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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 6 de julho de 2020

A Constituição não delega às Forças Armadas Poder Moderador

Segunda, 6 de julho de 2020

A Constituição não delega às Forças Armadas Poder Moderador

Artigo publicado originariamente no PorBrasilia

Salin Siddartha
Durante muito tempo, as Forças Armadas atuaram como “poder moderador”, procurando intervir todas as vezes em que os Poderes se mostravam em conflito, inclusive, tacitamente um grande pacto estabelecido em 1985, assim que houve o término da Ditadura Militar, transformou, na prática, as FFAA num suposto “Poder” moderador, pronto para intervir nos casos em que achassem necessários.
Aquela era uma fase de nossa História em que a política voltava a ser comandada pelos civis, todavia ainda “de mansinho”, sob a tutela de lideranças da mesma direita parceira dos militares golpistas. José Sarney, líder civil representativo de toda uma casta ditatorial, presidia a Nação como um fiador de que a esquerda não comandaria o processo de abertura para o Estado de Direito, e o general Leônidas Pires Gonçalves, Ministro do Exército, assegurava à chamada “linha dura” dos quartéis que o retorno à normalidade democrática se dava de forma controlada, para que os excessos e radicalismos fossem devidamente contidos em seus nichos partidários.
Naquele quadro, é que os próprios militares se colocavam como componentes de um estranhíssimo “Poder” moderador, arrogando-se como guardiães do rito de passagem do Estado de esbulho político para uma estruturação legitimamente estabelecida sob a égide dos princípios republicanos. Daqueles sombrios tempos estranhos, ainda restam alguns poucos generais aposentados, como o general Augusto Heleno, que era capitão e atuava como ajudante de ordens do general Sílvio Frota (ex-Ministro do Exército do Governo do Presidente Ernesto Geisel), deposto do cargo ministerial e relegado à reserva remunerada por recusar-se a apoiar um roteiro gradual para a democracia e por tentar derrubar o general que presidia o País.
Esses saudosistas do mau exemplo vivem, ainda hodiernamente, a bradar asneiras tais como a de que as Forças Armadas atuam como um “Poder” moderador. No entanto, a Constituição Brasileira não lhes delega essa função moderadora, visto que não as considera sequer como um dos Poderes constituídos da República, muito menos com função moderadora. As Forças Armadas devem é garantir os Poderes constitucionais a requerimento de qualquer um deles. Destarte, elas somente devem intervir quando requisitadas por um dos três Poderes, em conjunto ou isoladamente, seja ele o Executivo, Legislativo ou Judiciário.
Em inúmeros momentos, fizeram-se presentes no Brasil as intervenções da caserna, muitas vezes na forma de revoltas contra o poder constituído, sendo que, na maioria dos episódios em que isso aconteceu, ela acumulou derrotas em face das acachapantes vitórias que tiveram lugar em favor das tropas legalistas. Apenas na Proclamação da República (1889), Revolução de 1930 e no Golpe Militar de 1964, conseguiram as tropas opositoras sagrarem-se vitoriosas ante as forças da legalidade, sendo que, no caso da Proclamação da República e do Golpe Militar de 1964, sem que tivesse havido combate entre os campos opostos, já que as tropas legalistas terminaram por aderir aos revoltosos, cumprindo a velha tradição da caserna brasileira  em que o Exército, quando dividido, prefere acatar a decisão das outras Forças e da tropa que identificar como possuidora de poder dissuasório por ser majoritária e/ou ter maior poder de fogo ou combatividade, preservando, assim, a unidade das Forças.
Seguindo-se à proclamação republicana, os militares brasileiros estiveram presentes em vários embates contra a situação reinante. No entanto, a partir da repressão à chamada Intentona Comunista, é que teve início, com o Estado Novo do Presidente Getúlio Vargas, a consolidação das Forças Armadas como a tropa da ordem, diminuindo bastante, daí por diante, as ocorrências de revoltas militares, ainda que se sucedessem de maneira tímida, tal qual a revolta de Jacareacanga, em 1956, planejada pelo então major-aviador direitista da Aeronáutica, Haroldo Coimbra Veloso, contra o Governo do Presidente JK.
Os dois pilares de sustentação da instituição militar são a hierarquia e a disciplina. Os princípios da hierarquia e os valores institucionais são decisivos à adesão daqueles que não conspiram, permanecendo ao lado da legalidade; são dogmas para as Forças Armadas que, uma vez descumpridos, levam a um golpe de Estado. Elas têm de ser extremamente disciplinadas e ligadas ao Estado brasileiro nas atribuições que lhes dá a Constituição, como atuar apartidariamente, sem se vincular a qualquer governo, ou seja, elas devem prestar todo respeito às autoridades e à população, mas não são partes constitutivas de governo algum.
Cruzeiro-DF, 5 de julho de 2020
SALIN SIDDARTHA




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