Quinta, 18 de de julho de 2024
Textos de Pedro Augusto Pinho publicados originalmente no Monitor Mercantil*
O HOMEM AMERICANO
O surgimento do homem, com as características físicas e intelectuais do atual, deu-se no território onde hoje se encontra a Etiópia, há mais de 30 mil anos, e a primeira organização foi aquela que se desenvolveu nas margens do rio Nilo, a nilótica.
As seguintes organizações humanas também se formaram, naqueles remotos tempos, junto aos rios: na Mesopotâmia, nos rios Tigre e Eufrates, e no extremo oriental da Ásia, a civilização Zhou, ao longo e na foz do rio Amarelo, onde hoje estão as atuais províncias chinesas de Hebei e Shandong.
O tempo e a diversidade de obstáculos que enfrentaram os homens, caminhando da África ao leste da Ásia, fez com que a civilização Zhou se distinguisse da nilótica, pelo acúmulo cultural.
Este homem mais preparado atravessou a ponte de gelo, formada na glaciação Würn, ligando a Ásia à América para vir ocupar o “Novo Mundo”. E o primeiro lugar acolhedor encontrado foi no território do atual México, formando a cultura asteca no Platô Mexicano.
Enrique Peregalli (“A América que os Europeus Encontraram”, Editora Atual e Editora da UNICAMP, Campinas, 1986) descreve as “Altas Culturas” pré-colombianas aquelas que compreendem a “Confederação Asteca, as Cidades-estado Maias e o Império Inca”.
A prova mais evidente do nível de desenvolvimento da Confederação Asteca são seus textos em língua nauatle, salvos da destruição promovida pelo rei Felipe II, da Espanha, por padres franciscanos, e que foram traduzidos e anotados por Georges Baudot (G. Baudot e Tzvetan Todorov, organizadores, “Relatos Astecas da Conquista”, tradução para o português por Luiz Antonio Oliveira de Araújo, Editora UNESP, SP, 2019). Do Códice Florentino, destes “Relatos” retiramos “Os oito presságios funestos”, sinteticamente, como seguem:
“Apareceu, dez anos antes dos estrangeiros, um presságio de desgraça como chama de fogo, uma língua de fogo, como aurora. E se mostrou durante um ano inteiro”.
“Em Tlacateccan surgiu um fogo que ardeu com rapidez extrema devorando toda casa e quanto mais se jogava água, mais o fogo ardia”.
“Um templo foi ferido por um raio. Não era uma chuva torrencial, mas um leve chuvisco que caiu sobre a casa de palha”.
“O sol brilhava quando caiu um cometa, de cauda muito comprida, dividido em três partes”.
“A água se pôs a borbulhar e redemoinhar engolido as casas”.
“A mulher chorava, gemia e dizia: meus filhos amados, chegou a hora de nossa partida”.
“Pescaram um pássaro como um grou com a rede, no lago. Havia um espelho redondo na cabeça do pássaro, e mostrava um céu com estrelas. Quando Montezuma olhou pela segunda vez, viu as pessoas correndo como se preparassem para guerra”.
“E muitas vezes apareciam homens deformados com duas cabeças e um só corpo”.
O religioso Diego Muñoz Camargo (1529-1599), nascido no México, filho de pai espanhol e mãe nativa, foi também cronista de destaque, pertencente a um grupo de cronistas mestiços. Sua “História de Tlaxcala” permanece como fonte importante para história do México. E nela encontra-se, em síntese, sua interpretação desses presságios como segue.
Dez anos antes da chegada dos espanhóis, houve imenso incêndio que se considerou um mau agouro. Os quatro últimos podem ser assim considerados: os vários cometas a agressão que colocou as pessoas clamando, gritando e gemendo; o vento e a água subindo cobrindo mais da metade das casas e as desmoronando; a mulher que chorava pensava como esconder os filhos das catástrofes; na cabeça da estranha ave pescada, Montezuma viu esquadrões marchando para o combate e, por fim, um corpo de duas cabeças indicava o fim dos indígenas e os novos habitantes.
O que Enrique Peregalli, citado, chama “Confederação Asteca” constituía um conjunto de 38 províncias, onde povos de língua, religião e costumes diferentes conviviam. Eram os zapotecas e os mixtecas, da costa do Pacífico, e os totonacas, do golfo do México.
Os zapotecas tinham a liderança religiosa de um sacerdote celibatário. Seus conhecimentos astronômicos, seu calendário, a fonética, a escrita ideográfica (ainda não decifrada), além do artesanato em barro, cristal e pedra, e confecções têxteis são mostras do grau civilizatório.
