Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Por que te calas, ó deputado?

A Lei 780 de 2008, que na prática poderá destruir cerca de 600 áreas verdes e passagens de pedestres do Gama, é alvo de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins). Uma patrocinada pelo Ministério Público Federal e a outra pela Ordem dos Advogados do Brasil, OAB/DF. Além disso, há ainda contra ela uma Ação Popular, assinada por moradores do Gama, ação que deu entrada no Tribunal de Justiça no último dia 14. Também mais de 170 moradores da cidade possuem liminares que impedem a destruição das áreas verdes e passagens de pedestres vizinhas as suas moradias.

Além da injustificável destruição de áreas tão úteis ao conjunto dos moradores do Gama, destruição provocada pela questionada Lei 780/2008, o GDF, através da Codhab (Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF), não está cumprindo o que determina a Lei 3.877. Essa lei, aprovada pelos deputados em 2006, determina em seu artigo 4º que só poderá participar de programa habitacional de interesse social a pessoa que atender a uma série de requisitos.

Pelo menos dois desses requisitos estão sendo descumpridos pelo GDF. Isso é constatado inclusive por informações veiculadas pela mídia. O primeiro requisito desrespeitado é o inciso II do artigo 4º da Lei 3.877. O artigo 4º determina que para alguém participar de programa habitacional de interesse social tem que “residir no Distrito Federal nos últimos cinco anos”. Ora, a mídia tem noticiado declarações de alguns militares que receberam a doação. Uns afirmaram que moravam na Cidade Ocidental, outros em Valparaíso de Goiás, por exemplo.

Seria bom para a imagem da Codhab, e do próprio núcleo superior do governo, que se esclarecesse de vez logo essa situação. Não se vá alegar que um agente das forças militares do governo do Distrito Federal tenha residência, e a lei fala residência, em outra unidade da Federação e o governo desconheça isso. Quem acreditaria que um policial militar da PM ou dos Bombeiros resida em algum endereço, quanto mais se esse endereço é em outra unidade da Federação, e o comando da corporação desconheça? Num caso de emergência esse militar seria encontrado onde e como? Ninguém acredita nisso, que possa haver tanta ingenuidade assim.

Esse critério de residir no DF nos último cinco anos não é observado, pelo que se constata de matérias da mídia, quanto à doação para policiais militares da PM e dos Bombeiros de áreas verdes e passagens de pedestres do Gama. Por outro lado, a Codhab exige tal requisito nos programas de moradia que o governo do DF está desenvolvendo em municípios do entorno de Brasília. Como se sabe, o GDF recebeu em pagamento de dívidas áreas de alguns municípios vizinhos de Brasília. Pessoas que trabalham em Brasília e que têm residência em Valparaíso de Goiás, Cidade Ocidental e outros municípios do entorno estão sendo eliminados de se candidatarem a um lote nessas áreas de propriedade do governo do DF. A alegação agora, pasmem, é de que a Lei 3.877 de 2006 exige que os interessados tenham que “residir no Distrito Federal nos últimos cinco anos”. Para a execução de uma lei questionada na sua constitucionalidade e legalidade, a Lei 780/2008, o governo do DF fecha os olhos para o requisito de residência, atropelando a Lei 3.877/2006. Quanto ao programa de moradia desenvolvido em terras no estado de Goiás, o governo de Brasília exige que o candidato já resida em Brasília pelo menos há cinco anos. É aquela história de dois pesos e duas medidas.

O outro requisito obrigatório previsto pela Lei 3.877 de 2006 e que está sendo frontalmente desrespeitado é o rezado no inciso V da lei. Prescreve esse inciso V que para o interessado ser beneficiado pelo programa habitacional de interesse social, terá que “ter renda familiar de até doze salários mínimos”.

Informações revelam que tem sargentos na jogada, isto é, foram contemplados pela doação das áreas verdes do Gama. Acontece que, por ocasião da distribuição, um sargento da PM ou dos Bombeiros, mesmo se considerado apenas a remuneração dele, isto é, não se levando em conta toda a possível renda familiar, superava os 12 salários mínimos. Isso era condição que exigiria a exclusão do programa. Quando das doações das passagens de pedestres e áreas verdes, o salário mínimo era de R$415, o que significava que uma renda familiar de 12 salários mínimos não ultrapassava os R$4.980. Como então se chegou a doar as passagens de pedestres e áreas verdes do Gama a sargentos? O GDF – que na sua estrutura tem as duas corporações militares, a PM e o Corpo dos Bombeiros - não teria condições de identificar essa situação?

A doação de áreas para sargentos está provocando inclusive uma insatisfação de alguns soldados, insatisfação surda, é verdade, tendo em vista o próprio corporativismo e instrumentos de pressão que existem numa organização militar, mesmo que seja a organização informal, tipo de coisa que há de modo paralelo em qualquer organização.

Aqueles soldados que têm renda familiar que não ultrapassa os 12 salários mínimos se acham injustiçados por serem preteridos pelas doações feitas a sargentos. E também doações que teriam sido feitas a alguns soldados que, segundo os insatisfeitos, possuiriam renda familiar maior que a prevista pela Lei 3.877 de 2006. O GDF deve essa explicação. O que de verdade existe nisso.

O mais estranho, se é que alguma coisa que ocorra no Brasil possa ainda causar estranheza, é que nem o próprio executivo do DF fiscaliza de modo eficaz, e nem a CLDF e os deputados distritais, que constitucionalmente são responsáveis pela fiscalização do executivo.

Cabe aqui perguntar:

- Por que te calas, ó deputado?