Domingo, 17 de julho de 2016
Do Correio da Cidadania
por Guilherme C. Delgado*
O teto orçamentário do governo Temer fora dos limites lógico, ético e constitucional
O governo interino de Michel Temer anunciou no início de julho sua
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/2016, para estabelecer o que
seria o teto por 20 anos dos gastos primários do Orçamento Fiscal e da
Seguridade Social, com objetivo declarado de conter a expansão da Dívida
Pública Federal, mas sem sinalização de crescimento econômico por pelo
menos uma década, tempo em que o orçamento primário ficaria estancado em
termos reais.
O que consta do texto desta PEC – diga-se de passagem, mal informada à
população – não é propriamente um teto para toda a despesa
orçamentária. Há várias exceções explícitas. Para citar as duas maiores:
a despesa financeira, que continua sem limites, e as transferências
constitucionais para estados e municípios, que continuam como estão.
Mas no texto atual há um sem número de exceções implícitas - os
dispositivos constitucionais sobre Saúde, Educação, Previdência Social,
Assistência Social, Seguro Desemprego, também protegidos por regra
constitucional de vinculação de receita à despesa, não revogados pela
referida Emenda. Isto provavelmente seguiu o conselho do presidente do
Senado, Renan Calheiros, de não explicitar todo o teor do chamado “novo
regime fiscal”, deixando para depois do impeachment da presidente Dilma o
que seria o verdadeiro “saco de maldades”, sobre o que ainda voltaremos
a tratar neste artigo.
De maneira que, se considerada a PEC 241/2016 pela versão atual e
pelos propósitos declarados na sua Exposição de Motivos, teríamos razão
para considerá-la um verdadeiro absurdo lógico formal, uma construção
gramatical “que consiste na ruptura da ordem lógica da frase, de forma que um termo fica sem enlace sintático com os demais”,
definição que o Dicionário Ilustrado Koogan/Houaiss utiliza para a
figura de linguagem do anacoluto, citando como exemplo a frase ‘Eu, de repente, caíram os dentes’.
A fratura lógica deste verdadeiro anacoluto legal está no fato de
que, na forma atual, o teto anunciado não estabelece limite
orçamentário, nem primário e nem financeiro. E não é por displicência ou
amadorismo, mas pela convicção de que não seria prudente no momento
explicitar uma carrada de dispositivos constitucionais a serem revogados
sobre direitos sociais e orçamentários em saúde, educação e assistência
social, com a virtual extinção do Orçamento da Seguridade Social,
passando uma rasteira em cerca de 20 artigos constitucionais.
Os arautos do mercado financeiro já perceberam em suas análises que a
PEC 241/2016 é uma espécie de “Belo Antônio” aos seus propósitos. E por
isso pressionam para o day after do saco de maldades. Enquanto isso, o
governo Temer providencia por vias transversas (administrativas) o
“endurecimento” de regras do seguro-desemprego. E já editou até uma nova
Medida Provisória para conceder bônus aos médicos peritos do INSS para
proceder revisão de perícias aos segurados sob condição de “auxílio
doença” e “aposentadoria por invalidez”.
No entanto, mesmo depois de encerrado o processo do impeachment, é
muito improvável, se não por razões éticas, por razões eleitorais, que o
atual Congresso aprove o saco de maldades implícito ou aditado à PEC
241/2016, de paralisia da política social e da prestação de serviços
públicos em geral, por, no mínimo dez anos, enquanto a especulação
financeira continuaria completamente liberada.
Isto equivaleria à ruptura integral do ordenamento constitucional,
como também à perda da ideia básica de justiça social a regular a
proteção dos mais frágeis na ordem social contra o sacrifício que lhes é
imposto pela crise. Nessa situação o próprio Estado estaria abrindo as
comportas da barbárie social. E aí ninguém estaria seguro de nada. Por
isso é de se crer que o mínimo de senso ético ainda haverá de
prevalecer. Mas o momento é grave e algo precisa acontecer para que
ações cada vez mais temerárias não piorem o quadro real de uma crise
essencialmente política.
*Guilherme Delgado é economista e pesquisador aposentado do IPEA.
Leia também:
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