Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 26 de abril de 2024

Neoliberalismo: engodos, prejuízos e ignorância que se espalham

Sexta, 26 de abril de 2024


Do Pátria Latina

Pedro Pinho*

“O governo atual não está agindo como era de se esperar. Apenas retórica.

As privatizações continuam, sem que nada tenha sido feito para reverter a situação. Os juros caminham a passos de tartaruga para um nível que viabilize investimentos. Os índices de inflação são subestimados, mas continuam a corroer o poder aquisitivo.

Os recursos para Educação foram reduzidos. A Privatização do Ensino continua.

As reservas minerais continuam a passar para as mãos de empresas e fundos estrangeiros. Essa reforma tributária é um lixo.

E essa lorota do Equilíbrio Fiscal, amarra e amordaça a capacidade do governo de resgatar sua influência nos destinos do nosso país, e de nossa soberania.

(Francisco Eduardo Almada Prado, “Lula se vendeu?”, distribuído por e-mail pelo autor, 25/04/2024).

A questão é antiga e sempre provocou muitos males. Afinal o que é o liberalismo e este seu filho, o neoliberalismo?

Seria um conceito moral, como o pensador conservador espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955) deixou escrito em “Rebelião das Massas” (1929), qual seja, um convívio generoso que a maioria concede à minoria, sendo esta um inimigo fraco?

Mas a minoria é fraca apenas numericamente, pois detendo o poder, faz as leis, obriga ao cumprimento e se enriquece, mantendo o domínio ao final.

Ou estaria na tolerância religiosa da Inglaterra do século XVII, com a Revolução Gloriosa, buscando apenas a paz interna que lhe garantisse o domínio mercantil dos mares, principalmente nas disputas com os poderosos primos das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos?

Ou na leitura muito particular da obra prima, “O Espírito das Leis” (1748), do filósofo e político francês Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu (1689-1755), onde o poder, sempre único, se desmembra em três? E por que não quatro ou cinco?

José Guilherme Merquior (1941-1991), diplomata e competentíssimo crítico literário, membro da Academia Brasileira de Letras, avançou, confiante em seus admiradores, muito além dos romances, contos e poesias para a ciência política. E cometeu “O Liberalismo Antigo e Moderno” (1991), onde busca no jurista nazista Carl Schmitt (1888-1985), capaz de discorrer em dois volumes sua “Teologia Política” (1922 e 1970), e outros diversos trabalhos, que a ordem é o bem supremo, sendo sua justificativa liberal (sic).

E nos surpreende o crítico literário com tautologismo: “Há liberalismos de harmonia e liberalismos de dissonâncias. Mas, em ambos os casos, o liberalismo esposa uma opinião liberal da luta humana”.

Ao tratar “Dos novos liberalismos aos neoliberalismos”, último capítulo do citado livro, Merquior nos decepciona caindo na esparrela da bipolaridade ideológica: capitalismo x socialismo.

No debate que Nancy Fraser (1947) e Rahel Jaeggi (1966), ambas filósofas e professoras, respectivamente em Nova Iorque e Berlim, discutem o capitalismo, “Capitalism: A Conversation in Critical Theory” (2018), lê-se que a crise financeira 2007/2008 “transbordou da esfera financeira para a fiscal, econômica, política”, expondo a sociedade ocidental à instabilidade e à imprevisibilidade.

Os liberais velhos e novos desconhecem que o mundo é maior do que o Atlântico Norte. Que muito antes do surgimento da dominadora Europa, a China dos camponeses já fazia descobertas e inventava os recursos que possibilitariam, no século XV, a Europa atravessar o Atlântico e promover o maior genocídio já conhecido no Mundo. Quase 90% da população primitiva das Américas foram dizimadas por espanhóis, ingleses, franceses e portugueses, em pouco mais de dois séculos.

E atualmente, por mais uma vez, vem da China, uma das maiores potências do século XXI, não a promoção da morte ou imposição de idiomas e culturas, mas o respeito a toda e qualquer diferença no mundo multipolar. É o que resulta da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR ou BRI, em inglês), que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (1945) se recusa a aderir.

E acresce a ajuda para que todos possam sentar à mesa e discutir como pares, a Organização para Cooperação de Xangai (OCX ou SCO, em inglês), criada em 15 de junho de 2001. A OCX iniciou com seis países e conta atualmente com a China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Uzbequistão, Índia, Paquistão e Irã, três observadores (Afeganistão, Bielorrússia e Mongólia) e nove parceiros de diálogo (Azerbaijão, Armênia, Camboja, Nepal, Turquia, Sri Lanka, Arábia Saudita, Egito e Qatar).

UMA QUESTÃO DE POLARIDADES?

Estaríamos apenas sujeitos a questões de poderes: único, duplos, vários? Não somente, mas o poder único, oriundo de disputas, exercerá toda sua capacidade para se manter assim.

Vivemos no Ocidente que, desde 1980, nos domina na unipolaridade, e que se aprofunda com subornos, chantagens, fraudes e guerras. A primeira vítima, além da verdade, está na falência das instituições, do Estado Nacional.

Fiquemos no Brasil, nosso maior interesse, cujo histórico de autonomia durou somente 60 anos, desde a chegada dos portugueses: 48 com Getúlio Vargas e 12 com os tenentes de 1930, à época, já no poder, generais: Costa e Silva, Emilio Médici e Ernesto Geisel (1967-1979).

