Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)
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domingo, 19 de novembro de 2023

Políticas têm falhado no fim das desigualdades raciais, diz economista

Domingo, 19 de novembro de 2023
Livro mostra em números as discrepâncias entre brancos e negros


Professor do Insper (SP), Michael França, fala sobre a persistência das desigualdades entre brancos e negros no país. Foto: Insper/Divulgação

Publicado em 19/11/2023 — Por Gilberto Costa — Repórter da Agência Brasil — Brasília

No final de outubro, o Núcleo de Estudos Raciais do Insper (Neri), de São Paulo, lançou o livro Números da Discriminação Racial: Desenvolvimento Humano, Equidade e Políticas Públicas, pela editora Jandaíra, com análises de pesquisadores do Insper e autores convidados sobre causas e consequências do racismo e da segregação social no Brasil.

O livro trata da desigualdade racial descendente da exploração do trabalho de pessoas negras escravizadas ainda no período colonial e não resolvida mais de cem anos após a abolição e a Proclamação da República. Entre outros assuntos, os capítulos do livro abordam as assimetrias raciais que prejudicam pretos e pardos desde a primeira infância, sejam no acesso à educação, volume de renda, longevidade ou gênero. A violência contra essa população, as políticas afirmativas e a representatividade política dos grupos raciais também são abordadas.

A publicação é organizada pelos economistas Allysson Lorenzon Portella e Michael França. França é coordenador do Neri e em entrevista à Agência Brasil avaliou a necessidade urgente de o país pensar sobre a discriminação racial e combater as iniquidades. Para ele, “é preciso parar de fazer políticas desarticuladas para suavizar a pobreza quando tem de pensar em políticas integradas para gerar mobilidade social.”

A seguir os principais trechos da conversa.

Agência Brasil: O livro assinala a diferença de renda de 14,25% entre brancos e negros. Por que esse nível de desigualdade não é superado, apesar de mais de uma década de políticas afirmativas?
Michael França: A primeira coisa que é importante relacionar a esse número é a alta persistência. A gente abre a introdução do livro falando que nos últimos 40 anos negros ganham 14,25% menos do que brancos, quando a gente controla as variáveis de nível de educação, gênero, localização e várias outras. Essa persistência chama muita atenção porque estamos falando de um país que passou por uma redemocratização, por governos de esquerda e por governos de direita, e a lacuna no mercado de trabalho que não fecha. As ações afirmativas foram muito importantes no sentido de permitir com que um determinado grupo ascendesse.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Consciência Negra foi parar no banco dos réus

Sexta, 7 de janeiro de 2022

Vice-diretora do CEF 1 da Estrutural – escola que foi militarizada pela programa implantado pelo governador Ibaneis Rocha, e pelo então secretário de Educação, Rafael Parente -, a professora Luciana Martins, não quis comentar a iniciativa da entidade representativa dos oficiais da PM. “Não tenho nem palavras para comentar essa afronta à ação pedagógica – disse ela.

Do Blog Brasília, por Chico Sant'Anna

Chico Sant’Anna

Foi parar na justiça o caso dos cartazes alusivos ao Dia da Consciência Negra feitos por alunos do Centro de Ensino Fundamental nº 1, uma escola pública da Cidade Estrutural. A Associação dos Oficiais da Polícia Militar do DF (ASOF–DF) ingressou com ação na Vara da Fazenda Pública contra o governo do Distrito Federal, pedindo uma reparação da imagem da corporação por danos morais no valor de R$ 50 mil. A escola é uma das primeiras que teve a gestão militarizada pelo governo de Ibaneis Rocha.

A programação organizada pela escola para o dia 20 de Novembro foi variada. Incluiu a produção de ilustrações – tirinhas, cartazes e painéis – representando o dia da Consciência Negra – material que foi exposto em murais espalhados pela escola. Além dos cartazes, a programação incluiu rodas de capoeira, oficinas de penteados afros, painéis fotográficos com fotos dos próprios estudantes negros, homenagens a Zumbi dos Palmares, enfim, atividades que combatessem a discriminação racial e defendessem a igualdade de direitos.