Quanto aos mixtecas, suas lendas e tradições constituem importante fonte de reconstrução histórica. Havia unidade religiosa, que convivia com a divisão política em pequenas cidades-estado. Lamentavelmente a ignorância e a ambição do poder dos espanhóis queimaram os pergaminhos mixtecas, por motivos “religiosos”. Mixtecas e totonacas se uniram contra os zapotecas.
Totonacas eram comerciantes e produtores de instrumentos; deles ficou o jogo do voador, “realizado com quatro participantes amarrados nos tornozelos por longas cordas, ligadas a um pequeno tambor giratório, colocado na extremidade superior de um poste de 25 metros de altura” (apud E. Peregalli).
GENOCÍDIO EUROPEU
No México, como ocorreu em todas as Américas, a presença europeia resultou no genocídio que atingiu aproximadamente 90% da população nativa. Foi o resultado da transformação da Europa das dinastias familiares para Europa dos Estados, na passagem dos séculos XV e XVI, e em nova economia, da extração mineral, da apropriação dos recursos agrícolas, do comércio e da expansão marítima.
Portugal deu partida circundando a África, sendo seguido pela Espanha, Holanda, França e Inglaterra, os grandes estados colonizadores, com pequenas migrações irlandesas e suecas para América do Norte. As cidades italianas mediterrâneas perderam expressão a partir dos “descobrimentos marítimos portugueses”.
O Tratado de Tordesilhas, celebrado, em 07 de junho de 1494, entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela, entregou quase toda América aos espanhóis. Estes transplantaram sua estrutura burocrática-administrativa, hierarquizada e solidamente assentada, para o além mar.
De norte para sul, constituíram quatro vice-reinados:
a) Nova Espanha, em 1535, compreendendo o México, e partes dos Estados Unidos da América (EUA) atuais, quais sejam, totais ou parcialmente, os estados do Arizona, Califórnia, Colorado, Nevada, Novo México, Texas e Utah;
b) Nova Granada, em 1717, compreendendo os atuais países Panamá, Colômbia, Equador e Venezuela;
c) Peru, em 1542, que originalmente continha o atual Peru e a maior parte da América do Sul; e
d) Rio da Prata, em 1783, compreendendo os atuais Estados Nacionais da Argentina, Paraguai e Uruguai.
Além dos vice-reinados, constituíram também as seguintes Capitanias Gerais: Cuba (1777), Guatemala (1542), compreendendo Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Guatemala; Venezuela (1777), para conceder a este território maior autonomia, retirando-o do Vice-Reinado da Nova Granada; e do Chile (1798), correspondendo ao Chile e às regiões ocidentais da Argentina.
Existia além do Rei, autoridade suprema, o Conselho das Índias e a Casa de Contratação, esta em Sevilha, para coadjuvarem as decisões reais.
De maior interesse para este artigo, tem-se o Vice-Reinado da Nova Espanha. A Nova Espanha não só administrava as terras compreendidas na América, mas o arquipélago das Filipinas, na Ásia.
Tendo sido a primeira estrutura de gerenciamento nas Américas, faltou-lhes a compreensão da realidade local, quer física quer cultural. A esta incompreensão os conquistadores responderam com o massacre, e ao primeiro desconhecimento deixaram de aproveitar as possibilidades de desenvolver o modelo econômico que enriqueceria mais e por maior tempo a Espanha. Ficaram fascinados e cegos pelo ouro e pela prata que extraíram a custa das vidas astecas. E perderam estes voláteis recursos para a sempre hábil e oportunista Inglaterra.
É relevante entender que a Europa passava pela construção do que se denominou mercantilismo, que significava dar poder aos recém-criados Estados para disputa de fontes de recursos objetivando aumentar seus tesouros, e constituir empresas de navegação e de manufaturas, para vender produtos processados nas áreas sob seu domínio.
PRIMEIRA INDEPENDÊNCIA
“Em 16 de setembro de 1810”, conforme escreve Pedro Fuini no artigo “Início da Guerra de Independência no México” (site “Hoje na História”, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), SP, 16/09/2022,) “tem início a Guerra de Independência do México. Nesta data ocorreu o Grito de Dolores, no estado de Guanajuato, pelo padre Miguel Hidalgo”.
“Ligado às ideias do Iluminismo, Hidalgo liderou um movimento de insatisfação popular com a Espanha, que colonizou o México, e fazia parte de uma conspiração que pretendia derrubar o vice-rei (representante da Coroa espanhola na colônia)”.
