Sábado, 17 de maio de 2014
Dizendo-se
abandonada, a ex-chefe do escritório da Presidência da República queria ajuda —
e conseguiu
Robson Bonin —
Da Revista Veja
Rosemary Noronha
A discrição nunca foi
uma característica da personalidade da ex-chefe do gabinete da Presidência da
República em São Paulo Rosemary Noronha. Quando servia ao ex-presidente Lula em
Brasília, ela era temida. Em nome da intimidade com o “chefe”, como às vezes
também se referia a ele, Rose fazia valer suas vontades mesmo que isso
significasse afrontar superiores ou humilhar subordinados. Nos eventos
palacianos, a assessora dos cabelos vermelhos e dos vestidos e óculos sempre
exuberantes colecionou tantos inimigos — a primeira-dama não a suportava — que
acabou sendo transferida para São Paulo. Mas caiu para cima. Encarregada de
comandar o gabinete de Lula de 2009 a 2012, Rose viveu dias de soberana e
reinou até ser apanhada pela Polícia Federal ajudando uma quadrilha que vendia
facilidades no governo. Ela usava a intimidade que tinha com Lula para abrir as
portas de gabinetes restritos na Esplanada. Em troca, recebia pequenos agrados,
inclusive em dinheiro. Foi demitida, banida do serviço público e indiciada por
crimes de formação de quadrilha e corrupção. Um ano e meio após esse turbilhão
de desgraças, no entanto, a fase ruim parece ter ficado no passado. Para que
isso acontecesse, porém, Rosemary chegou ao extremo de ameaçar envolver o
governo no escândalo.
Em 2013, no auge das
investigações, quando ainda lutava para provar sua inocência, a ex-secretária
Rosemary procurou ajuda entre os antigos companheiros do PT — inclusive Lula, o
mais íntimo deles. Desempregada, precisando de dinheiro para pagar bons
advogados e com medo da prisão, ela desconfiou que seria abandonada. Lula não
atendia suas ligações. O ex-ministro José Dirceu, às vésperas da fase final do
julgamento do mensalão, estava empenhado em salvar a própria pele e disse que
não podia fazer nada. No Palácio do Planalto, a ordem era aprofundar as
investigações. Em busca de amparo, Rose concluiu que a única maneira de chamar
a atenção dos antigos parceiros era ameaçar envolver figuras importantes do
governo no escândalo. Mensagens de celular trocadas pela ex-secretária com
pessoas próximas mostram como foi tramada a reação. Magoada com o PT por ter
permitido que a Casa Civil aprofundasse as investigações sobre suas
traficâncias, Rose destila ódio contra a então ministra Gleisi Hoffmann. Em uma
conversa com um amigo, em abril do ano passado, desabafa: “Tão chamando a
ministra da Casa Civil de Judas!!! Ela bem que merece!!!”. O interlocutor
assente: “Ela vazou a porcaria toda. Vamos em frente”. Rose acreditava que o
próprio Palácio do Planalto estava por trás das revelações sobre o desfecho da
sindicância — “a porcaria toda” — que apontava, entre outras irregularidades, o
seu enriquecimento ilícito no cargo.
Com o fundo do poço
cada vez mais próximo, Rosemary decidiu arrastar para dentro do escândalo
figuras centrais do Planalto e, se possível, a própria presidente Dilma
Rousseff. A estratégia consistia em constranger os antigos colegas de governo
pressionando-os a depor no processo que tramitava na Controladoria-Geral da
União. “Quero colocar o Beto e a Erenice Guerra”, diz Rose em uma mensagem.
“Você quer estremecer o chão deles?”, questiona o interlocutor. “Sim”, confirma
Rose. “Porque vai bombar. Gilberto Carvalho também?”, indaga. “O.k.”, devolve
ela. As autoridades que deveriam “estremecer” não foram escolhidas por acaso.
Atual chefe de gabinete da presidente Dilma Rousseff, Beto Vasconcelos era na
ocasião o número 2 da Casa Civil. Ao lado da ex-ministra Erenice Guerra, ele
servira a Dilma no Planalto durante anos. Rose os conhecia como a palma da mão
e sabia que eles tinham plena consciência do seu temperamento explosivo. A
conclusão da conversa no celular, resumida pelo interlocutor, revela as reais
intenções da ex-secretária: “Vai rolar muito stress... Vão bater na porta da
Dilma. Vão ficar assustados”.
O plano embutia um
segundo objetivo. Rosemary também queria se reaproximar de um ex-amigo em
especial. Ao tentar “estremecer” o chão de Gilberto Carvalho, o ministro da
Secretaria-Geral da Presidência e homem de confiança de Lula, Rose tinha um
propósito bem específico. Ela queria restabelecer as suas ligações com “Deus”,
como a ex-secretária costuma se referir ao ex-presidente Lula. Em outra
troca de mensagens de celular, um interlocutor diz a Rose que, com a indicação
das testemunhas — Gilberto Carvalho, Beto Vasconcelos e Erenice Guerra — no
processo da CGU, “o momento é oportuno para aproximação com Deus...”. Mas a ex-protegida
de Lula se mostra cética e insatisfeita. “Vai ser difícil. Ele está com muitas
viagens. Não posso depender dele”, diz Rose. Não se sabe exatamente o que
aconteceu a partir daí, mas a estratégia funcionou. Um dos homens mais próximos
a “Deus”, Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, cuidou pessoalmente de
algumas necessidades mais imediatas da família de Rosemary durante o processo.
Além de conseguir ajuda para bancar um exército de quase quarenta juristas das
melhores e mais caras bancas de advocacia do país, a ex-secretária reformou a
cobertura onde mora em São Paulo e conseguiu concretizar o antigo projeto de
ingressar no mundo dos negócios.
Rosemary comprou uma
franquia da rede de escolas de inglês Red Balloon. Para evitar problemas com a
ficha na polícia, o negócio foi colocado no nome das filhas Meline e Mirelle e
do ex-marido José Cláudio Noronha. A estratégia para despistar as autoridades
daria certo não fosse por um fato. A polícia já havia apreendido em 2012, na
casa de Rose, todo o planejamento para aquisição da franquia. Os documentos
mostravam que o investimento ficaria a cargo da quadrilha que vendia influência
no governo. Na época, a instalação da escola foi orçada em 690 000 reais —
padrão semelhante aos valores praticados atualmente no mercado —, dinheiro que
Rosemary e seus familiares não possuíam. Como, então, a família que informava
ter um patrimônio modesto conseguiu reunir os recursos? Procurada por VEJA,
Meline Torres, responsável pela administração da escola, informou que todos os
investimentos foram realizados a partir de “economias”. “Eu trabalhei muito
durante a minha vida (Meline tem 29 anos). Trabalho desde os 18 anos com
registro em carteira e tenho poupança. Meu pai também está me ajudando com
recursos dele, aliás, do trabalho de uma vida”, explicou. Rosemary não quis se
pronunciar.