Não é assim que a associação dos oficiais da PM entendeu. Ela afirma que a programação resultou numa “mensagem preconceituosa contra a corporação”. “Vários dos painéis expostos em toda a escola traziam a ilustração de policiais militares abordando pessoas negras, de forma flagrantemente autoritária, coercitiva e punitiva, evidenciando uma imagem distorcida e preconceituosa do trabalho realizado pela polícia, muito diferente do cenário preconceituoso representado naqueles desenhos. […] chamou especial atenção e gera irremediável irresignação e repúdio a ilustração inequívoca de um policial militar fardado, onde, junto à sigla “PM” desenhou-se o símbolo da suástica, representativa do Nazismo Alemão” – descreve a ação que corre na 7º Vara da Fazenda Pública.

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

‘Os assassinos não tinham ideia de que Marielle se tornaria gigante’

Terça, 8 de dezembro de 2020

08/12/20 por Caê Vasconcelos


Nos 1.000 dias da morte de Marielle, os repórteres Chico Otávio e Vera Araújo, autores do livro Mataram Marielle, lembram a longa investigação que fazem n’O Globo desde 14 de março de 2018

Foto: Leonardo Coelho/Ponte Jornalismo

14 de março de 2018. 21h30. Um veículo emparelha o carro dirigido pelo motorista Anderson Gomes na Rua Joaquim Palhares, no Estácio, centro da cidade do Rio de Janeiro. 13 disparos são feitos: 9 acertam a lataria e 4 o vidro do carro. No banco traseiro, a vereadora Marielle Franco, eleita com 46 mil votos em 2016, estava ao lado da assessora parlamentar Fernanda Chavez. Anderson e Marielle morrem na hora. Fernanda se tornou a única sobrevivente de um dia que ficaria para a história, do Brasil e do mundo.

Nesta terça (8/12) a conta macabra se arredonda: são mil dias depois do fatídico dia que tirou a vida de Marielle. Ou melhor: arrancou. Arrancou a vida da quinta vereadora mais votada da cidade do Rio de Janeiro. Mas, mil dias depois, duas perguntas ainda não foram respondidas: Quem mandou matar a vereadora? Qual o motivo do assassinato? Uma coisa é certa, quem planejou a execução de Marielle não imaginava que ela viraria semente.

No mesmo ano que Marielle foi executada, quatro dessas mulheres negras, próximas a ela, ocuparam importantes lugares nas casas legislativas: Talíria Petrone, uma das melhores amigas e companheiras de luta da vereadora, se tornou deputada federal pelo PSOL do Rio de Janeiro; Renata Souza, Dani Monteiro e Mônica Francisco, três ex-assessoras de Marielle, ocuparam cadeiras na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro).

Marielle na campanha contra o assédio no carnaval em 2018 | Foto: Reprodução/Facebook

Marielle virou símbolo de luta, documentário, série documental, foi homenageada em um programa que lembrava personalidades negras importantes mundo afora e livro (Cartas para Marielle, de Anielle Franco, irmã de vereadora).

Agora é a história do crime que chocou o país que vira livro. Escrito pelos jornalistas Chico Otavio e Vera Araújo, repórteres de O Globo, que investigam o crime desde o começo, Mataram Marielle: Como o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes escancarou o submundo do crime carioca reúne o trabalho jornalístico dos autores em sete capítulos. Um capítulo extra, intitulado Marielle Presente, finaliza a obra com as sementes plantadas pela vereadora.

Como uma aula de jornalismo em formato de livro, Chico e Vera contam detalhes da longa apuração que ainda não acabou, já que ainda não se sabe quem são os mandantes do crime. “A gente tinha tanta informação acumulada e um jornal não dá conta, por mais que a gente tenha essa oferta de espaço da internet, nunca era suficiente para o volume de informações que a gente tinha”, afirma Chico Otavio em entrevista à Ponte.