“Prevendo que poderia ser preso, o padre incitou as pessoas que participavam de sua missa no dia 16 de setembro de 1810 a se rebelar contra os governantes. “Quem assistia a missa do Hidalgo era majoritariamente a população de baixa e média classe, e essa população era mestiça e indígena. Eles seguem o padre e o que inicia sendo um protesto pacífico acaba virando uma rebelião extremamente violenta”, explica Laís Olivato, doutora em História Social pela FFLCH da USP”.
Neste período, que constituía a Era Napoleônica, desde 09 de novembro de 1799 até 28 de junho de 1815, tem início, em territórios de Nova Espanha e Nova Granada (México, Colômbia e Venezuela), os processos de independência, pois o rei espanhol Fernando VII havia sido destituído por José Bonaparte (março de 1808). A Espanha colonial se encontrava enfraquecida, voltada para a recuperação europeia.
A rebelião mexicana se espalharia rapidamente, incorporando cada vez mais pessoas ao exército popular de Hidalgo. Ele seria fuzilado em 1811, e o comando do processo passaria para outro clérigo, José Morelos, também importante liderança.
Mesmo voltando Fernando VII ao trono espanhol, a revolução mexicana prossegue com o general Agustín de Iturbide, que obtém a Independência em 27/09/1821, distanciada no entanto daquela rebelião popular, encetada pelo padre Hidalgo.
Isto significou que ficar livre do governo espanhol não significava ser independente, ou melhor, soberano, que o povo havia assumido o poder.
Desenvolve-se debate bastante atual sobre estas condições ideológicas decorrentes, entre outros textos, do livro de Benedict Anderson, “Imagined Communities” (1983).
A compreensão de independência é também questão comunicacional. Anderson atribui à comunicação escrita este papel, pois a virtual ainda engatinhava quando lançou seu trabalho. E deste debate surgem as identificações literárias na formação do nacionalismo, do empoderamento do país que surge. A comunicação de massa mostra-se, cada vez mais significativa na construção das soberanias e cidadanias. O mundo unipolar usa e abusa de seu controle midiático.
Cosme Damián Agustín de Iturbide y Arámburu (1783-1824), militar, foi o tipo de personalidade construída pelos medos da elite. Ter o povo do padre Hidalgo no poder, para os que usufruíam a condição diferenciada de riqueza e mando no México colonial, era situação mais prejudicial, a menos desejada, do que se aproveitou Iturbide para se tornar, entre 19 de maio de 1822 e 19 de março de 1823, Agostinho I, Imperador do México.
Aproveitando a crítica de Benedict Anderson, Natividad Gutiérrez escreve: “A consciência cultural, promovida pela ideologia crioula para justificar a independência mexicana e transmitida por meio da imprensa gráfica só conseguia exercer influência sobre um estrato reduzido da sociedade. A estratificação etno-racial e de gênero colocava impedimentos sociológicos que excluíam a possibilidade de um vasto público leitor” (N. Gutiérrez, “O Nacionalismo no México: em busca das leitoras da “Comunidade Imaginada”, in Marco A. Pamplona e Maria Elisa Mäder (organizadores), “Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas”, volume 2, “Nova Espanha”, Paz e Terra, SP, 2008).
2º Artigo: IMPÉRIO AUSTRíACO, ZAPATA E NEOLIBERALISMO (9 e 10/julho/2024)
O México foi parte do Vice-Reino da Nova Espanha, com diversos estados que constituiriam os Estados Unidos da América (EUA) e países da América Central. Para que se compreenda o significado destas áreas é importante conhecer suas dimensões.
O México possui 1.972.547 km quadrados.
As Treze Colônias estadunidenses, quando se tornaram independentes em 04 de julho de 1776, ocupavam a área de 970.306 km², cerca de 10% dos 9.371.000 km² dos EUA atuais. Parte desta área estadunidense, correspondente a 2.219.794 km², foi proveniente do Vice-Reino da Nova Espanha; são os atuais estados do Arizona, Califórnia, Colorado, Nevada, Novo México, Texas e Utah.
Iniciando em 1811, com El Salvador, mais aceleradamente desde 1821, territórios centro-americanos vinham se separando da Nova Espanha e constituindo países independentes, como citado El Salvador, a província Guatemala (separada em 1847), a princípio integrada a Chiapas (território mexicano fronteiriço à Guatemala) e a Camayagua (atual Honduras, independente em 1838), e a província Nicarágua-Costa Rica (separadas em 1850).
Se ao sul ocorriam estas situações de uniões e separações, ao norte, os EUA independentes apresentavam sua Doutrina Monroe (dezembro/1823) para incorporar territórios espanhóis e franceses com pretexto de americanizá-los.
Futuros estados ao norte do México foram obtidos pelos EUA por guerras de conquistas e por compra/suborno.
