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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 5 de julho de 2024

LULA E O CONVENIENTE “DESCONHECIMENTO” DA MONTANHA DE RECURSOS PARA SUBSÍDIOS

Sexta, 5 de julho de 2024

LULA E O CONVENIENTE  “DESCONHECIMENTO” DA MONTANHA DE RECURSOS PARA SUBSÍDIOS

Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 5 de julho de 2024

“O presidente Lula da Silva ficou ‘extremamente mal impressionado’ com o aumento do peso dos subsídios nos últimos anos, segundo relato da ministra do Planejamento, Simone Tebet. Lula participou nesta semana de reunião da Junta de Execução Orçamentária, ocasião em que teria finalmente tomado conhecimento sobre o tamanho do problema. ‘De repente, você descobre que tem R$ 646 bilhões de benefícios fiscais para os ricos desse país’, disse Lula da Silva, em entrevista à Rádio CBN” (fonte: estadao.com.br).

Trata-se de mais uma fala sem pensar do Excelentíssimo Senhor Presidente da República. Nesse episódio, não há como escapar de uma de duas “incômodas” conclusões. Lula efetivamente não conhecia o dado antes destacado. Alternativamente, Lula sabia e afirmou não conhecer a lamentável realidade. Qualquer das hipóteses é negativamente sintomática.

Se o Presidente da República, no terceiro mandato, não conhecia a magnitude dos subsídios bancados pelo Tesouro Nacional, revelou uma profunda deficiência comprometedora de estar apto a permanecer no posto. Essa afirmação não é dirigida especificamente ao senhor Lula da Silva. É inconcebível que o Chefe de Governo, uma das condições do Presidente da República, desconheça algo tão importante e estratégico assim.
 
Se o Presidente da República tinha conhecimento da situação financeira dos subsídios e verbalizou que não sabia da extensão do “problema”, mostrou um comportamento dos mais censuráveis para o dirigente maior do Estado brasileiro. Com efeito, atitude nessa linha pretende criar uma espécie de álibi para o fato de não enfrentar adequadamente o problema. Se não sabia, nada poderia fazer. É o raciocínio a ser vendido para a opinião pública.

A ocorrência suscita uma importante indagação. Afinal, o que mais, com igual ou maior relevância do que o montante dos subsídios suportados pelo Poder Público, o Presidente da República desconhece ou afirma desconhecer? Eis alguns itens especialmente importantes e significativos: a) a enorme sonegação tributária; b) as imensas renúncias tributárias (“coisa” diversa dos subsídios); c) a administração da dívida pública, com o pagamento anual de centenas de bilhões de reais na forma de juros e encargos; d) o trilionário fluxo de recursos de brasileiros para paraísos fiscais; e) a formação de reservas monetárias estratosféricas e seu deletério impacto sobre a dívida pública e f) o absurdo tamanho das “operações compromissadas” em favor do poderoso consórcio bancário brasileiro.

Reafirmo, pela enésima vez, o governo Lula 3 é um competente administrador de um sistema socioeconômico produtor de uma das sociedades mais desiguais do planeta. O aludido desconhecimento, real ou fictício, em relação aos subsídios é uma das mais singelas demonstrações da essência do governo estabelecido. Importa destacar que esse é um traço de identidade com os governos anteriores, em especial o liderado pelo senhor Jair Messias Bolsonaro.

A constatação anterior suscita o importante debate acerca do papel da “esquerda oficial” (ou da “esquerda domesticada pelo sistema”). Não são poucas as vozes, dentro e fora da academia, que ressaltam um triste comportamento de setores políticos historicamente progressistas. Afirma-se que esses segmentos, confortavelmente instalados em espaços de poder estatal e diante do avanço de setores de uma direita que flerta com a barbárie, colocam-se como fiéis gestores do status quo com um discurso, só discurso, de representação e implementação dos interesses populares mais profundos.

Vladimir Safatle faz uma análise contundente do processo destacado. Disse o respeitado intelectual: “Porque ela [a esquerda] não consegue mais se organizar como bloco hegemônico, não é capaz de realizar uma transformação estrutural da sociedade, ela se tornou uma espécie de gestor de crises do capitalismo, gestor impossível de crises que não vão passar e que não podem ser resolvidas no interior mesmo do horizonte do capitalismo atual. A esquerda é simplesmente a expressão de um impasse. Um impasse de um lado e, do outro, todo um sistema desesperado de conseguir organizar um bloco alternativo à extrema-direita através do medo. Ficamos reduzidos a essa condição” (fonte: ihu.unisinos.br).

Um dos maiores pensadores políticos de todos os tempos, Nicolau Maquiavel, na sua obra mais conhecida, O Príncipe, fez uma afirmação que retrata muito bem a essência do governo Lula 3. Disse Maquiavel: “… vendo os grandes não lhes ser possível resistir ao povo, começam a emprestar prestígio a um dentre eles e o fazem príncipe para poderem, sob sua sombra, dar expansão ao seu apetite”.

Um dos maiores desafios políticos da atualidade é a construção de   verdadeiros projetos socioeconômicos de esquerda, caracterizados pela busca da justiça social em sua máxima intensidade. Conjuntos de propostas que reconheçam as profundas mudanças do sistema capitalista, formulem soluções estruturais decorrentes das análises adequadas e estejam ancoradas em forte conscientização, organização e mobilização dos segmentos democráticos e populares representativos de 99,9% das sociedades contemporâneas.