Até começar investigar o assassinato de Marielle, Chico Otavio não havia trabalhado com segurança pública. Desde 1997, atua na área de política d’O Globo. Já Vera Araújo trabalha há 30 anos com segurança pública. Foi o casamento profissional perfeito, já que a execução de Marielle tinha os dois aspectos.

A parte mais difícil, afirmam os repórteres, foi lidar com a dor das famílias ao longo desses mil dias. “Você invade a privacidade da pessoa. Você não é amigo, porque precisamos ter esse distanciamento, mas, ao mesmo tempo, você fica tocado com a dor das pessoas”, define Vera Araújo.

Familiares de Marielle em ato em outubro de 2018, no Rio | Foto: Reprodução

“A dona Marinete [mãe de Marielle] é uma pessoa super fofa, espiritualizada e religiosa. Toda vez que eu falo com ela, ela me diz: ‘não tem um dia em que eu não pense na minha filha’. Ela tem um santuário de Nossa Senhora Aparecida dentro de casa e sempre faz as orações ali, quando a gente vai na casa dela, quando ela vai nos levar até a porta, ela parece que faz uma oração, como se falasse ‘que ela te proteja’. Eu tenho uma relação muito boa com a dona Marinete”, lembra Vera.

Os repórteres também contam como foi encontrar testemunhas que nem a Polícia Civil havia encontrado e lidar com o “submundo do crime carioca”. “No meu caso foi mais difícil do que para a Vera. Eu não tinha experiência nessa área. A minha área é política, os bandidos que eu estava acostumado a investigar eram os famosos bandidos de colarinho branco. Quando começamos, a Vera me perguntou ‘você está preparado para abrir a porta do inferno?'”, lembra Chico.

“Marielle é um símbolo de luta pelas bandeiras que ela defendia: antirracista, LGBTQIA+, feminista e contra a violência policial. Marielle era tudo. São bandeiras muito fortes, são a cara do Rio de Janeiro que é pisado pela violência cotidiana. Não tem uma frase mais certa do que ‘Marielle presente‘. Mesmo morta ela continua. As bandeiras que ela defende, vou falar no presente, continuam pairando porque ela é um símbolo. Os assassinos não tinham ideia disso”, avalia Vera.

Leia a entrevista:

Ponte – Como foi a produção do livro? Vocês têm feito uma investigação profunda desde o dia do assassinato de Marielle. Como foi colocar tudo em um livro?

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Por resistência e contra injustiça, capoeiristas se unem contra agressão de PMs a Mestre Nenê

Quinta, 27 de agosto de de 2020
Da Ponte
https://ponte.org/

27/08/20 por Paulo Eduardo Dias

Grupo realizou ato em frente a delegacia enquanto vítima prestava depoimento; som do berimbau e das cantigas deu o tom da força do movimento negro contra o racismo

Capoeiristas se reuniram em frente ao 14° DP, em Pinheiros, zona oeste, em apoio ao Mestre Nenê | Foto: Paulo Eduardo Dias/Ponte

“Resistência” e “injustiça” foram as duas palavras mais usadas por capoeiristas e integrantes do movimento negro que estiveram presentes no ato de apoio a Valdenir Alves dos Santos, 45 anos, conhecido como Mestre Nenê, em frente ao 14° DP (Pinheiros), na zona oeste da capital paulista, durante a tarde de quarta-feira (26/8). O capoeirista foi ao local prestar depoimento após ser agredido por policiais militares no último dia 19/8 em frente sua residência no bairro da Vila Madalena, a poucos quilômetros do distrito policial.

Na data da agressão, Mestre Nenê estava ao lado filho de cinco anos, conversando com vizinhos, quando policiais militares do 23º Batalhão chegaram ao local, na Favela do Mangue, na Rua Fidalga, sob o pretexto de localizar um homem que havia roubado três aparelhos celulares e três notebooks momentos antes em um comércio na Rua Wisard, a poucos metros de distância. A justificativa dada para a abordagem é que o sinal do GPS instalado em um dos celulares indicou o ponto onde estavam os homens como sendo o local em que o aparelho estava.