Destituído o Imperador Agostinho I (Agustín de Iturbide), o México passa a ser República, em 1824. O primeiro presidente do México, entre 10 de outubro de 1824 e 31 de março de 1829, foi Guadalupe Victoria.
O CONTURBADO INÍCIO DO PAÍS
É razoável que com tamanho território, invadido por estrangeiros, sem vínculos culturais com os habitantes originários, em grande parte exterminados, sem comunicações entre norte e sul, usaram-se argumentos da força e se concentrassem em núcleos para sobreviver. O México passou por várias experiências com diversos limites territoriais até se institucionalizar no País que conhecemos desde o século passado.
1824 a 1846
De Guadalupe Victoria a Nicolás Bravo (26/07 a 06/08/1846), se desenrolou o embate entre os conservadores, favoráveis ao Estado unitário e ao Catolicismo como religião oficial, e os liberais, adeptos do Estado federal e secular. A Constituição de 1824 estabelecia o sistema federalista porém excluía a imensa maioria da população da participação política, embora, diferentemente do Brasil, não prevalecesse o regime da escravidão.
As Sete Leis, constituição do regime centralista de 1836, estabeleceram nos 34 artigos da quarta lei o mecanismo de eleição presidencial; onde a Suprema Corte, o Senado e a Junta de Ministros nomeariam três candidatos cada, e a câmara baixa (deputados) escolheria entre os nove candidatos, o presidente e o vice-presidente.
Por todo este período travaram-se batalhas dentro do México e com os EUA, que sob diversas intromissões e pressões exerceram profunda influência na condução dos rumos mexicanos.
1846-1853
Pouco se distingue da Primeira, esta que se denominou Segunda República. Muitos personagens já conhecidos e pouca autonomia governativa. Parte pela economia, parte pela opressora presença estadunidense, de onde o ditado: “pobre México, tão longe de Deus, tão perto dos EUA”.
1853-1855
Ditadura de Antonio de Padua María Severino López de Santa Anna y Pérez de Lebrón (1794-1876). Santa Anna foi daqueles primeiros militares, do México independente.
O hino nacional mexicano é oficializado. Sob seu governo é assinado o “Tratado de La Mesilla” (30/12/1853), pelo qual ele vendeu parte do norte de Sonora e Chihuahua (77.770 km²) para os EUA (atuais estados do Arizona e Novo México).
Teve aliados importantes como os presidentes Valentín Gómez Farías e Nicolás Bravo que, por diversas vezes, aceitaram manter a presidência em seus afastamentos por razões políticas e de saúde.
Rico proprietário de terras, Santa Anna teve o mérito de reorganizar, após empreendimentos fracassados, como a Revolução Texana de 1836, o exército do México.
1855-1872
Este período foi caracterizado pelo triunfo liberal sobre os conservadores do século XIX. Ele cobre a Revolução Ayutla, a Guerra da Reforma, a Constituição de 1857, o estabelecimento do Segundo Império Mexicano e a resistência republicana liderada por Benito Juárez.
Com a Constituição de 1857, buscou-se método de eleição mais democrático, no qual a distância entre o povo e seus representantes fosse reduzida. A lei eleitoral implementou a eleição universal e indireta de primeiro grau, com voto público e maioria relativa nas eleições primárias, secretas e absolutas para as eleições secundárias. O colégio eleitoral, em 1857, era composto por 80 eleitores, de cada um dos 155 distritos eleitorais em que o país estava dividido, proporcionando o total de 12.400 eleitores, em potencial.
Benito Júarez governou o México de 21 de janeiro de 1859 a 16 de julho de 1872, pelo Partido Liberal.
Inicialmente, como presidente do Supremo Tribunal de Justiça da Nação ocupou a presidência interina do país. Assim, Benito Juárez se tornou presidente sem voto popular.
Os conservadores não reconheceram Juárez que deixou a Cidade do México sendo então ocupada pelos conservadores.
O Plano Tacubaya, proclamado pelos conservadores contra o governo liberal, foi inicialmente apoiado pelo Presidente Ignacio Comonfort (1855-1858).
Como o Plano Tacubaya desconhecia a Constituição de 1857, os conservadores nomearam presidentes interinos. Entre 23/janeiro/1858 e 24/dezembro/1860, seis conservadores presidiram, simultaneamente com Juárez, o México; alguns por somente dois dias.
O Plano Tacubaya foi um “pronunciamento” realizado ao final de 1857. Seu objetivo era revogar a Constituição promulgada naquele mesmo ano. Os ideólogos do Plano foram alguns políticos conservadores, destacando Félix María Zuloaga , Manuel Silíceo, José María Revilla e o próprio presidente do país, Ignacio Comonfort.
