Sábado, 8 de março de 2025
Surge, em muitos países, uma clivagem política de gênero: mulheres assumem posições e votos claramente mais à esquerda. O machismo reage com rancor. Possível contra-ataque: ir além do doméstico e ocupar mais espaços de poder
OutrasPalavras Feminismos
por Manuela d’Ávila
Publicado em OUTRASPALAVRAS em 07/03/2025
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Imagem: Firelei Báez/Galeria Wendy Norris |
Este texto integra o dossiê Violência de Gênero, da edição 315 da revista Cult, parceira editorial de Outras Palavras

Desde 2014, nosso país viu a ascensão da extrema direita – antes tida como caricata e isolada nas pequenas rodas privadas do pensamento comum e reacionário – assumindo um protagonismo político capaz de se apresentar como a “única saída”, e de urgência, sobre a crise política e econômica que atravessamos no mundo. Figuras como Jair Bolsonaro saem, assim, do círculo do folclore do baixo clero do Congresso Nacional e assumem um lugar messiânico para a maioria da classe média e da elite brasileira.
Do outro lado, vemos o maior revés do campo popular e democrático desde o fim da ditadura, em 1985. Da eleição de 2014 até o golpe que resultou no impeachment da presidenta Dilma, era como se estivéssemos imersos em uma “grande noite” – parafraseando Frantz Fanon – que autorizava uma crescente onda fascistizante reforçada pela misoginia, pelo racismo e pelo ódio contra o povo. Mesmo quem se contrapunha a isso não conseguia enxergar uma saída. Claro que essas questões já estavam profundamente enraizadas na estrutura da nossa sociedade e foram abertas ali como uma caixa de pandora do fascismo. A percepção de muitos era de que estávamos derrotados e condenados a sermos governados por uma onda de extremismo que varria o mundo, sem que pudéssemos fazer nada.
Nesse contexto, os movimentos feministas assumem um papel central – o ano era 2018, e milhares de mulheres tomaram as ruas de centenas de municípios brasileiros. Suas palavras de ordem eram claras: articulação política ampla. Através de encontros produzidos pela internet, buscavam construir um cordão sanitário de proteção da democracia: de um lado, Bolsonaro; de outro, todas as pessoas que se posicionassem contra suas ideias autoritárias. O movimento, popularmente conhecido como #EleNão, foi a maior mobilização social da última década e simbolizou mais do que uma resistência eleitoral – representou um marco histórico na luta contra a extrema direita no Brasil. Sob a perspectiva de Achille Mbembe em torno da ideia de Fanon, poderíamos dizer que essa mobilização foi um gesto concreto de busca pela saída da “grande noite” que se abateu sobre nós depois do período eleitoral de 2014 e que paralisou parte da esquerda. As mulheres, assim, encontravam um caminho possível e um espaço para construir a resistência.