Com o barulho das viaturas, o filho de Nenê imediatamente procurou o colo do pai. De uma das viaturas, um policial militar branco desceu, sem se importar com o fato de a criança estar no colo do capoeirista, e foi na direção de Mestre Nenê, com uma arma apontada para eles. Os demais policiais também estavam armados. O PM exigia que o mestre colocasse a criança no chão para ser abordado. Ele se recusou “para me proteger e proteger o filho”, conforme relatou em um vídeo enviado à Ponte.

Foi nesse momento que as agressões começaram. “O policial me abordou, rasgou meu casaco e me empurrou para a calçada”, narrou Nenê. “Eu estava com o meu filho no colo e de repente muitos policiais, homens e mulheres, vieram para cima de mim. Um deles me deu uma gravata [enforcamento] que machucou minha garganta”.

Policiais militares estão proibidos de usar “chave de braço” (golpe de enforcamento) como técnica de imobilização em abordagens desde 31 de julho de 2020. A determinação interna foi assinada pelo subcomandante da corporação, coronel Marcus Vinícius Valério, que também veta uso do corpo para derrubar outra pessoa.


Algemado, o capoeirista foi arrastado e colocado dentro da viatura. Os momentos de desespero durante a abordagem foram registrados pelas pessoas que ali estavam. Nenê grita perguntando do filho. “Nenhum superior desses soldados, homens e mulheres, mal preparados para nos contar o que estava acontecendo, apareceu”, continuou.

A advogada Vivian Oliveira Mendes, 31, contou à reportagem que apenas Mestre Nenê, que é negro, foi agredido ao tentar entrar na casa de seu amigo. Já o dono da casa, que é branco, conseguiu entrar na residência sem que fosse abordado de forma violenta pelos policiais militares.

O suspeito pelo roubo, que não possuía as mesmas características de Mestre Nenê, como o uso de dreads no cabelo iguais aos usados pelo capoeirista, e estaria usando uma mochila semelhante as usadas por motoqueiros para entrega de comida, foi preso no mesmo dia.

Como o depoimento de Mestre Nenê não foi colhido no dia do fato, segundo um trecho do Boletim de Ocorrência, “devido ao estado emocional que se encontrava”, sua versão foi marcada para ser ouvida nesta quarta-feira. Diante das circunstância, cerca de 100 pessoas, muitas delas munidas com instrumentos como berimbaus, pandeiros e caixa de marabaixo foram prestar apoio ao Mestre Nenê e mostrar o desagravo contra as agressões cometidas pelos PMs.


Cansados de ver a pele preta sofrer a violência de estado, capoeiristas vindos de diversos bairros como Jaçanã, na zona norte, Jardim Ângela, na zona sul, Bela Vista, no centro, e Embu Guaçu, Guarulhos e Carapicuíba, na Grande São Paulo, começam a se reunir por volta das 14 horas em frente ao distrito policial. Alguns com berimbaus nas mãos, eles aguardaram ansiosos a chegada de Mestre Nenê no local. “A capoeira é uma das manifestações que mais dialoga quando a gente precisa do nosso povo. A gente junta as periferias”, disse Rodrigo Bruno Lima, 42, o Mestre Minhoca, que veio da região central da capital.

Pouco antes de o relógio apontar 15 horas, horário em que o depoimento estava agendado, Mestre Nenê chegou acompanhado do filho de cinco anos, e de sua companheira, a professora Stefânia Lima, 36. Apressado para entrar na delegacia, o capoeirista contou que não gostaria de estar ali e sim que “gostaria de estar em casa treinando”.

Mestre Nenê é recebido por seus colegas ao chegar a delegacia | Foto: Paulo Eduardo Dias/Ponte

Debaixo de sol e com temperatura na casa de 25° C, Pedro dos Santos, 48, tocava seu berimbau e entoava cantigas junto a muitos outros capoeiristas, enquanto Mestre Nenê já estava dentro da delegacia. O homem era um dos mais requisitados e vez ou outra era saudado por diversas pessoas. À Ponte, ele afirmou que “a capoeira é um movimento de ação política e resistência. Então nós temos que usufruir dela nesse momento, principalmente para ajudar as periferias. Que esse ato não seja pontual, mas diário”, cobrou.