A Constituição de 1857 havia sido aprovada por Congresso de maioria liberal. Isso fez com que ele contivesse certos itens que desagradavam os conservadores, sendo o mais conflitante aquele relacionado às relações entre o Estado e a Igreja, esta perdendo parte dos privilégios históricos no país.
Os conservadores foram derrotados definitivamente na Batalha de Calpulalpan, em 22 de dezembro de 1860, e a 1º de janeiro de 1861 os liberais recuperaram a capital. Os remanescentes das milícias conservadoras continuaram lutando durante parte de 1861.
OS CONSERVADORES ENTREGAM O MÉXICO A ÁUSTRIA E JUÁREZ RESTAURA A REPÚBLICA
Em 1863, os conservadores decidiram enviar representação à Europa para oferecer a coroa do “Império Mexicano” a Maximiliano de Habsburgo, arquiduque da Áustria. Após algumas negociações, Maximiliano e sua esposa Carlota da Bélgica, aceitaram a oferta e viajaram para o México. O segundo império mexicano durou de 1863 a 1867 e foi apoiado pelo exército conservador mexicano e pelo exército francês, com legiões voluntárias da Áustria-Hungria e Bélgica.
Maximiliano e Carlota encontraram resistência republicana armada, liderada por Benito Juárez. Maximiliano foi baleado na colina dos Sinos (Querétaro), em 19 de junho de 1867, enquanto Carlota, que havia partido para a Europa em busca de apoio, permaneceu na Bélgica até sua morte, em 1927.
Juarez governou ininterruptamente de 1858 a 1872, data que corresponde ao início da Restauração da República (1867-1876). Como se espera e efetivamente ocorreu, o Partido Conservador saiu do mapa político do México, não os conservadores.
Com a morte de Benito Juárez, Sebastián Lerdo de Tejada (1872-1876) e José María Iglesias (1876) presidem o México antes que assuma Porfírio Díaz, cuja presença conduziu, direta e indiretamente o México na passagem do século, até 25 de maio de 1911. Deposto, veio a falecer, em Paris, no exílio, em 02 de julho de 1915.
A ausência do povo, comum aos governos do século XIX e a boa parte do século XX, incentivou o perfil autoritário, por vezes oligárquico, pois era nas famílias que surgiam os políticos, por toda a América independente. A exceção estadunidense deu-se pela constituição plutocrata que, sob a forma eletiva popular, apenas os escolhidos pelos grandes capitais eram verdadeiramente os candidatos. E para estes capitais a diferença era mostrada na ironia da frase: a mudança dos democratas para os republicanos é do governo da General Motors para o da General Electric.
Carlos Alberto Sampaio Barbosa (“A Revolução Mexicana”, Editora UNESP, SP, 2010) afirma que “o Estado oligárquico foi muito importante para o México, pois propiciou a unificação nacional e a centralização política”; colonizando terras baldias, melhorando a comunicação e o transporte e as cidades, com reformas urbanísticas.
Abriu a economia que definitivamente levou à integração da economia mexicana à estadunidense; escancarou aos capitais dos EUA que obtiveram grandes lucros na exploração das riquezas minerais, na produção de açúcar e nas operações financeiras.
No governo do porfirista Manuel González (1880-1884) foi criada a Ferrovia Central do México, concedida a primeira rede de telégrafos do país, e, em 1884, fundado o Banco Nacional do México (Banamex).
Porém o México ainda se dividia no urbano-industrial e no rural-agrícola que se faziam representar politicamente.
A ditadura de Porfírio Díaz também levou à concentração da propriedade rural, com seus proprietários residindo nas cidades ou mesmo nos EUA. Já no governo liberal de Juárez, muitas comunidades indígenas haviam sido incorporadas aos latifúndios. Sustentado pela aristocracia rural, as poucas comunidades desapareceram com Díaz, o que aliado à industrialização, comandada do exterior, provocou revolta pela miséria que grassava entre os indígenas.
O primeiro levante, encabeçado por Francisco Madero, em 1910, foi seguido das explosões de camponeses liderados ao norte por Pancho Villa (José Doroteo Arango Arámbula, 1878-1923) e ao sul por Emiliano Zapata Salazar (1879-1919).
Zapata expôs o plano que se erigia em três medidas: nacionalização das propriedades dos inimigos da Revolução, devolução das terras usurpadas às comunidades indígenas e expropriação de um terço das terras de todos latifúndios.
Durante curto período, pois ambos revolucionários foram assassinados, Zapata conseguiu aplicar seu projeto no Estado de Morellos, criando fábricas de ferramentas agrícolas, escolas e um banco para crédito rural. Com seu assassinato sua obra foi desfeita.
