Quarta, 13 de julho de 2016
Da Ponte
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
Informe parlamentar sobre os desdobramentos da Lava Jato no Peru
revela como as empreiteiras brasileiras enviavam dinheiro para subornar
políticos no país. Mas o Congresso peruano tenta relegá-lo esquecimento
A solidão obscura dos arquivos do Congresso peruano pode ser o
destino final do relatório do presidente da Comissão Investigadora do
caso Lava Jato, que desde novembro do ano passado busca identificar as
ramificações da investigação brasileira no país vizinho. Seu nome
verdadeiro é bem maior: Comissão Investigadora Encarregada de Investigar
o Pagamento de Supostas Propinas a Funcionários Peruanos por parte de
Empresas Brasileiras Odebrecht, Camargo Corrêa, OAS, Andrade Gutierrez,
Queiroz Galvão e outras, desde o Início de suas Atividades até a Data,
por Qualquer Forma de Contrato com o Estado Peruano. Mas não é apenas o
nome que é incomum. O fato de o presidente da comissão, o deputado
independente Juan Pari, assinar o relatório final sozinho também é
incomum – e inquietante.
O detalhado relatório corre o risco de nem sequer ser apresentado ao
plenário do Congresso peruano. Isso porque a sessão extraordinária para
sua apresentação deveria ter ocorrido no dia 30 de junho, em meio ao
recesso parlamentar. Para isso, eram necessárias 78 assinaturas de
políticos. Só 66 assinaram. Sem discussão no plenário, nada de cobertura
na TV, manchetes na imprensa ou debate público.
“Considerando que não existiu consenso entre os membros da Comissão
Investigadora para aprovar o informe, mesmo após havermos descartado
várias conclusões e recomendações feitas pela Presidência da Comissão
Investigadora – itens que, a nosso ver, são medulares na busca da
verdade sobre os possíveis atos de corrupção que ligariam representantes
de empresas brasileiras e funcionários públicos peruanos –,
consideramos conveniente apresentar ao plenário do Congresso da
República e aos cidadãos um informe que contém cada uma das conclusões e
recomendações, com a finalidade de que se tenha completo conhecimento
da magnitude da investigação”, explicou Pari no texto do documento,
quando ainda buscava as assinaturas.
À
esquerda, o deputado Juan Pari assina sozinho o relatório mais completo
sobre o esquema de propinas, elaborado após nove meses de investigações
(Foto: Agência Peruana de Notícias/Andina)
A falta de exposição pública não se deve à falta de esmero. O
relatório de 650 páginas resulta de um destemido esforço de investigação
durante os poucos meses que durou a Comissão. O relatório afirma que o
“cartel de caráter criminoso” constituído no Brasil pelas empresas
Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, OAS, UTC, Queiroz Galvão e
outras “havia transferido suas operações e procedimentos ilegais ao
Peru, convertendo o Estado peruano em seu contratante, replicando assim o
papel da Petrobras; prejudicando o erário público do Peru. E
convertendo o Peru em uma sorte de paraíso tributário-financeiro”. Os
cúmplices, aponta Pari, são fundamentalmente “funcionários do Estado
peruano que participaram destes atos [ao haver] cometido e/ou permitido o pagamento de propina por parte das empresas brasileiras”.
Por meio de diversas fontes confidenciais, o site IDL-Reporteros,
parceiro da Pública, obteve e publicou na íntegra o informe do
congressista. (Veja aqui)
São relatos de envio de dólares em dinheiro vivo, algumas vezes
atados às calças de doleiros contratados por Alberto Youssef. Aparecem
no relatório nomes como OAS – esta repetidas vezes –, UTC e Camargo
Corrêa. Os dados citados fazem parte dos depoimentos tomados por dois
procuradores peruanos, Hamilton Castro e Sergio Jiménez, de alguns réus
da Lava Jato, em Curitiba.
O esquema, de acordo com as declarações de Youssef, era usado por
membros de construtoras brasileiras para o pagamento de propinas a
funcionários governamentais peruanos que haviam facilitado contratos
milionários. Tudo em dinheiro vivo. “Ele assegurou que várias vezes
ordenou a retirada de valores do Brasil e os transportou em espécie ao
Peru para ser entregue a diretores e funcionários da OAS neste país”,
diz o documento do Congresso peruano. Youssef se valia de outros doleiros,
como Adarico Negromonte e Rafael Angulo López, além de Carlos Alexandre
Rocha (conhecido como “Ceará”), que viajavam pessoalmente ao Peru e
levavam o dinheiro colado ao corpo.
“Segundo Youssef, cada vez que essas pessoas entregavam o dinheiro no
Peru, ligavam ou enviavam mensagens avisando sobre a entrega. E Youssef
avisava Alexandre Portela, [executivo] da OAS”, diz o documento. As
remessas da OAS para o Peru ocorreram entre o final de 2012 e março de
2014. Foram realizadas aproximadamente dez viagens, totalizando ao redor
de US$ 2 ou 2,5 milhões. O doleiro, no entanto, disse não se lembrar do
nome do funcionário da OAS no Peru que recebia os valores.