Quem também participou do ato foi o educador Ivamar dos Santos, 62 anos. O homem, que tocava um caixa de marabaixo, contou que o manifesto em frente à delegacia representa a resistência do povo. “Representa minha luta no movimento negro desde os anos 1970. Isso para mim é resistência. É enfrentamento à injustiça que fizeram com o mano”. Além de capoeirista, Santos faz parte do coletivo Amazonizando.


Jefferson Lima de Menezes, 41 anos, o Mestre Cobrinha, veio da cidade de Guarulhos, na Grande São Paulo, prestar solidariedade e cobrar justiça pelo caso envolvendo Mestre Nenê. “Foi uma injustiça essa covardia com esse jovem de bem capoeirista. Infelizmente o jovem negro acaba passando por essas situações”, disse. Junto a ele se somava o capoeirista Carlos Oliveira 36, conhecido como Vermelho, Osmar Peres, 71, o Malaca, ambos também integrantes do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), e Jairo Silva, 71, o Mestre Jairinho.

Pedro Santos, o Mestre Peu: “que esse ato não seja pontual, mas diário” | Foto: Paulo Eduardo Dias/Ponte

Enquanto Mestre Nenê prestava seu depoimento, o som dos berimbaus e dos pandeiros atraía quem passava pela Rua Deputado Lacerda Franco. Devido a grande quantidade de pessoas na porta da delegacia, um trecho da via chegou a ser ocupado pelos manifestantes. Mas o bonito ato, que ainda contou com as tradicionais lutas e danças chamou a atenção até de policiais civis, que chegaram a filmar e fotografar a representação cultural afrobrasileira.

Pouco antes das 17 horas, assim que Mestre Nenê deixou o prédio, o som foi cortado por uma salva de palmas e depois silêncio para que o homem fosse ouvido.

Na escada que dá acesso ao DP, Mestre Nenê, explicou que não tinha muito o que falar, que estava cansado e ainda com dores no pescoço devido a agressão sofrida dos PMs. Visivelmente emocionado e deixando escapar algumas lágrimas, ele disse que não poderia deixar de contar que o que mais o comoveu é que enquanto prestava depoimento ouviu o som do berimbau e os cantos entoados pelos capoeiristas.


“Isso para mim é resistência”, disse o educador Ivamar dos Santos, sobre o ato |Foto: Paulo Eduardo Dias/Ponte
Logo na sequência, Mestre Nenê cantou uma música aparentemente relatando tudo o que aconteceu com ele. Em um trecho ele disse: “eu fui preso pela mão, me empurraram e me bateram, me pisaram e me xingaram, me jogaram pelo chão, me puxaram pela mão…”.

Segundo a advogada Vivian Oliveira Mendes, ele relatou os fatos com muitos detalhes ao delegado Felipe Nakamura. “Agora é batalhar para que esse caso não seja encerrado como a maioria dos casos [de violência policial].Vamos apresentar testemunhas e vídeos. Vamos contribuir com as investigações para comprovar que o mestre foi vítima de abuso e violência policial. O desacato [a qual ele foi acusado pelos PMs] é infundado”, disse a defensora na saída no DP.

A reportagem procurou o delegado Felipe Nakamura, no entanto, ele informou a um investigador que não iria se pronunciar sobre o caso.

Além das agressões sofridas, a defesa de Mestre Nenê também se queixa do tratamento dispensado a ele no Pronto Socorro Municipal da Lapa, unidade que foi encaminhado devido escoriações. Segundo Vivian Mendes, o capoeirista não recebeu tratamento clínico, mas atendimento psiquiátrico. Ainda de acordo com a advogada, uma médica receitou um medicamento como se ele estivesse em surto. Mestre Nenê recusou o remédio.