De algum modo, Lázaro Cárdenas del Río (presidente de 01 de dezembro de 1934 a 30 de novembro de 1940) deu continuidade à política agrária de Zapata.
De Francisco Ignácio Madero González, que presidiu o México de 06 de novembro de 1911 a 19 de fevereiro de 1913, rico proprietário de terras, que se empenhou na defesa da justiça social e da democracia, a Lázaro Cárdenas, o México voltou a se defrontar com conservadores e liberais, sendo renomeados independentes, congressistas e trabalhistas. Estes últimos após a Revolução Russa de 1917 e a criação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 30 de dezembro de 1922. Foram oito presidentes.
Lázaro Cárdenas (21/05/1895 a 19/10/1970) nacionalizou a indústria do petróleo, fundou a PEMEX, o Instituto Politécnico Nacional e o Instituto Nacional de Antropologia e História. O Partido da Revolução Mexicana (PRM) é criado a partir do PNR e o Partido de Ação Nacional é fundado. Concedeu asilo aos refugiados da guerra civil espanhola, bem como ao ideólogo comunista Leon Trotsky.
Até o final do século XX, o Partido Revolucionário Institucional (PRI) governou o México. Todos conduziram com interesses nacionalistas e sociais à exceção de Carlos Salinas de Gortari (01 de dezembro de 1988 a 30 de novembro de 1994) que inicia a governança neoliberal, com redução de benefícios trabalhistas, assistenciais e sociais e privatizações de bens públicos.
Salinas de Gortari, aluno de Harvard, aproveitou a onda neoliberal da década de 1980, semelhante ao que ocorria no Brasil, que investira no desenvolvimento social e econômico da nação e criara a dívida que Nixon fizera multiplicar com sua política monetária.
O fim do século XX foi trágico para o Brasil e para o México pela mesma submissão às finanças apátridas.
3º Artigo: CONSTRUÇÃO DO ESTADO NACIONAL NO MUNDO MULTIPOLAR (16 e 17/julho/2024)
“Para esconder a verdadeira falta de conhecimento, fora apresentada uma explicação que correspondia à intervenção divina. Para a mentalidade primitiva teria sido a maneira plausível e satisfatória de explicar qualquer coisa sobre a qual nada se sabia” (Clifford D. Simak, “City”, 1952, tradução livre).
Durante a década de 1980, os grandes mercados de capitais, como Nova Iorque, Londres, Amsterdã, promoveram as desregulações financeiras. Pessoas e bens, naturais ou produzidos, precisavam de um “passaporte” para sair e entrar dos países. As expressões monetárias, não. Circulavam livremente por redes virtuais.
Não apenas para o México e o Brasil, mas para todo mundo capitalista e socialista criou-se nova condição operacional para generalizar a corrupção. Esta atingiu níveis até então desconhecidos, levando ao fim a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS, 1991), a condenações e alterações no poder da República Popular da China (China), e a decuplicação de “paraísos fiscais” em menos de 20 anos.
Até 30 de novembro de 2000, o Partido Revolucionário Institucional (PRI), a princípio nacionalista (Manuel Ávila Camacho e Adolfo López Mateos) mas ao fim neoliberal, foi o grande partido mexicano do século XX.
A corrupção neoliberal trouxe a questão da moralidade para o palco das lutas políticas no início do século XXI.
Após 71 anos de domínio do PRI, o México é governado por Vicente Fox, do Partido de Ação Nacional (PAN), prometendo punir os grandes corruptos e corruptores da Nação, o que não aconteceu.
Seguiram-se do mesmo PAN, Felipe Calderón (01/12/2006 a 30/11/2012) e, retornando o Partido Revolucionário Institucional, o presidente Enrique Peña Nieto (01/12/2012 a 30/11/2018). Mas a corrupção não era disfunção política personalizada, era a consequência do imenso engodo neoliberal.
O neoliberalismo não se apresenta como modelo da concentração de renda, dos privilégios rentistas, da não tributação enquanto o trabalho sofria cada vez mais encargos que, ao fim, aumentavam a renda das finanças. O neoliberalismo procurou ser visto, e para isso dominou todos os recursos da comunicação, escrita, falada, televisiva e virtual, como a ideologia da liberdade, do triunfo dos empreendedores, da iniciativa individual. E chegava ao cinismo de renomear o trabalho sem direitos, trabalhistas e previdenciários, de empreendedor individual, os MEIs.
Esta situação, variando apenas nas nomenclaturas, se espalha pelo mundo, especialmente naqueles países, como México e Brasil, subordinados ao Império Estadunidense.
