Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)
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sexta-feira, 26 de agosto de 2022

A pureza da fé

A pureza da fé

Ivan, o Terrível, nasceu em 1530.
Para educar o povo na fé cristã, ergueu em Moscou o grande templo de São Basílio, que continua sendo o belo símbolo da cidade, e para perpetuar seu poder cristão mandou ao Inferno uns tantos pecadores, seus rivais, seus parentes:
jogou aos cães o príncipe Andrei e o arcebispo Leonid,
assou vivo o príncipe Piotr,
partiu a golpes de machado os príncipes Aleksander, Repnin, Snyyon, Nikilai, Dimitri, Telepnev e Tiutin,
afogou no rio seu primo Vladimir, sua cunhada Aleksandra e sua tia Eudoxia,
envenenou cinco de suas sete esposas,
e com um golpe de bastão matou seu filho, o preferido, o que levava seu nome, porque era demasiado parecido com ele.

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Eduardo Galeano, no livro Os filhos dos dias (Um calendário histórico sobre a humanidade), 2ª Edição, L&PM Editores, 2012, página 272

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Ivan IV, apelidado de Ivan, o Terrível (25/8/1530—28/3/1584)
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Leia também: 

Ivan IV, o Terrível O primeiro czar da Rússia

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

A bomba de Deus

Agosto
6

A bomba de Deus

Em 1945, enquanto este dia nascia, Hiroshima morria. Na estreia mundial da bomba atômica, a cidade e sua gente viraram carvão num instante.

Os poucos sobreviventes perambulavam, mutilados, sonâmbulos, no meio das ruínas fumegantes. Andavam nus, e em seus corpos as queimaduras haviam estampado as roupas que usavam quando houve a explosão. Nos resto das paredes, o relâmpago do fogo da bomba atômica tinha deixado impressas as sombras do que houve: uma mulher com os braços erguidos, um homem, um cavalo amarrado...

Três dias depois, o presidente Harry Truman falou pelo rádio.

Disse:

— Agradecemos a Deus por ter posto a bomba em nossas mãos e não dos nossos inimigos; e rogamos a Deus que nos guie em seu uso, de acordo com seus caminhos e propósitos.

Eduardo Galeano, no livro ‘Os filhos dos dias’. 2ª edição, 2012, página 252, L&PM Editores.

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sexta-feira, 21 de junho de 2019

O reino do medo

Junho
26

O reino do medo

Hoje é o Dia contra a Tortura.
Por trágica ironia, a ditadura militar do Uruguai nasceu no dia seguinte, em 1973, e transformou o país inteiro numa grande câmara de tortura.
Os suplícios serviam pouco ou nada para arrancar informações, mas eram muito úteis para semear o medo, e o medo obrigou os uruguaios a viver calando ou mentindo.
No exílio, recebi uma carta anônima:

É foda mentir, e é foda se acostumar a mentir.
Mas pior que mentir é ensinar a mentir.
Eu tenho três filhos.

Eduardo Galeano, no livro ‘Os filhos dos dias’. 2ª edição, 2012, Página 206. L&PM Editores.

domingo, 24 de março de 2019

Por que desaparecemos os desaparecidos

Março
24
Por que desaparecemos os desaparecidos

No dia de hoje do ano de 1976, nasceu a ditadura militar que desapareceu com milhares de argentinos.
Vinte anos depois, o general Jorge Rafael Videla explicou ao jornalista Guido Braslavsky:
— Não, não dava para fuzilar. Vamos pôr um número, vamos dizer cinco mil. A sociedade argentina não teria apoiado os fuzilamentos: ontem dois em Buenos Aires, hoje seis em Córdoba, amanhã quatro em Rosário, e isso até cinco mil...Não, não era possível. E dizer onde estão os restos? Mas o que é que podíamos dizer? No mar, no rio da Prata, no Riachuelo? Chegou-se a pensar, na época, em divulgar as listas. Mas depois pensamos se são dados por mortos, em seguida virão as perguntas que não podem ser respondidas: quem matou, quando, onde, como...

Eduardo Galeano, no livro ‘Os Filhos dos Dias’, L&PM Editores, 2ª edição, página 104.
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Do Gama Livre: O assassino Jorge Rafael Videla, ex-ditador da Argentina, morreu no dia 17 de maio de 2013. Tinha 87 anos e faleceu na cela em que cumpria duas penas de prisão perpétuas por crimes contra a humanidade. Estava numa cadeia comum num subúrbio distante do centro de Buenos Aires, capital da Argentina. E no Brasil, nada aconteceu com os ditadores. Todos morreram livres e soltos, menos, claro, o general Castelo Branco, que morreu quando um jato da FAB se chocou com a aeronave que ele viajava 😷😷.
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terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Não digo adeus

Do livro "Os filhos dos Dias", de Eduardo Galeano, Editora L&PM, 2ª edição, folha 22.  Clique na imagem para melhor visualizá-la. 


segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Uma enfermidade chamada trabalho


Novembro
5

Uma enfermidade chamada trabalho

Em 1714 morreu, em Pádua, Bernardino Ramazzini. Era um médico estranho, que começava perguntando:
— E em que você trabalha?
Ninguém havia pensado que isso pudesse ter alguma importância.
A experiência permitiu a ele escrever o primeiro tratado de medicina do trabalho, onde descreveu, uma por uma, as doenças frequentes em mais de cinquenta ofícios. E comprovou que havia pouca esperança de cura para os trabalhadores que comiam fome, sem sol e sem descanso, em oficinas fechadas, irrespiráveis e imundas.

