Sábado, 24 de maio de 2014
Experiência feita nos EUA levanta polêmica
Rafael Gonzaga — Jornal do Brasil
Pesquisadores de Minnesotta, nos Estados Unidos, conseguiram demonstrar que a manipulação do vírus do sarampo em uma técnica chamada virusterapia pode ser eficaz no combate contra o mieloma múltiplo, um tipo de câncer que atinge as células plasmáticas da medula óssea. A virusterapia é uma técnica onde o câncer é destruído com utilização de um vírus que infecta e mata as células cancerosas, poupando os tecidos normais. Os resultados foram divulgados em edição de maio do periódico “Mayo Clinic Proceedings”.
De acordo com o periódico, uma paciente de 49 anos
diagnosticada com um tumor na testa e com o mieloma múltiplo recebeu uma dose
intravenosa do vírus do sarampo conhecido como MV-NIS, seletivamente tóxico às
células de plasma do mieloma.
A forte dose do vírus do sarampo manipulada em laboratório
teria eliminado pela primeira vez o câncer da paciente. A dose utilizada no
estudo continha 100 bilhões de unidades infecciosas do vírus do sarampo. Uma
dose normal de vacina do sarampo contém 10 mil unidades infecciosas.
Apesar de apresentar efeitos colaterais como fortes dores
de cabeça, o tumor na testa desapareceu e a medula ficou livre do mieloma. A
remissão teria durado nove meses e, assim que o tumor na testa começou a
reaparecer, os médicos o trataram com radioterapia local. A paciente continua fazendo
acompanhamento para garantir que está livre do câncer.
O hematologista Stephen Russell, co-desenvolvedor da
terapia, disse na publicação acreditar que essa possa se tornar uma cura de
aplicação única. “Temos aqui um tratamento que você aplica uma vez e o efeito
pode ser a remissão de longo prazo do câncer”, disse Russell.
Contudo, o oncologista Evanius Wiermann, presidente da
Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBCO), deixa claro que este ainda se
trata de um tratamento experimental. “O que foi reportado foi um relato de
caso individual e que não mudará a prática diária, mas que serve para levantar
uma hipótese a ser testada em um futuro”, explica.
Uma segunda paciente acompanhada no estudo não obteve
resultados tão satisfatórios. A outra paciente, que tinha tumores nas pernas,
não conseguiu erradicá-los com a terapia. As duas pacientes, que já tinham sido
expostas ao sarampo no passado, foram as primeiras pacientes a receberem a mais
elevada dose possível do tratamento, que em doses menores inferiores não se
mostrou efetivo.
O oncologista conta que é preciso tomar cuidado com uma
possível empolgação com resultados iniciais de pesquisas. De acordo com ele, de
cada 100 novas moléculas ou tratamentos para uma doença oncológica, apenas
cinco chegam a ser submetidos a estudos clínicos mais avançados. Dentre esses
cinco, apenas um é efetivamente incorporada ao mercado. “Ou seja, 99% são
descartados no meio do caminho, seja por toxicidade ou por falta de eficácia
comprovado”, conta Wiermann.
Para demonstrar como o processo de desenvolvimento e
aprovação de uma pesquisa pode ser complexo, Wiermann conta que uma pesquisa de
tratamento do câncer geralmente começa em estudos pré-clínicos, ou seja,
sendo testado em animais. A partir daí, se for demonstrado benefício, esse
tratamento é encaminhado para um tratamento clínico dividido em três fases.
“Inicia-se por um estudo de fase 1, que avalia a dose e segurança do
medicamente, depois a fase II, que avalia a eficácia e termina em uma fase
III que compara este tratamento ao padrão para aquela doença no momento e, se
for melhor ou igual, passa a ser uma nova opção de mercado”, explica.
Outros tratamentos já foram apresentados
De acordo com Wiermann, existem poucos tratamentos virais
em oncologia. Um deles seria o T-VEC (virus talimogene laherparepvec), um
tratamento baseado em injetar o vírus da herpes diretamente em lesões
cutâneas de melanoma para promover a redução deles.
O tratamento é uma das mais recentes inovações na área e
foi apresentado na edição de 2013 do Congresso Anual da Sociedade
Norte-americana de Oncologia Clínica (Asco), principal evento da área em todo o
mundo, mas ainda não é aprovado no Brasil ou nos Estados Unidos.
Wiermann explica que nesse tipo de tratamento, somente o
tumor é contaminado. “É a primeira imunoterapia viral para o tratamento do
melanoma. Este é um avanço muito interessante e certamente bem maior do que o
resultado obtido com o vírus do sarampo, que se trata de uma situação muito
mais pontual”, explica.