E passados os primeiros vinte ou trinta anos de governanças neoliberais, o mundo se mostra mais desigual do que nunca. Até nos Estados Unidos da América (EUA) a miséria já é observada na população de rua, na disseminação de doenças, na fome e na morte.
UM NOVO MOMENTO NA POLÍTICA MEXICANA
A eleição de Andrés Manuel López Obrador, para o período 01/12/2018 a 30/11/2024, foi mais do que o surgimento de novo partido – Movimento Regeneração Nacional (MORENA) – e o maior número de votos na história do México (mais de 30 milhões de votos) para o cargo e o maior percentual em eleição presidencial em 36 anos (53%).
O que fez López Obrador? Fundamentalmente trouxe a contemporaneidade política para dentro das fronteiras mexicanas.
O neoliberalismo foi o momento do “fim da história”, da “globalização”, do “pensamento único”, da unipolaridade.
Porém, passada a primeira década, ou década e meia, começa a surgir em países de culturas mais fortemente arraigadas, a contestação ao neoliberalismo. A China se destaca. Não pelo marxismo-maoísmo mas pelo confucionismo.
O neoliberalismo é pensamento ocidental e como tal construído por conceitos, cuja precisão dá força aos pensamentos. O confucionismo não procede desta maneira linear e sim espiral.
Vejamos como a sinóloga e filósofa francesa Anne Cheng discorre sobre o pensamento chinês, o confucionismo, na “Histoire de la pensée chinoise” (Éditions du Seuil, 1997, em português na tradução de Gentil Avelino Titton para Editora Vozes, Petrópolis, 2008).
O pensamento chinês (confuciano) descreve seu redor, em círculos cada vez mais estreitos, buscando aprofundar um sentido mais do que esclarecer um conceito.
“Aprofundar significa deixar descer cada vez mais fundo dentro de si, em sua existência, o sentido de uma lição, de uma experiência. É assim que são utilizados os textos na educação chinesa: objetos de uma prática mais que de uma simples leitura”.
“Testemunhos da palavra viva dos mestres, eles não se destinam apenas ao intelecto, mas à pessoa toda; servem menos para raciocinar do que para ser frequentemente praticados e, finalmente, vividos”. E conclui Cheng: “não o raciocinar sempre melhor, mas o viver sempre melhor sua natureza humana em harmonia com o mundo”.
A eleição de López Obrador, dada como certa, em 2018, não se previa transformadora, principalmente pelo poder das finanças, “Citigroup, incluindo seus meios hegemônicos (Televisa e Tv Azteca, de Azcárraga e Salinas Pliego, ambos megamilionários da lista da Forbes)”, afirmava Carlos Fazio (AMLO e o verdadeiro poder, em “La Jornada”, 02/07/2018).
Porém, logo o governo do México, empresários e sindicatos chegaram ao acordo para aumentar em 16,2% o salário mínimo geral, que passa de 88,36 pesos, por dia, para 102,68 pesos, a partir de janeiro de 2019.
Esta articulada mudança na remuneração do trabalho não se adequava à perspectiva neoliberal, unipolar, pois fruto de parcela da sociedade mobilizada para reconhecer a relevância da menos poderosa politicamente.
O homem na sociedade neoliberal é repartido por características individuais, não sociais. Daí os identitarismos, raciais, sexuais, que dispõe de veículos de comunicação porém não tem força para alterar situações, não obtêm resultados.
A prática neoliberal é falaciosa, hipócrita, mendaz e, principalmente, secessionista, separatista, não integracionista.
O vínculo histórico é a primeira diferença entre o novo rumo do México das governanças neoliberais. Também difere dos governos petistas que, obrigados eleitoralmente, jamais reconheceram a transformação provocada pelo getulismo ou pelo nacional trabalhismo na própria organização do Estado Nacional Brasileiro.
“O presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO) colocou seu governo em um horizonte histórico, retomando trajetórias passadas, mas também apontando para trajetória que deve ir além dos seis anos de seu mandato para se completar. A primeira transformação foi a Independência em 1821, a segunda a Reforma (1857-1861) dos liberais liderados por Benito Juárez contra os conservadores, e a terceira a Revolução Mexicana (1910-1917) de Emiliano Zapata e Pancho Villa contra a ditadura de Porfírio Díaz e o latifúndio” (Giorgio Romano Schutte no “Brasil de Fato”, 02 de junho de 2024).
Schutte busca entender o sucesso de López Obrador (AMLO). No mesmo artigo no “Brasil de Fato” escreve: “Certamente não faltaram, ao longo de seu mandato, ataques e campanhas dos interesses conservadores e das elites tradicionais, inclusive por meio da imprensa comercial. Estes se expressaram na campanha eleitoral, por exemplo, com acusações de autoritarismo e corrupção que levariam o México inevitavelmente ao caminho da Venezuela e Nicarágua”.
