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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Tribunal anulou nesta quinta (21/5) nomeação de missionário para coordenação de índios isolados da Funai

Quinta, 21 de maio de 2020
Ricardo Lopes Dias atuou como missionário da região do Vale do Javari, no estado do Amazonas, ligado à organização religiosa antes conhecida como Missão Novas Tribos do Brasil, hoje rebatizada de Ethnos 360.
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Decisão do TRF1 cancelou mudança no regimento interno que permitia a escolha de pessoa fora dos quadros técnicos da Fundação e atendeu recurso do MPF

Foto de uma moradia indígena feita de palha
Imagem: iStock
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) anulou, nesta quinta-feira (21), a nomeação do missionário Ricardo Lopes Dias para a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (Funai). A decisão atende recurso do Ministério Público Federal (MPF), que demonstrou o grave risco de genocídio em caso de reversão da política brasileira de não forçar o contato com povos em isolamento voluntário.

Para o desembargador Antonio Souza Prudente, que ordenou a anulação, o missionário nomeado já tomou decisões que violam o direito dos povos indígenas isolados e por isso, é necessário inibir “a adoção de medidas que venham a afrontar as garantias fundamentais, notadamente, aquela que assegura aos povos indígenas o direito à sua autodeterminação, nos termos da Constituição Federal e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais”.
“Historicamente, os missionários procuram promover o contato com povos indígenas isolados e de recente contato para evangelizá-los, o que contraria uma política consolidada no Brasil”, lembra o texto da liminar. Ricardo Lopes Dias atuou como missionário da região do Vale do Javari, no estado do Amazonas, ligado à organização religiosa antes conhecida como Missão Novas Tribos do Brasil, hoje rebatizada de Ethnos 360.

A decisão afirma que “a nomeação de servidor engajado com a linha de atuação da referida organização missionária representa alto grau de risco à política consolidada de não contato com as populações e o respeito ao isolamento voluntário desses povos, em flagrante violação ao princípio da autodeterminação dos povos indígenas, conforme acima já consignado, e, também, à função institucional da própria Coordenador-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato, que, dentre outras atribuições, deve garantir a proteção dos indígenas e das terras onde estão”.


Portarias anuladas - Com a liminar do TRF1, a portaria 167/2020 da Funai foi anulada, o que assegura que apenas servidores efetivos da fundação possam coordenar a área que protege povos em isolamento voluntário e de recente contato. Também foi anulada a portaria 151/2020, que nomeou Ricardo Lopes Dias.


O processo aponta que a responsabilidade da coordenação assumida por Ricardo Lopes Dias – assim definida pela ordem jurídica nacional – é implementar uma política não assimilacionista e não integracionista. Há, portanto, “nítido conflito de interesses na nomeação de pessoa com profundas ligações, de formação e de trabalhos desenvolvidos, com organização que tem por meta estreitar com os indígenas, preferencialmente os isolados e de recente contato, relações de dependência favoráveis à propagação da fé, representando um movimento assimilacionista e de integrar o indígena à sociedade nacional”.

O MPF teve acesso a documentos assinados por movimentos missionários internacionais aos quais Ricardo Lopes Dias é ligado que comprovam o envolvimento da Missão Novas Tribos do Brasil, a que ele pertenceu por dez anos, em um movimento de fazer contatos forçados e evangelizar povos isolados. Nos documentos, utiliza-se o termo “finalizar a missão” para designar o que os missionários dizem ser uma “comissão” dada por Jesus Cristo em trecho da Bíblia, e que “obriga evangélicos a promoverem a conversão de povos indígenas em todo o planeta”.

Os documentos do movimento missionário permitem verificar o esforço em obter dados que auxiliem “na tentativa de identificar as necessidades e oportunidades entre aqueles que pouco ou nada ouviram de Cristo”, ou seja, em obter dados sobre identificação e localização dos povos em isolamento voluntário e de recente contato, para concluírem a tarefa de que “o evangelho de Cristo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, chegue a todos em todos os lugares, prioritariamente àqueles que pouco ou nada ouviram da única e insubstituível salvação em Cristo Jesus”. Para o MPF, esses dados são extremamente sensíveis, e o acesso de missionários a eles pode colocar os povos em risco de genocídio e etnocídio.

Fonte: MPF