Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

domingo, 12 de maio de 2019

Quem analisa com frieza a obra de Marx reconhece que suas críticas são válidas

Domingo, 12 de maio de 2019
Da Tribuna da Internet
Francisco Bendl  
O notável articulista Percival Puggina se deixou contaminar pelos conceitos deturpados a respeito de Marx, lamento. Inteligente, mente arejada e culto, no entanto Puggina não ampliou seus estudos a respeito da essência dos enunciados do filósofo alemão. Aliás, os dias de hoje comprovam que Marx tinha plena razão nos seus alertas contra o capitalismo, pois o dinheiro seria de fato o novo Deus do indivíduo, levando à ganância e ao lucro exagerado. Pois, desde tempos imemoriais, o homem sempre foi humilhado e explorado pelo mais forte.
A história registra desde seus primórdios exatamente a exploração do homem pelo homem, mencionado séculos depois pelo filósofo Thomas Hobbes: “O homem é o lobo do homem” é uma frase tornada célebre pelo filósofo inglês, ao significar que o homem é seu maior inimigo.
DETURPAÇÃO – Marx, repito, teve deturpadas as suas teorias, de modo a permitir que o sistema continuasse usando a força do trabalhador como fonte de riqueza para seus empregadores, principalmente os patrões cristãos, que frequentavam as igrejas, doavam dinheiro à construção de mais basílicas, catedrais, santuários, mosteiros… cultuavam Deus, porém exploravam os filhos deste mesmo Deus!
Ao acusar Marx de ser anticristão, seus detratores deveriam perceber que, na razão direta desses conceitos formulados contra as respostas trazidas pelo filósofo alemão sobre as relações trabalho-capital, os capitalistas seriam, então, absolutamente contrários à espécie humana!
Pela exploração que lhe faziam e que ainda lhe fazem, os capitalistas detestariam o homem que precisa de trabalho, considerando que o empregado é uma pessoa inferior, sem estudos, sem maiores qualificações, por mais estulto e néscio que fosse o empregador.

RELAÇÕES COMPLICADA – Quanta à luta de classes, igualmente deturpada no seu significado, Marx foi claro que esta relação empregado/empregador sempre foi e seria difícil, complicada, haja vista que o capitalista jamais iria remunerar melhor a mão de obra contratada.
Definitivamente tal comportamento jamais poderia ser cristão, a começar pela ostentação, luxo, riquezas, que os cristãos obtiveram em nome de um Deus vingativo, cruel, que se não o amássemos e cumpríssemos com seus mandamentos o inferno seria o nosso destino, reservado justamente aos pobres, aos miseráveis, à ralé, pois o capitalista, o empregador, o rico, esses já teriam seus lugares garantidos ao lado do Senhor pelas doações à Igreja, à Roma, ao Cristianismo, independente das adulterações radicais que o movimento cristão tenha sofrido desde o seu surgimento!
EXPLORAÇÃO – Enquanto Marx visava melhorias para este homem explorado na sua força de trabalho, a Igreja continuava a doutriná-lo para que se resignasse com a sua vida, que acreditasse em Deus, que não se rebelasse, e que fosse um bom empregado, além de ter de confessar os seus pecados e pagar o dízimo, logo, a religião é o ópio do povo, frase atribuída ao alemão.
No entanto, a comparação da religião com o ópio já aparece, por exemplo, em escritos de Immanuel Kant, Johann Herder, Ludwig Feuerbach, Bruno Bauer, Moses Hess e Heinrich Heine. Este último, em 1840, no seu ensaio sobre Ludwig Börne escreveu:
“Bendita seja a religião, que derrama no amargo cálice da humanidade sofredora algumas doces e soporíferas gotas de ópio espiritual, algumas gotas de amor, fé e esperança. ”
ÓPIO DO POVO – Moses Hess, num ensaio publicado na Suíça em 1843, também utilizou a mesma ideia: A religião pode fazer suportável […] a infeliz consciência de servidão… de igual forma o ópio é de boa ajuda em angustiantes doenças.
Além de Heine e Hess, uma ideia similar aparece em “Histoire de Juliette”, ou “Les Prospérités du Vice”, obra do marquês de Sade, de 1797: “É ópio que você faz seu povo tomar, para que, anestesiado por esse sonífero, ele não sinta as feridas que você lhe rasga.”
Novalis, outro poeta alemão, também teria usado uma comparação semelhante em Blüthenstaub (Grãos de pólen), seu primeiro trabalho publicado na revista Athenäum, em 1798: “Sua suposta religião age simplesmente como um ópio: excitante, estonteante, acalmando os sofrimentos dos fracos.”
RESIGNAÇÃO – Certamente Marx é contestado porque demonstrou que a Igreja não só em nada contribuiu para o desenvolvimento da Humanidade, como foi a responsável pela sua resignação, atrofiamento da criatividade, passividade e autoconstatação de sua inferioridade diante de outro homem, a começar pelo Papa, infalível e cultuado como direto representante de Deus neste planeta!
Portanto, Léo Moulin, que teve uma de suas declarações postadas pelo admirado Puggina, onde afirma que “… A obra prima da propaganda anticristã é ser bem sucedida em criar nos cristãos, sobretudo nos católicos, uma consciência pesada …” efetivamente referiu-se a si mesmo!
Se as fortunas arrecadas pelo catolicismo/cristianismo nos gastos em construções de seus templos, obras de arte de valores inestimáveis guardadas a sete chaves, avaliação impossível de ser feita do patrimônio dessa mesma Igreja, fossem canalizadas para melhorar a vida do cidadão, Marx jamais teria razão em defender esse homem explorado pelo empregador/capitalista, e jamais poderia ter dito, assim como outros o fizeram também, que a religião é o ópio do povo!
CAPITAL E TRABALHO – Em minha defesa, antecipo que não sou comunista, e a TI é minha testemunha nesses oito anos que a frequento. Mas, a situação cada vez mais deplorável do ser humano no Brasil e no mundo, explorados, roubados, enganados, com as suas forças de trabalho sendo pessimamente remuneradas, e se exigindo deste trabalhador cada vez mais horas de trabalho para o enriquecimento do comerciante ou industrial ou banqueiro, Marx não poderia neste momento deixar de ser estudado, de ser analisado, pois a ojeriza que sofre dos capitalistas está na razão direta que não aceitam mudanças nesta relação trabalho/capital, enquanto hoje não só se faz necessária, quanto o futuro da humanidade está relacionado diretamente às reformas que precisam ser feitas, de o trabalhador ser mais valorizado e considerado pelos ricos ou pelos seus empregadores!
Meu abraço ao articulista que reverencio. Desejo-lhe saúde e vida longa.