Em primeiro lugar, AMLO entrou com a força de uma história política que ele cultiva. No final da década de 1970, dirigiu o “Centro Coordinador Indigenista” e teve a oportunidade de conhecer a realidade das comunidades pobres e povos originários. Em sua militância política, liderou muitos movimentos de camponeses, indígenas e trabalhadores até se projetar nacionalmente.
Quando ele perdeu as eleições para Governador de Tabasco, seu estado de origem, em 1994, denunciou fraude e organizou uma caravana de protesto, que ficou conhecida como “Éxodo por la Democracia” e que, durante 51 dias, atravessou 700 km para ocupar a praça central na Cidade do México, o Zócalo. Nos anos que se passaram desde então, utilizou em muitas ocasiões as mobilizações populares para mostrar força política”.
Mobilização popular e a rica história das insurreições mexicanas formam o liame que sai vitorioso nas urnas.
Não há similar nem na Venezuela nem na Nicarágua ou em qualquer outro país. É a incompreensão da multipolaridade que trabalha com as nacionalidades, com as culturas únicas formadas nas relações dialéticas das sociedades, suas miscigenações, e os ambientes físicos nos quais se desenvolvem.
Não necessariamente os articulistas, mas os órgãos de comunicação de massa para os quais trabalham não podem se afastar da globalização, da moeda única, unipolar.
A imprensa brasileira, nada nacionalista, insiste em denominar os que Washington identifica como inimigos de “ditadores”. O maior estadista da atualidade, Vladimir Putin, demonstrado por três horas de verdadeiras aulas aos jornalistas internacionais, durante a entrevista coletiva no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo (SPIEF), em 08 de junho de 2024, que nenhum dirigente se arriscou, mesmos nas mais favoráveis circunstâncias, só acolhe este epíteto depreciativo, mesmo quando submetido a eleições periódicas.
CLAUDIA SHEINBAUM SUCEDE AMLO
Claudia Sheinbaum não pretende repetir López Obrador. Primeiro por terem personalidades diferentes, segundo porque os tempos não são os mesmos. Mas a linha política não mudará, pois Claudia também ajudou a constituir o MORENA.
O que mais significativo ocorreu nos seis anos de AMLO? A consolidação do mundo multipolar. O que a imprensa neoliberal buscar esconder.
Em junho de 2024, Putin colocou a Coreia do Norte na imprensa internacional. A maior arma da comunicação é o silêncio, ignorar a existência e feitos dos inimigos. O mundo unipolar trabalha como no tempo da bipolaridade russo-estadunidense. Se não for para atacar Kim Jong Um – cujo avô, Kim Il Sung, foi a grande líder, libertador da península coreana dos ocupantes japoneses, levando os EUA à construção do fantoche sul-coreano e da zona desmilitarizada – nada é publicado sobre a Coreia do Norte.
O México sabe seus limites, mas não recua em seus projetos.
Energia é sempre, e para qualquer país, um desafio. O México, no biênio 2022/2023, foi o quinto maior incorporador de reservas de óleo e gás natural do mundo. Recordemos que neste período a Guiana, nas Américas, e Uganda, na África, entram para o rol dos países petrolíferos.
Outra questão que ganha cada vez maior relevância é a água doce, a água potável. A carreira acadêmica de Claudia, antes de entrar na política, foi no segmento da engenharia de energia e integrou o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Pode-se esperar avanço importante neste setor.
Também, conforme declarações na presidente eleita, pretende encaminhar emenda constitucional sobre igualdade de gênero, tema que deve ganhar também maior destaque na sua gestão.
Ter vizinho os EUA é ter constantemente a questão da segurança, pública e nacional, em pauta. E, como cientista, Claudia Sheinbaum sabe a importância do desenvolvimento científico e tecnológico para ter sucesso neste setor, cada vez mais dependente de recursos da informática.
Muitas questões de natureza cultural são colocadas como desafio, mas a compreensão da história do México, dos eventos que marcaram seu povo, o que está na própria formulação do MORENA, reduzem a dificuldade dos desafios que a direita e a extrema direita impuseram na Argentina, e ameaçam no Brasil.
Enfim, pelo que narramos nestes três artigos, acreditamos que o caro leitor do Monitor Mercantil pode confiar ter no México o exemplo bem sucedido do processo de independência e de soberania política.
Não será surpresa seu ingresso na Iniciativa do Cinturão e Rota (Nova Rota da Seda) e na Organização para Cooperação de Xangai.
*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.
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Você pode também ler o texto de Pedro Augusto Pinho no Monitor Mercantil, acessando-o aqui