Eduardo Galeano no livro ‘Os filhos dos dias’.
2ª edição, página 351, L&PM Editores

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Invisíveis

Outubro
18

Invisíveis

Há dois mil e quinhentos anos, no alvorecer de um dia como hoje, Sócrates passeava com Glauco, irmão de Platão, nos arredores do Pireus.
Glauco então contou a história de um pastor do reino da Lídia, que certa vez encontrou um anel, colocou-o no dedo e num instante percebeu que ninguém o via. Aquele anel mágico o tornava invisível aos olhos dos outros.
Sócrates e Glauco filosofaram longamente sobre as derivações éticas dessa história. Mas nenhum dos dois se perguntou por que as mulheres e os escravos eram invisíveis na Grécia, embora não usassem anéis mágicos.


Eduardo Galeano, no livro “Os filhos dos dias”, 2ª edição, folha 331, editora L&PM.

domingo, 14 de outubro de 2018

Uma derrota da Civilização

Outubro
14

Uma derrota da Civilização


No ano de 2002, fecharam as portas os oito restaurantes McDonald's na Bolívia. Apenas cinco anos durou essa missão civilizadora.
Ninguém a proibiu. Aconteceu simplesmente que os bolivianos lhes deram as costas, ou melhor, se negaram a dar-lhes a boca. Os ingratos se negaram a reconhecer o gesto da empresa mais exitosa do planeta, que desinteressadamente honrava o país com sua presença.
O amor ao atraso impediu que a Bolívia se atualizasse com a comida de plástico e os vertiginosos ritmos da vida moderna.
As empadas caseiras derrotaram o progresso. Os bolivianos continuam comendo sem pressa, em lentas cerimônias, teimosamente apegados aos antigos sabores nascidos no fogão familiar.
Foi-se embora, para nunca mais, a empresa que no mundo inteiro se dedica a dar felicidade paras as crianças, a mandar embora os trabalhadores que se sindicalizam e a multiplicar os gordos. 

(Eduardo Galeano, no livro Os filhos dos dias.
2ª ed. 2012. página 326. Editora L&PM)

sábado, 13 de outubro de 2018

Os robôs alados

Outubro
13
Os robôs alados
Boa notícia. No dia de hoje de 2011 os chefes militares do mundo informaram que os drones poderão continuar matando gente.
Esse aviões sem piloto, tripulados por ninguém, dirigidos por controle remoto, gozam de boa saúde: o vírus que o atacou não foi nada além de moléstia passageira.
Até agora os drones jogaram suas chuvas de bombas sobre vítimas indefesas no Afeganistão, no Iraque, no Paquistão, na Líbia, no Iêmen e na Palestina, e outros países esperam pelos seus serviços.
Na era das ciberguerras, os drones são os guerreiros perfeitos. Matam sem remorso, obedecem sem chiar e jamais delatam seus chefes.
 
Eduardo Galeano, no livro Os filhos dos dias 

(Um calendário histórico sobre a humanidade),
2ª Edição, L&PM Editores, 2012, páginas 325.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

O Descobrimento

Outubro
12

O Descobrimento

Em 1492, os nativos descobriram que eram índios, descobriram que viviam na América,

descobriram que estavam nus,

descobriram que deviam obediência a um rei e a uma rainha de outro mundo e a um deus de outro céu,

e que esse deus havia inventado a culpa e o vestido

e que havia mandado que fosse queimado vivo quem adorasse  o Sol e a Lua e a terra e a chuva que molha essa terra.

Eduardo Galeano, no livro Os filhos dos dias (Um calendário histórico sobre a humanidade), 2ª Edição, L&PM Editores, 2012, páginas 324.

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Dia dos Desaparecidos

Agosto
30

Dia dos Desaparecidos

Desaparecidos: os mortos sem tumba, as tumbas sem nome.
E também:
os bosques nativos,
as estrelas na noite das cidades,
o aroma das flores,
o sabor das frutas,
as cartas escritas a mão,
os velhos cafés onde havia tempo para perder tempo,
o futebol de rua,
o direito a caminhar,
o direito a respirar,
os empregos seguros,
as aposentadorias seguras,
as casas sem grades,
as portas sem fechadura,
o senso comunitário
e o bom-senso.


Eduardo Galeano, no livro ‘Os filhos dos dias’. 2ª edição. L&PM Editores.

terça-feira, 26 de junho de 2018

O reino do medo


Junho
26

O reino do medo

Hoje é o Dia contra a Tortura.
Por trágica ironia, a ditadura militar do Uruguai nasceu no dia seguinte, em 1973, e transformou o país inteiro numa grande câmara de tortura.
Os suplícios serviam pouco ou nada para arrancar informações, mas eram muito úteis para semear o medo, e o medo obrigou os uruguaios a viver calando ou mentindo.
No exílio, recebi uma carta anônima:

É foda mentir, e é foda se acostumar a mentir.
Mas pior que mentir é ensinar a mentir.
Eu tenho três filhos.

Eduardo Galeano, no livro ‘Os filhos dos dias’. 2ª edição, 2012, Página 206. L&PM Editores.