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(Millôr Fernandes)

sábado, 2 de maio de 2020

O QUE FOI O GRUPO SECRETO-GS?

Sábado, 2 de maio de 2020
Por
Salin Siddartha*

O Grupo Secreto foi uma organização terrorista de extrema-direita cujo principal método de atuação consistia em armar bombas em locais públicos e causar tumultos para culpar movimentos de esquerda por esses atos; era um núcleo operacional criminoso onde agiam muitos militares antidemocráticos de direita que cometiam atentados. Também chamado de “linha dura”, era uma organização paramilitar que começou a constituir-se já em 1961, quando um grupo de militares ultradireitistas, insatisfeitos com a volta do Vice-Presidente João Goulart ao Brasil, para tomar posse como Presidente da República, em virtude da renúncia de Jânio Quadros, decidiu impedir o avanço da esquerda no País, tentando intimidá-la.

O Grupo Secreto praticou seu primeiro atentado (por sinal, frustrado) em maio de 1962, quando planejou explodir uma bomba com carga de dez bananas de dinamite, num prédio que abrigava, na época, a Exposição Soviética, um evento organizado pela embaixada da URSS – a existência da bomba chegou ao conhecimento da polícia, e ela foi desarmada. Alguns dos membros foram presos, mas logo foram soltos e reintegrados aos seus postos militares.

O Grupo também foi organizado com policiais do alto escalão das polícias civis do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Ainda antes do Golpe Militar de 1964, o jornal carioca Diário de Notícias passou a defender os pontos de vista da “linha dura” que, em contrapartida, fazia intensa propaganda daquele diário no cerne das Forças Armadas, angariando-lhe assinaturas. Essa organização participou ativamente do Movimento Militar de 1964, tendo alguns de seus membros sido enviados pelo então coronel Jayme Portella ao encontro do general Olympio Mourão Filho, levando-lhe documentos para subsidiar a saída das tropas da IV Região Militar de Juiz de Fora no rumo do Rio de Janeiro, onde, efetivamente, tomaram o poder, instaurando a Ditadura.

No contexto do “golpe dentro do golpe”, o GS realizou seus primeiros atentados a bomba a partir de 1967, com o apoio sigiloso de integrantes do governo para impedir a abertura política; o objetivo era limpar o terreno para a edição do que posteriormente veio a ser o Ato Institucional nº 5 (o famigerado AI-5), consolidando a estrutura repressiva do Regime Militar. Assim, desencadeou-se uma série de atos terroristas na tentativa de deter a abertura política; muitos membros do Grupo foram contratados pelo Centro de Informações do Exército-CIE e pelo Serviço Nacional de Informações-SNI. Em 1967, o antigo líder do Grupo Secreto, o coronel Alberto Fortunato, trabalhando nua das inúmeras DSIs (Divisões de Segurança e Informação – repartições encarregadas de colher dados para o Centro de Informações do Exército-CIE), aproveitou-se da função que exercia para fazer contato com oficiais do CIE e articular o GS de maneira mais integrada na estrutura do sistema de segurança e informação. Mais bem protegidos, seus terroristas passaram a cometer atentados contra qualquer estabelecimento tido como de esquerda, principalmente teatros, universidades e representações comerciais e diplomáticas da União Soviética; o CIE patrocinava as ações terroristas fornecendo explosivos (geralmente dinamite sólida ou gelatinosa), apoio logístico, informação e mão de obra. Em mais de um atentado, o motorista da fuga era um agente do CIE e, mesmo que algum membro do Grupo fosse preso, era libertado em seguida.

No campo da experimentação, o Grupo Secreto efetuava “testes” com explosivos em locais ermos, realizados com pequenas porções de dinamite gelatinosa, o que lhe permitia calcular com exatidão a quantidade adequada a cada situação, comprimento dos pavios, “design” dos artefatos e outros detalhes.

A estrutura original do Grupo Secreto fundamentava-se na Teoria dos Círculos Concêntricos: setores distanciados entre si, mas vinculados a um só eixo ideológico. No anel externo, ficavam aqueles que, embora conhecedores das incursões, delas não participavam e cuidavam para que os parceiros deles não fossem identificados ou sofressem coações; era o caso do policial Charles Borer (lotado no DOPS) e do coronel do Exército Mendonça (codinome Camões, ex-Diretor do Depósito de Munições do Exército, situado e Paracambi-RJ, e do Instituto Penal Cândido Mendes, situado na Ilha Grande-RJ) –, a este último indivíduo cabia prover a organização de armas e peças sobressalentes (carregadores para pistolas automáticas, canos para metralhadoras INA calibre 45 etc.) A dinamite gelatinosa chegava ao Grupo por intermédio dos agentes do CIE; com isso, o estoque de material bélico utilizável estava sempre em dia.

No anel intermediário, ficavam aqueles elementos que frequentavam as reuniões políticas, ofereciam sugestões, discutiam planos… mas não se envolviam na preparação e colocação de bombas; alguns desses “teóricos” sequer conheciam as dependências onde ficavam armazenados os dispositivos de destruição: dinamite comum e gelatinosa, cordéis detonantes, espoletas elétricas, pavios, munições e outros produtos inflamáveis. Entre esses indivíduos, destacavam-se Pedro Maciel Braga, general Camilo Borges de Castro, general-médico Gérson de Pina e o general Ferdinando de Carvalho, que atuava como ideólogo.