Insidiosa, como é de sua natureza, a ideologia neoliberal se fantasia, no Brasil, da democracia, da luta contra a ditadura militar, e impõe opositor histórico do Presidente Ernesto Geisel para sua sucessão: general João Baptista Figueiredo, filho de quem guerreara em 1932, general Euclides Figueiredo.

Com João Baptista tem início o esgarçamento da institucionalização do Estado que levará às privatizações. Na área especificamente política aprovou a lei que favoreceu a multiplicidade de partidos, para confundir os eleitores sobre suas ideologias.

Importar simplesmente qualquer ideologia, como se fez com o neoliberalismo, não significa que a população a abraçará. Lembrar que a religião católica chegou aqui com Tomé de Sousa (29 de março de 1549) e pesquisa realizada em 2022 apontava 49% nesta crença, sendo os sem religião 14%, principalmente de jovens do Rio de Janeiro e São Paulo.

E não faltaram exemplos para convencimento como a existência de colégios católicos como únicas instituições de ensino por cerca de 300 anos.

O neoliberalismo se infiltra no Brasil pela imprensa e nas mais elevadas escolas militares: as de Comando e Estado Maior, das três forças, ainda na década de 1960. Os capitais interessados nesta conversão buscaram ter a seu favor a hierarquia e a disciplina, valores cultivados pelos militares. E foram bem sucedidos como se viu nas alienações do patrimônio nacional para capitais estrangeiros durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022).

Mesmo não existindo a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), nenhum país se declare marxista, e a China, no livro publicado em 2019 sobre sua governança, afirma que o país “desenvolve o socialismo com características chinesas”, ou seja, mais nacionalista do que ideológico, o discurso neoliberal procura estabelecer a bipolaridade ideológica para ter um contrário. E insiste no “perigo comunista”, um dos engodos que acompanha a idiotia disseminada pelas finanças apátridas.

A educação, melhor dizendo, a ausência de educação formadora da cidadania, é característica neoliberal. A ignorância não distinguirá os engodos, provocará prejuízos econômicos e na saúde, causando os malefícios que se veem pelas ruas e por todo Brasil.

O FIM DO TRABALHO COMO MOTOR CIVILIZATÓRIO

A construção da identidade saiu da esfera produtiva do trabalho para a fragmentação de interesses, de modo a abrir um rombo nas questões que realmente congregam: soberania e cidadania.

As etnias, a ecologia, a sexualidade, o gênero tomaram o espaço onde antes se discutia a Questão Nacional onde se encontra a vida dos brasileiros. E o prejuízo ficou marcado na própria organização do País.

Um confronto de dois períodos pré 1980 com a composição deste Governo mostra sobejamente a situação esgarçada do Estado atual.

O Governo Vargas durante o Estado Novo, de 10/11/1937 a 31/01/1945, quando o Brasil se estruturou para enfrentar a II Guerra Mundial e se desenvolver em todas as dimensões, econômica e social, teve 10 Ministérios. No Governo Geisel, quando pela última vez prevaleceu a Questão Nacional no Governo, houve 17 Ministérios e quatro órgãos diretamente ligados à Presidência da República.

Neste terceiro governo Lula se tem 38 órgãos diretamente ligados ao Presidente. E nem se diga que é para acomodar as alianças políticas, que talvez se deem em outro contexto. A frente de onze órgãos estão pessoas “sem partido”, o partido do Presidente aparece com dez e os demais partidos têm entre três e um membros na cúpula governamental.

Porém o pior está na fragmentação das responsabilidades que as queixas de diversas origens, não necessariamente oposicionistas, estão fazendo. Veja um caso específico: cuidar das pessoas, da população brasileira. Há um Ministério para os Direitos Humanos e Cidadania, outro para a Igualdade Racial, outro para as Mulheres e outro para Povos Indígenas. Mas existem também para o Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, da Integração e Desenvolvimento Regional, das Cidades, do Desenvolvimento e Assistência Social, família e Combate à Fome, além dos tradicionais Educação, Saúde, Trabalho e Emprego, Previdência Social, Agricultura e Cultura. Quem faz o que e quem deixa de fazer?

Ainda há um Ministério porta-voz das Organizações não Governamentais (ONGs) para lobby de interesses estrangeiros, cujo nome tem um quê de divino ou geológico pois trata do Meio Ambiente e Mudança do Clima (para qual?).

Certamente não se fez o projeto de Estado segundo a cultura organizacional brasileira, as áreas de maiores exigências e com objetivo da soberania nacional e do desenvolvimento dos requisitos indispensáveis para cidadania. Estes não tratados sob a ótica identitária mas das condições de integração e socialização dos habitantes deste imenso país.

E sem modismos ambientais e climáticos que substituem nossa riqueza natural, dos rios, das reservas de petróleo, da produção de biomassa por equipamentos importados, que Tom Harris, ex-alarmista climático, revela que “as turbinas eólicas muitas vezes dependem fortemente de usinas de combustível fóssil de reserva, operando (com elas) até 90% do tempo” (Dinâmica Global, 25/04/2024).

O Brasil não é apenas uma bandeira onde se enrolar, é um sentimento e um dever de todos para construir, manter e defender, permanentemente.

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.