Procurada, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) informou, através de nota, que o “caso é investigado por meio de inquérito policial pelo 14º DP. A autoridade policial ouviu hoje (26) um homem envolvido na ocorrência. A equipe da delegacia realiza diligências para o esclarecimento dos fatos. A PM também apura o ocorrido”.


Por sua vez, a Ouvidoria da Polícia alegou que acompanha a ocorrência. Em nota, o órgão informou que “o ouvidor da polícia de São Paulo, advogado Elizeu Soares Lopes, solicitou agilidade nas investigações sobre possível abuso policial contra Valdenir Alves dos Santos, mais conhecido como Mestre Nenê, referência da capoeira em São Paulo”. Em outro trecho, sustentou que “Lopes tomou de imediato duas providências: que a Corregedoria avoque para si a investigação sobre a conduta dos policiais militares e que a Polícia Civil coloque a termo as declarações dos envolvidos o mais breve possível”.

A reportagem também encaminhou um pedido para a Secretaria Municipal da Saúde sobre o atendimento recebido por Mestre Nenê no PS da Lapa. No entanto, até a publicação do texto não houve retorno.

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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Crianças roubadas

Fevereiro
14

Crianças roubadas

Os filhos dos inimigos foram prenda de guerra da ditadura militar argentina, que roubou mais de quinhentas crianças em anos recentes.
Muito mais crianças foram roubadas, porém, e durante muito mais tempo, pela democracia australiana, dentro da lei e debaixo de aplausos do público.
No ano de 2008, o primeiro-ministro da Autrália, Kevin Rudd, pediu perdão aos indígenas que tinham sido despojados de seus filhos durante mais de um século.
As agências estatais e as igrejas cristãs haviam sequestrado as crianças, que foram distribuídas por famílias brancas, para salvá-las da pobreza e da delinquência e para civilizá-las e afastá-las dos hábitos selvagens.
Para branquear os negros, diziam.

Eduardo Galeano. Livro ‘Os filhos dos dias’. L&PM Editores. 2ª ed. Página 62

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Veto à Praça Marielle é mais um gesto autoritário de Ibaneis

Quinta, 23 de janeiro de 2020
jan 23, 2020

Foi publicado ontem (22), em edição extra do Diário da Câmara Legislativa, o veto do governador Ibaneis Rocha à Lei que cria a Praça Marielle Franco no Setor Comercial Sul. O veto não contém nenhuma motivação técnica, baseada na Constituição Federal ou na Lei Orgânica do Distrito Federal. De acordo com o texto, a ex-vereadora carioca “não teria prestado serviços à população do Distrito Federal, e haveria, aqui, uma tradição de se homenagear com a denominação de logradouros públicos apenas pessoas com vínculos diretos com a cidade”. Mas essas afirmações não correspondem à realidade.
Diversas personalidades de outras unidades da federação receberam homenagens como a que propusemos a Marielle: Praça Alziro Zarur (Lei nº 718/1994); Praça Zumbi dos Palmares (Lei nº 958/1995); Praça cantor Leandro (Lei nº 2.061/1998), que faleceu no mesmo ano da aprovação da Lei pela Câmara Legislativa; Praça Roberto Marinho (Lei nº 3.530/2005), dentre outras. Como se verifica, são diversos os espaços públicos do DF que homenageiam personagens póstumos da história nacional. Cada qual com seu valor simbólico; valor este que se sobrepõe a regionalismos justamente por se tratar da capital do País.
Distribuição de placas da Rua Marielle Franco. Foto: Janine Morais
O Projeto de Lei seguiu todas as exigências estabelecidas. Realizamos duas audiências públicas – a legislação pede apenas uma – e o nome de Marielle Franco para a praça em frente à Galeria dos Estados foi aprovado pela comunidade em ambos os encontros. A matéria também foi aprovada em Plenário pelos deputados Distritais.
Mais de 150 logradouros públicos dos mais diversos países hoje levam o nome de Marielle Franco: covardemente executada por milicianos no Rio de Janeiro, em um crime cujos mandantes seguem desconhecidos; crime cuja não resolução nos submete à vergonha internacional.
Marielle se tornou símbolo do martírio das mulheres negras e pobres que ousam ocupar a política. Foi vítima de uma execução política que fragiliza nossa tão recente democracia. Seu nome está à altura de qualquer espaço de Brasília, como está à altura de centenas de lugares do mundo. O reconhecimento internacional de Marielle fala por si. Infelizmente, é nítido que o propósito do veto é simplesmente negar reconhecimento à dimensão que tomou o legado da vereadora Marielle Franco. Um triste gesto para agradar quem persegue defensores de direitos humanos e despreza as garantias democráticas.
Texto do Deputado Fábio Felix, deputado distrital (Psol)
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Leia também:
Memória:

