Terça, 5 de dezembro de 2017
Dando continuidade ao
artigo da semana passada, onde comentávamos a respeito da hipócrita
relação promíscua existente entre a economia mundial e o crime
organizado, encerraremos nosso tema com a segunda parte do texto
Do Portal ContextoExato
Por Salin Siddartha
PARTE 2
Dando continuidade ao artigo da semana passada, onde comentávamos a
respeito da hipócrita relação promíscua existente entre a economia
mundial e o crime organizado, encerraremos nosso tema com a segunda
parte do texto, na qual dissertaremos sobre como o tráfico de armas
contrabandeadas, de homens, mulheres e criança para prostituição e
trabalho escravo, de produtos falsificados, de petróleo, de vida
selvagem e também o jogo de azar se constituem em veios alternativos
onde o capital consegue aumentar seus lucros, mediante a exploração e a
degradação de vida dos trabalhadores e da juventude.
O TRÁFICO DE ARMAS – O mercado ilegal de armas é estimado em 60 bilhões
de dólares por ano, representando cerca de 20% do total do comércio
mundial do setor. Por outro lado, a indústria bélica é responsável por
2,5% do PIB do planeta e influencia nas decisões dos governos de
intervir militarmente em conflitos com outros países e, até mesmo, em
guerras civis intestinas. Grande parte das guerras tem motivação
comercial na venda de armas, tanto no mercado legal quanto no ilegal.
Isso é tão nítido que é possível prever a eclosão delas, de um calhamaço
de ataques terroristas e conflitos bélicos a partir de estudos dos
fluxos do comércio de armas e dos gastos militares.
Os 11 maiores exportadores de armas são Estados Unidos, Rússia,
Alemanha, China, França, Inglaterra, Espanha, Ucrânia, Itália, Israel e
Bélgica. Os Estados Unidos são um complexo industrial-militar: só a
Austrália importou dos EUA, nos últimos anos, 36 caças Boeing FA-18
Super-Hornet, 6 Boeings C-17 Globemaster III, 6 aeronaves de alerta
aéreo antecipado marca Boeing 737 EW & C, e assinou contrato de
aquisição de 100 caças Lockheed Martin F-35 Lightining II.
A Gun Policy estima que, dos aproximadamente 81 milhões de armas de
fogo civis existentes na União Europeia, 79% são de origem ilícita,
sendo a Bélgica o principal centro de abastecimento bélico de
terroristas.
No caso do Brasil, armamentos de cano longo e calibre pesado costumam
vir do exterior para abastecer o narcotráfico – não se destinam
diretamente às milícias marginais, que, geralmente, compram armas dos
traficantes de drogas. A Baía da Guanabara, à noite, fica cheia de
falsos pescadores, que vão aos navios atracados contrabandear armamentos
para as favelas. Eles têm trânsito fácil naquelas águas interiores
porque as lanchas da Polícia Federal só trabalham até às 18 horas e
encerram o expediente logo após esse horário. Pelos portos de Santos e
Paranaguá entra todo tipo de contrabando sem que haja apreensão
significativa efetuada pela PF.
Também é comum armas e munições fabricadas no Brasil saírem da linha de
produção e caírem na mão do crime organizado, especialmente o revólver
calibre 38, por causa da falta de fiscalização e controle por parte do
governo. No Nordeste, as próprias lojas legitimamente estabelecidas
abastecem todo o crime organizado de lá (há “corretores” que compram
legalmente uma grande quantidade de armas e as revendem para as
organizações criminosas); e São Paulo possui alguns clubes de tiro que
abastecem o Primeiro Comando da Capital.
O TRÁFICO DE SERES HUMANOS – O tráfico de seres humanos é o terceiro
negócio ilícito mais rentável, depois das drogas e das armas. Esse
comércio ilegal inclui diversas formas de exploração sexual, incluindo a
prostituição, trabalhos forçados, escravatura, servidão e extração de
órgãos.
