Terça, 19 de setembro de 2023
Organizações indígenas como Apib e a Kuñangue Aty Guasu falam de intolerância religiosa - Reprodução
Repetindo padrão de incêndio em casas indígenas no MS, o caso vitimou a nhandesy Sebastiana, de 92 anos e Rufino, de 55
Gabriela Moncau
Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 19 de Setembro de 2023
O casal de rezadores Guarani e Kaiowá, Sebastiana Gauto e Rufino Velasque, foi encontrado morto e carbonizado na casa onde viviam nesta segunda-feira (18), na aldeia Guassuty, no Mato Grosso do Sul (MS). O território fica na cidade de Aral Moreira (MS), que faz fronteira com o Paraguai. Imagens do incêndio durante a madrugada estão sendo divulgados pelas redes de organizações indígenas.
"A nhandesy [rezadora] Sebastiana vinha recebendo várias ameaças de morte nos últimos anos, inclusive sendo chamada de 'feiticeira', com discursos coloniais recorrentes e reproduzidos no MS", afirmou em nota a Kuñangue Aty Guasu, Grande Assembleia das Mulheres Guarani e Kaiowá.
Na mesma segunda-feira (18), um suspeito de ser o autor do assassinato das lideranças espirituais foi preso. O homem de 26 anos tinha vínculo familiar com o casal. Segundo o g1, ele teria confessado o duplo homicídio, sem explicar a motivação.
A Polícia Civil do MS informou que "as investigações não apontam para crime de ódio". Já a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) diz que a "comunidade discorda da linha policial" que estaria investigando o caso como "crime passional".
Para a Kuñangue, o caso – cuja complexidade possivelmente cruza intolerância religiosa, machismo e a prática de incêndio, usada recorrentemente para tentar expulsar os indígenas de suas terras no MS - "não é apenas uma tragédia individual": "é também uma realidade violenta enfrentada por muitos rezadores e guardiões das ancestralidades indígenas Kaiowá e Guarani".
Pelas redes sociais, a ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara (PSOL) e a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL) afirmaram que vão acionar o Ministério da Justiça, comandado por Flávio Dino (PSB), para apurar a situação.
"Tentaram queimar não somente a existência do povo Guarani Kaiowá, estão tentando queimar a voz da resistência dos povos indígenas", disse Célia Xakriabá. "Parem de tentar matar a nossa força espiritual".
O Ministério Público Federal (MPF-MS) disse que "aguarda mais informações da Funai e o avanço das investigações para averiguar eventual competência federal no crime cometido".
Padrões de violência
No último 18 de agosto, na cidade de Dourados (MS), casas de indígenas no tekoha [território tradicional, "lugar onde se é" em guarani] Avae'te também foram incendiadas, mas ninguém se feriu. A área, reivindicada como tradicional pelo povo Guarani e Kaiowá, está sobreposta à Fazenda Boa União, do empresário e sojicultor Allan Christian Kruger. Os indígenas vêm reocupando o território nos últimos anos, principalmente desde 2018.
Em nota, a Aty Guasu, Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, reivindicou "justiça e proteção contra as religiões que disseminam discursos de ódio contra nossos líderes espirituais. Todas as nhandesy e lideranças religiosas denunciam o arrendamento de terra indígena e por isso sofrem ameaça de morte".
Em dezembro de 2022, outra nhandesy foi morta no Mato Grosso do Sul. Estela Vera, do povo Ava Guarani, foi assassinada a tiros por dois homens e, aos 67 anos, tombou na frente do filho no tekoha Yvy Katu, terra que ela defendia contra o arrendamento.
"Não é o mundo que precisa de solução", disse Estela Vera, certa vez, em uma entrevista antropóloga Lauriene Seraguza, "somos nós que estamos fazendo tudo errado".
Edição: Thalita Pires