Marielle e os dois pilares do poder e do capitalismo: o patriarcado e o aparato do Estado penal racista

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Consciência Negra: sob a pele de Machado é tema de programa

Quarta, 20 de novembro de 2019

Revelações são feitas a partir do retrato embranquecido do escritor

TV Brasil – Brasília

O que você acharia se tivesse um retrato para a posteridade com a cor de sua pele alterada? No ano em que mais brasileiros se declaram pretos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Faculdade Zumbi dos Palmares/SP realiza uma campanha para substituir o retrato embranquecido do escritor Machado de Assis.

O bibliotecário Sidnei Rodrigues não sabia que um dos criadores da Academia Brasileira de Literatura era negro. Para a professora de História da Universidade de Brasília (UnB) Ana Flávia Magalhães, o autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas não era “um negro retinto, mas uma pessoa inegavelmente de origem africana”.

A discussão sobre o preconceito no país, em que mais da metade da população se identifica como preta ou parda, está no Caminhos da Reportagem de hoje (19), no episódio exibido na semana em que se celebra o Dia da Consciência Negra. O programa vai  [foi] ao ar às 21h30 na TV Brasil. [Veja o vídeo aqui]

A ex-consulesa Alexandra Loras se cansou de ter integrantes da elite paulistana puxando suas tranças e decidiu alisar os cabelos. Mas ainda enfrenta a resistência do filho loiro em deixar que ela, uma mãe negra, o leve para escola.

O estudante Matheus Benincasa Fernandes ficou de cueca para a gerente de uma loja para provar que não estava levando nada sem pagar. Edi Rock, do Racionais MC’s, também se queixa de preconceito: “quando chego num lugar mais sofisticado, diferente dos que frequento, todo mundo me olha como se perguntasse: quem é esse negro?”
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segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Homem que culpou ajudante negro por roubo é PM, mas polícia escondeu isso

Segunda, 11 de novembro de 2019
Da

11/11/19 por Arthur Stabile e Paloma Vasconcelos

PM e mulher disseram que jovem havia roubado celular, contrariando testemunha, vídeo e nota fiscal; casal diz estar sendo ameaçado

Rafael Ribeiro Santana, 27 anos, está preso desde 17 de julho, acusado de roubar o celular de uma criança no Parque da Independência, Ipiranga, zona sul da cidade de São Paulo. Mas testemunhas, vídeos e documento fiscal indicam que, na hora do crime, ele estava em um supermercado comprando salsicha para o seu patrão, dono de um carrinho de cachorro-quente. Uma das vítimas do roubo que acusou Rafael, cujo relato foi determinante para a sua prisão, é um policial militar. No entanto, a presença do PM no caso foi omitida dos registros policiais.

Um vídeo divulgado pela Ponte mostra o momento em que uma mulher, mãe da criança que teve o celular roubado, e um homem culpam Rafael pelo crime e o fazem esperar pela chegada da PM. Na cena, o homem que aponta o jovem ajudante como o autor do crime é Paulo Eduardo Lombardi, um cabo da PM paulista. Ele trabalha 17º BPM/I (Batalhão de Polícia Militar do Interior), localizado na cidade de São José do Rio Preto, interior do estado.