Segundo o Serviço Jesuíta para os Migrantes, o tráfico ilegal de seres
humanos movimentou cerca de 10 bilhões de dólares somente no ano de
2014, sendo que, naquela data, até dois milhões de crianças estavam
sujeitas à prostituição no comércio sexual mundial e 20,9 milhões de
pessoas foram vítimas do trabalho forçado (55% são mulheres e crianças).
Hoje, os números são mais elevados.
Os principais países de origem do tráfico de seres humanos situam-se no
Sudeste Asiático, seguidos pelos países da África Subsaariana, do Leste
da Europa, da América Latina e do Caribe, enquanto os principais
destinos são Estados Unidos, Europa Ocidental, Japão e Oriente Médio. Na
Moldávia, uma mulher pode ser vendida por 300 euros, valor que pode
atingir 3.800 euros quando os traficantes concluem o negócio em outro
país europeu. Lá chegando, os documentos são-lhe confiscados e ela é
obrigada a prostituir-se. Na Europa, há estruturas mafiosas com
infiltração na polícia, na política e na Justiça, as quais importam
milhares de mulheres estrangeiras enganadas – muitas delas são
brasileiras.
Existem redes de exploração sexual de crianças e compartilhamento de
pornografia infantil na Internet, com grande participação de provedores
da Rússia para a divulgação das imagens de menores nas redes sociais e
para realizar contato com outros pedófilos ao redor do mundo. O tráfico
de pessoas está relacionado com o mercado globalizado e seus impactos na
precarização do trabalho e na migração – e tem um componente
transnacional.
A quantidade de trabalhadores em regime de escravidão nas fazendas
brasileiras é imensa. Atraídos pela oferta de emprego com salários bons,
são geralmente levados em grupos pelos intermediadores até as fazendas,
mas, quando lá se encontram, não podem mais sair, sob o risco de serem
assassinados pelos capangas do fazendeiro. Labutam sem carteira assinada
e sem salário, perdem a saúde e não se comunicam mais com seus
familiares. Mediante denúncia anônima, a Polícia Federal e a
Fiscalização do Trabalho têm logrado algum êxito no combate ao trabalho
escravo, apesar do lobby que os inescrupulosos exploradores desse tipo
de trabalho efetuam junto à bancada ruralista e ao Poder Executivo
Federal, com o intuito de conseguir uma legislação que seja mais
tolerante para com essa exploração de trabalhadores rurais – haja vista a
recente portaria editada pelo Presidente Michel Temer facilitando o
trabalho escravo no Brasil. Apesar do esforço do Ministério Público, dos
fiscais e dos policiais federais, segue crescendo o número de
trabalhadores rurais em regime de servidão e escravidão.
O TRÁFICO DE ÓRGÃOS HUMANOS – O tráfico de órgãos humanos está cada vez
mais difícil de ser rastreado e punido. No Brasil, já se verificou a
presença de uma máfia com núcleo em São Paulo e ramificações por todo o
País, baseada em listas de clínicas particulares, paralelas à do Sistema
Nacional de Transplantes, com pessoas inscritas em consultórios
particulares aguardando por um órgão. Essa lista privada tem privilégios
com relação à do SNT.
Se na lista privada a pessoa oferece muito dinheiro e está muito
necessitada, a máfia apressa a morte do paciente “doador” para resolver
logo o problema. Há casos constatados de que o paciente estava vivo no
momento em que os médicos determinaram o transplante de seus órgãos.
Clínicas estrangeiras costumam pôr anúncios na Internet interessadas em
comprar órgãos humanos, aproveitando-se da vulnerabilidade econômica
das pessoas. Como exemplo, a Polícia Federal desarticulou uma quadrilha
que negociou a compra de rins de 19 brasileiros em Pernambuco. Eram
pessoas muito pobres a quem se convencia de que é possível viver apenas
com um rim, comprando, portanto, o outro rim do doador. Para tanto,
levavam os brasileiros para serem operados em clínicas na África do Sul,
pagando-lhes cerca de 90 mil reais para cada um. Ao retornarem para o
Brasil, convenciam outros pernambucanos carentes financeiramente a
venderem um rim.
