Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Meu pai Lula

                                         Sexta, 16 de outubro de 2009
Por Ivan de Carvalho   

Estou extremamente feliz com o presidente Lula. O governo encarregou-se de divulgar que ele “não gostou” da reação contrária dos contribuintes ante a decisão do Ministério da Fazenda de retardar a devolução, quando couber, de imposto de renda das pessoas físicas recolhido na fonte e mandou o ministro Guido Mantega voltasse atrás no seu avanço sobre o bolso dos contribuintes.
    Sinceramente, não resisto a abrir um parêntesis para mais uma vez abordar a questão do sobrenome do ministro. Mais estranhos sobrenomes eu já conheci e também sobrenomes estranhos por haverem sido escritos erradamente. No final dessas histórias, os nomeados se conformam e adaptam-se a eles numa boa ou entram com um pedido judicial para mudar ou corrigir o sobrenome ou o prenome, não importa.
    No caso do ministro Guido Mantega, ainda não me convenci de que a origem do nome não está no derivado do leite, erradamente escrito, mas sim em algum mistério (para mim) lingüístico. Na origem, deveria ser Manteiga, o derivado do leite, e nenhum desdouro seria, pois há muita gente que tem o sobrenome de Leite, de cuja nata se faz a mantega, perdão, manteiga, pois o corretor ortográfico condenou a primeira grafia.
Em imensa multidão as pessoas ganham nomes de árvores (Laranjeiras, Figueira, Carvalho, Pereira, Oliveira e muitos outros, bem como nomes ou apelidos de frutas (Lima, Melancia, Jaca, Moranguinho, Melão), de atividades talvez desenvolvidas por algum ancestral, de animais (aí é infindável a fauna utilizada, Lula, Coelho, Leão, Carneiro, Pinto, Vieira), de objetos (Serra, Mesa, Chávez) – e todo mundo encara isso naturalmente, inclusive alguns com certo orgulho um tanto sem fundamento. Afinal, por que ficar vaidoso por ter o sobrenome de Figueira ou de Carvalho ou de Machado? Admito um certo orgulho somente se for nome de santo e se o nomeado for digno de usá-lo. E que não seja São João do Mereti.
Perdão, leitor, mais uma vez. Voltando à questão da restituição do IRPF, o governo anunciou que ia deixar uma grande parte para o ano que vem. A explicação foi a de que “a arrecadação diminuiu”, realmente muito interessante como argumento, pois ainda assim as despesas correntes (não as destinadas a investimentos) foram desnecessariamente elevadas pelo governo no ano passado e neste em índices impressionantes.
Mas Lula não gostou da reação da sociedade, da reação popular em ano que precede o das eleições gerais, incluindo as presidenciais, fez questão de deixar claro que deu a contra ordem, o ministro Mantega naturalmente acatou e vai fazer “todo o esforço possível” para restituir até o fim do ano quase tudo que deve restituir. Alguma coisa, porém, ficará mesmo para 2010 porque, droga, o volume total das restituições aumentou do ano passado para este ano.
Como mais uma vez o governo praticou a maldade de não reajustar a tabela do IRPF (o que já foi feito todo ano e há anos só raramente acontece, uma maneira de lesar o contribuinte, cobrando-lhe mais IRPF sem precisar da autorização congressual para aumentar as alíquotas), seria bem interessante que o ministro MANTEGA (assim grafado e com pronúncia de vocábulo proparoxítono, ainda que sem a acentuação correspondente, o que o torno duplamente esdrúxulo) explicasse as causas desse aumento do valor total a ser restituído.
Mas toda essa história da restituição do IRPF foi aqui posta apenas para demonstrar que ela teve um herói. O presidente Lula. Aquele que se aborreceu porque os contribuintes iam receber com um atraso anormal (atraso normal é bobagem no Brasil-zil-zil da Copa e das Olimpíadas), puxou as orelhas do ministro repôs o trem nos trilhos, assumindo a imagem de salvador. Por esse jeito de agir em tantas coisas é que ontem havia pessoas do Bolsa Família na beira do São Francisco na esperança de que “meu pai Lula” lhes tocasse a mão.
Gente simples, católica, coração puro, gratidão mesmo injustificada à flor da pele, mas de pouca instrução, ignorante do que disse o Mestre Jesus: “A ninguém chamareis de pai neste mundo, pois o Pai é um só, que está nos céus”.

Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia de hoje.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.