O registro, feito por um amigo de Rafael que percebeu as acusações, mostra o PM Paulo xingando de “lixo” e “vagabundo” as pessoas que estavam próximas. Eles davam sua explicação sobre o que havia ocorrido, buscando inocentar o ajudante. Quando os policiais militares, chamados pelo casal, se aproximam, é o cabo Lombardi quem vai falar com eles e apontar Rafael como o autor do crime.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Vítima inocenta suspeito, mas Justiça ignora e mantém jovem negro preso sem provas

Sexta, 8 de novembro de 2019
Da Ponte
08/11/19 por Arthur Stabile

Heverton Enrique Siqueira foi preso acusado de roubo de carro, mas principal testemunha voltou atrás no dia seguinte e admitiu que reconheceu a pessoa errada

[Clique sobre a foto para melhor visualizá-la]
Carta escrita pela vítima (à dir.) aponta que Heverton (à esq.) é inocente| Foto: Montagem/arquivo pessoal

O engano que levou à prisão do vendedor Heverton Enrique Siqueira, 20 anos, durou apenas um dia, mas a Justiça continua a mantê-lo preso, agora sem provas, há quase um mês.

O jovem negro foi detido pela Polícia Militar em 10 de outubro, pelo roubo de um carro em Sapopemba, zona leste da cidade de São Paulo, baseado em um reconhecimento pela vítima do crime feito no 69º DP (Teotônio Vilela). A própria vítima, um motorista de aplicativo, conta que no dia seguinte viu os ladrões que o haviam assaltado na rua e percebeu que havia identificado a pessoa errada. Tentou duas vezes mudar seu depoimento na delegacia, mas os policiais civis se recusaram a ouvi-lo. O motorista, então, escreveu em uma carta reconhecendo a inocência de Heverton, que foi anexada ao processo e ignorada tanto pelo Ministério Público quanto pela Justiça.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

É preciso acabar com a hipocrisia do termo “balas perdidas”. São balas assassinas

Quinta, 26 de setembro de 2019
Do Blog Bahia em Pauta, um texto do El País
DO EL PAÍS


segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Como sobrevive uma sociedade que mata suas crianças?

Segunda, 23 de setembro de 2019
Da
ABJD — Associação Brasileira de Juristas pela Democracia


O Núcleo Rio de Janeiro da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) manifesta, em primeiro lugar, sua profunda solidariedade a familiares e amigos de Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, assassinada, pelo Estado, com um tiro nas costas quando voltava para casa com a mãe, no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, na última sexta-feira, 20/9.

Por outro lado, o Núcleo-RJ manifesta também a convicção de que a política de segurança do governo do Estado do Rio de Janeiro caminha para o genocídio.

E mais. Mesmo que não fosse filha de um trabalhador, mesmo que não falasse inglês, não dançasse balé, nem fosse estudiosa, Ágatha não deveria morrer.

Era uma menina linda, bem-cuidada, saudável. Mas se fosse excessivamente magra por conta da fome, feiosa porque ninguém lhe penteava o cabelo, ou analfabeta porque jamais havia pisado numa escola, Ágatha não deveria ser assassinada com um tiro de fuzil.

As crianças não podem ser mortas.

Como sobrevive uma sociedade que mata suas crianças, sejam elas bonitas, estudiosas ou não? Como dizia Marielle Franco, “quantos mais”?

A despeito de todos os seus predicados, Ágatha foi assassinada porque era preta e vivia numa região pobre. Fosse branca e estivesse passeando de patinetes na Zona Sul do Rio de Janeiro, ainda que descabelada e desacompanhada, dificilmente uma bala de fuzil lhe atravessaria as costas.

A violência ilegítima do estado vitimou Ágatha; mas isso só acontece por duas razões: de um lado, pela incapacidade de reação daqueles que podem ser mortos; de outro, porque essa paralisia é o resultado da ação esmagadora de uma elite profunda e historicamente racista, escravocrata e violenta.