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(Millôr Fernandes)
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quinta-feira, 26 de abril de 2018

As lutas atuais contra a dívida ilegítima numa perspetiva histórica

Quinta, 26 de abril de 2018
A diminuição da prestação pública de serviços associada à era neoliberal, da qual a financeirização tem sido uma característica fundamental, levou à mercantilização dos serviços básicos e submergiu as pessoas em níveis crescentes de dívida privada. Os indivíduos ficaram cada vez mais dependentes de empréstimos para terem acesso a serviços básicos, como habitação, educação e saúde.


por 
Eric Toussaint , Christina Laskaridis , Nathan Legrand
12 de abril de 2018


Foto de Paulete Matos - Esquerda.net

CONTEÚDOS:
1. Introdução 
2. Estudos de caso 
- 2.1. Estudo de caso anglo-irlandês “Not Our Debt” que analisa a responsabilidade pela crise
- 2.2. Estudo de caso “15MpaRato” que analisa a transparência das dívidas contraídas
- 2.3. Estudo de caso “Debt Resistance UK” que analisa as instituições financeiras que ludibriam as autoridades locais
- 2.4. Estudo de caso “Rolling Jubilee” que mostra que é possível anular a dívida se houver vontade política
3. Auditorias à dívida: um movimento abrangente para denunciar dívidas
- 3.1. Objetivos das auditorias
- 3.2. Reflexões sobre a experiência da auditoria grega
4. Precedentes históricos do repúdio da dívida
- 4.1. Equador e Islândia
- 4.2. O repúdio da dívida nos EUA nos anos trinta do séc. XVIII
- 4.3. México: A luta bem sucedida contra a dívida nos séc. XIX e XX
- 4.4. O repúdio da dívida na Rússia Soviética
- 4.5. O repúdio da dívida na Costa Rica
- 4.6. A longa lista de anulações ou repúdios de dívida entre os séculos XIX e XXI
5. A doutrina da dívida odiosa
6. Conclusão

1. Introdução

A presença crescente de credores e de detentores de ativos na esfera do poder é uma característica generalizada da financeirização. Convém destacar dois aspetos da financeirização, que servem para compreender o contexto em que surgiram várias lutas recentes contra a dívida. O primeiro diz respeito à financeirização da vida quotidiana com o consequente aumento das dívidas privadas. O segundo aspeto diz respeito ao modo como a crise financeira foi gerida. A diminuição da prestação pública de serviços associada à era neoliberal, da qual a financeirização tem sido uma característica fundamental, levou à mercantilização dos serviços básicos e submergiu as pessoas em níveis crescentes de dívida privada. Os indivíduos ficaram cada vez mais dependentes de empréstimos para terem acesso a serviços básicos, como habitação, educação e saúde. Vários autores desta publicação analisam os detalhes e as variações nacionais desses processos.
Os fracassos do sistema financeiro que vieram à tona durante a crise financeira global foram encobertos pelo Estado e o custo avassalador do resgate do setor financeiro, por sua vez, criou dificuldades às finanças públicas. Os países foram apanhados por esquemas que convertem dívida privada em pública, fazendo aumentar o pagamento da dívida em detrimento de outras despesas. A adoção generalizada de medidas de austeridade empurrou esses custos para o setor público, que cobriu os prejuízos e as insolvências do setor bancário. Em certos casos, o setor financeiro chegou mesmo a morder a mão a quem lhe deu de comer, levando os Estados à bancarrota (Cutillas, 2014). A situação fez com que vários países da zona do euro pedissem ajuda oficial à Troika (BCE, FMI e Comissão Europeia) e foi particularmente nesses casos que o poder dos credores sobre os países se fez notar. Utilizando meios de retenção do crédito e retirando qualquer capacidade de manobra aos países endividados, foi-lhes imposta a austeridade e os grandes condicionalismos estruturais (Roos, 2016). Os métodos bola de neve, os negociantes de crédito, os agiotas, os oficiais de justiça e os credores multilaterais e internacionais trabalharam no sentido de manter a convicção de que é imperativo pagar. Mesmo quando se demonstra que a acumulação de dívida não foi usada para beneficiar os objetivos coletivos de uma população, o poder da alta finança permite que sejam exercidas pressões sobre Estados e indivíduos financeiramente dependentes.