Youssef relatou também aos investigadores peruanos que no começo de
2013 foi procurado pelo vice-presidente da Camargo Corrêa, Eduardo
Leite, e o diretor financeiro da empresa para discutir como retirar do
Peru uma verba relativa ao lucro de uma grande obra no país. A
preocupação era fugir da tributação no Brasil. Youssef manifestou que
poderia conseguir uma empresa chilena de fachada para receber os
recursos – graças a um acordo de comércio entre o Peru e o Chile, o
custo seria menor. A negociação não prosperou.
A UTC também figura no relatório por causa de uma transação feita em
2013. O doleiro contou aos promotores peruanos que Ricardo Ribeiro
Pessoa, dono da UTC Engenharia, e Walmir Pinheiro, diretor da empresa,
pediram que ele mandasse US$ 100 mil ao Peru para abrir um escritório no
país. O dinheiro foi enviado por meio de duas transferências de uma
conta em nome de Leonardo Meirelles (DGX o RFY) . Segundo o relato de
Youssef, o dinheiro foi enviado a uma conta específica de um funcionário
no Peru indicado por Pessoa – conta que já está sendo investigada pelas
autoridades peruanas.
Leonardo Meirelles é outro doleiro que fazia remessas de dinheiro ao
exterior. Em 22 de janeiro de 2016, Meirelles declarou na sede da
Procuradoria da República em Curitiba que três anos antes “se reuniu na
sede da empresa OAS em São Paulo com Alberto Youssef e o senhor Mateus,
responsável pelo setor financeiro da empresa, que solicitou os serviços
de Youssef para a entrega de dólares no Peru, e que a partir desse
momento começaram a ocorrer entregas semanais de recursos em efetivo no
escritório de Youssef de aproximadamente R$ 800 mil a R$ 1 mihão”.
Meirelles fez aproximadamente 18 transferências para o Peru, tendo
como destinatário Gary Luty Dávila Alverdi, indicado pela OAS. Segundo
Meirelles, algumas transferências foram feitas da conta da sua empresa
DGX, no HSBC de Hong Kong, ao Banco Continental do Peru.
Segundo o relato de Meirelles, desde 2010 Youssef ordenava o uso das
contas no Brasil e no exterior para movimentação de dinheiro obtido
ilicitamente, tendo como destinatários sempre políticos peruanos ou seus
emissários. No seu caso, as remessas de valores ocorriam por meio de
contratos de importação futura de insumos farmacêuticos fictícios. Ele
recebia uma comissão de 1% do valor bruto depositado e mobilizou entre
2009 e 2013 aproximadamente US$ 120 milhões.
Dólares nas calças
Outro doleiro delator, Rafael Angulo López, contou que foi ao Peru
três ou quatro vezes entre 2013 e 2014 a mando de Youssef. Sempre se
encontrava com Alexandre Alves de Mendonça, representante da OAS, em
hotéis em Lima. Ele descreveu o ritual: ao chegar ao hotel, ligava para
Alexandre, que ia até ele e subia ao quarto para receber o dinheiro
vivo. Em troca, dava um recibo atestando a entrega. Logo depois,
Mendonça ligava para Alberto Youssef confirmando a transação. Ele não
falava com mais ninguém em Lima. Suas passagens e reservas de hotel eram
compradas pela empresa Marsans, de Youssef. Nunca ia e regressava pela
mesma companhia aérea.
Presidente
Ollanta Humala em visita a uma das obras da OAS no Peru: o Centro de
Convenções de Lima (Foto: Presidência da República do Peru)
Rafael contou ainda que, em uma viagem, trouxe US$ 120 mil atado às
próprias pernas, assim como outro doleiro, Carlos Alexandre Rocha,
conhecido como “Ceará”. O relato de Ceará à Lava Jato também foi
destacado pelo deputado Juan Pari: “O colaborador Carlos Alexandre de
Souza Rocha afirmou que nos anos 2013 e 2014 viajou ao Peru (quatro ou
cinco vezes) a pedido de Alberto Youssef para entregar dinheiro à filial
da empresa OAS neste país. Em cada ocasião, transportou US$ 300 mil,
tendo recebido 3,5% de comissão”. Em Lima, o dinheiro era entregue
sempre no hotel Meliá, de cinco estrelas, que fica no chiquérrimo bairro
de San Isidro, a pessoas diversas, incluindo peruanos.
O relatório do deputado Pari afirma haver indícios de corrupção
transnacional que comprometem seriamente não apenas o atual governo de
Ollanta Humala, cujo mandato acaba em 28 de julho, mas também os
governos dos ex-presidentes Alejandro Toledo e Alan García. Para Pari,
esses “procedimentos têm antecedentes desde os anos 1980; mas é a partir
do ano 2003 e durante os três últimos governos que se tornaram
frequentes, via os denominados megaprojetos que comprometem bilhões de
dólares do Tesouro Público financiados pelos contribuintes”. Diante da
falta de uma audiência no Congresso, Pari pretende enviar o informe para
Fiscalía de la Nación, órgão similar à Procuradoria-Geral da República
(PGR) brasileira.
Texto baseado na reportagem original de Gustavo Gorriti, em espanhol. O texto foi editado e adaptado por Natalia Viana.