No anel interior – compartilhado pelos que conheciam os “segredos” operacionais do Grupo –, somente tinham acesso os “iniciados” que mantinham canais abertos com os demais integrantes, mas silenciavam quanto às ações; destacavam-se neste anel Pierre Richell – o mais experiente sabotador e operador de campo –, Alberto Fortunato, Hilário José Corralis (marceneiro e pequeno empresário), Luiz Helvécio Leite da Silva, Alexandre Murillo Fernandes e o coronel Freddie Perdigão Pereira.

Em São Paulo, o Grupo Secreto era comandado pelo chefe do DOI (Destacamento de Operações Internas) do II Exército, coronel Aldir dos Santos Maciel, apelidado de “Doutor Silva”. A “linha dura” recebeu a missão de prender e executar membros do Comitê Central do PCB, sem deixar pistas; os assassinatos ocorreram em chácaras clandestinas de São Paulo, para facilitar o ocultamento de cadáveres. Os sobreviventes eram encaminhados pelo comando do II Exército aos delegados do DOPS José Francisco Setta e Alcides Singillo; após serem torturados nas dependências do órgão na rua Tutoia-SP, os militantes eram obrigados a prestar declarações do próprio punho sobre suas atividades (dentro dessa tática se enquadram os casos do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho, que acabaram morrendo na tortura). Apelidada de “Operação Radar”, a caça resultou na morte de 11 membros do Comitê Central. Além de destruir as gráficas clandestinas do partido, a repressão desmantelou suas células nos Estados, em operações que prenderam 679 pessoas.

O Grupo Secreto continuou suas operações até 1980. Posteriormente, na tentativa de realizar o atentado no Riocentro, um de seus antigos integrantes morreu no processo, deixando um diário que revela parte das operações do Grupo.

É do Grupo Secreto o caso mais emblemático de terrorismo no Brasil: a tentativa do atentado ao Gasômetro. O plano, de 1968, consistia em matar 100 mil pessoas na hora do rush, explodindo o Gasômetro de São Cristóvão-RJ, em conjunto com a represa de Ribeirão das Lajes, para deixar a população do Rio de Janeiro sem água, atribuindo tudo à esquerda. Seriam explodidos, também, a embaixada norte-americana e alguns bancos – Sérgio “Macaco”, capitão da Aeronáutica, recusou-se a seguir as ordens de seu comandante e tornou público todo o plano (morreu sem sua patente, enquanto seu comandante terrorista continuou com o posto de brigadeiro que ocupava).

O GS instalou bombas nos teatros Miguel Lemos, Gláucio Gil e João Caetano, no Colégio Brasileiro, na Escola Nacional de Belas Artes-RJ, no Centro Acadêmico Cândido de Oliveira e na Faculdade Nacional de Direito-RJ (atual Faculdade de Direito da UFRJ). No Rio de Janeiro, um dos líderes da organização era Dirceu Gravina (também conhecido como JC). Organizou também um plano destinado a matar o Presidente Ernesto Geisel, abatendo, com um míssil portátil (de ombro), o helicóptero no qual viajava diariamente, em Brasília – entretanto um jovem oficial da Aeronáutica, pertencente ao Grupo, deu ciência, sigilosamente, à equipe de segurança de Geisel, e o Presidente deixou de utilizar aquela aeronave. O Grupo Secreto, destarte, efetuou pichações em faculdades e nas caixas postais dos Correios, sempre à noite, distribuiu panfletos contra o general Golbery do Couto e Silva, contra o então Ministro da Fazenda, Antônio Delfin Neto, denunciando irregularidades que o envolviam em transação com a empresa Olivetti numa jogada implicando muitos milhões de dólares (quando, de um dia para o outro, sem maiores explicações, todas as máquinas de escrever do Exército, Marinha e Aeronáutica, ou seja, milhares delas, foram trocadas por equipamentos da Olivetti).

O Grupo Secreto ateou fogo em bancas de jornais do Rio de Janeiro que vendiam jornais esquerdistas, explodiu uma bomba caseira à porta do Teatro Gláucio Gil, em Copacabana, destruindo as vidraças da entrada e, parcialmente, a bilheteria, precisamente às 3h20m; naquela noite, tinha ido à cena a peça “Juventude em Crise”, apresentada pela Companhia de Tônia Carrero e sob direção de seu filho, Cecil Thiré. Foi a primeira grande operação do GS contra uma casa de espetáculo. Ele efetuava as incursões, preferencialmente, entre 2h30m e 3h30m, quando a maioria das pessoas estava dormindo, os bares e restaurantes fechavam para limpeza e os transportes coletivos circulavam em intervalos maiores – as noites de chuva e frio eram as mais propícias, pois inibiam a movimentação nas ruas.

Como não há mal que sempre dure, pouco depois do término do Governo do General Ernesto Geisel, o Grupo Secreto deixou de existir para passar a pertencer ao lixo de nossa história.

Cruzeiro-DF, 2 de maio de 2020
SALIN SIDDARTHA

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*Este artigo foi originalmente publicado nesta data (2/4) no Jornal InfoCruzeiro.