brasil, o CNJ não comentou a decisão e
disse que “é órgão administrativo do Judiciário e não tem interferência sobre
questões judicializadas”.