O TRÁFICO DE PRODUTOS FALSIFICADOS – A falsificação de produtos é
comumente chamada de venda de mercadorias piratas ou, simplesmente,
pirataria. É uma atividade que apresenta baixo risco e alto rendimento.
A pirataria envolve uma cadeia de crimes que vai muito além dos
vendedores de produtos falsificados e que segmenta uma hierarquia
criminosa. Para que se tenha uma ideia de quão vultosa é a dimensão
desse comércio, apenas a venda de medicamentos falsificados na Ásia
Oriental, no Sudeste Asiático e na África equivale a cerca de 5 bilhões
de dólares por ano.
A venda de produtos falsificados facilita a lavagem de outras mercadorias ilícitas.
O TRÁFICO ILEGAL DE PETRÓLEO – O tráfico ilegal de petróleo é cometido,
principalmente, com o roubo do produto por meio de um oleoduto
secundário, não-autorizado, que é anexado a uma companhia principal,
onde o petróleo flui sob pressão, ou explodindo um oleoduto, que passa a
ficar fora de uso, dando tempo suficiente aos ladrões para levar o que
sobrou. Posteriormente, o petróleo roubado é carregado em navios-tanque e
vendido em diversos países.
Outra forma de roubo é preencher com petróleo os carregamentos nos
navios por meio de oficiais do controle de exportação. Esse esquema
envolve militares, empresas privadas e integrantes dos governos. Dessa
forma é que 10% do petróleo da Nigéria são roubados e contrabandeados
anualmente.
Segundo o Presidente russo Vladimir Putin, a agência espacial daquele
país europeu tem flagrado colunas de caminhões-tanque estendendo-se por
dezenas de quilômetros em estradas africanas e do Oriente Médio,
transportando petróleo contrabandeado pela organização terrorista Estado
Islâmico, que termina sendo vendido a diversas nações que compõem o
G-20.
O TRÁFICO DE VIDA SILVESTRE – O comércio ilegal de vida selvagem e
produtos madeireiros está avaliado em mais de 200 bilhões de dólares ao
ano. Ele ajuda a financiar milícias paramilitares e terrorismo, além de
ameaçar de extinção várias espécies e exercer pressão sobre os recursos
naturais. O tráfico de animais selvagens está fazendo desaparecer
elefantes, rinocerontes, lobos-guará e outras espécies.
O crime organizado tem rotas próprias para o comércio ilegal de animais
silvestres e sofisticados métodos de caça e tráfico ilegal.
OS JOGOS DE AZAR – Em todas as nações, é sempre o crime organizado que
explora a jogatina. Por trás dos cassinos legais, existe a lavagem de
dinheiro proveniente do narcotráfico, do tráfico de armas e de pessoas.
Nos Estados Unidos, a indústria do jogo arrecada 34 bilhões de dólares
por ano – Las Vegas é uma grande “lavanderia” a céu aberto.
No Brasil, são notórias as ligações do jogo do bicho com atividades
criminosas. Bicheiros dão dinheiro a delegados e agentes policiais para
manter seus negócios intocados. E quando os banqueiros do jogo suspendem
a propina, os arrecadadores do jogo são presos. Há prevaricação,
concussão, extorsão e lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores.
Bicheiros e traficantes costumam distribuir dinheiro para alguns
setores da sociedade. Nem a Associação Brasileira Interdisciplinar de
AIDS, dirigida, na época, por Herbert de Souza, o Betinho, escapou de
receber 40 mil dólares do já falecido bicheiro Castor de Andrade.
O jogo do bicho é apenas um dos negócios dos bicheiros. É normal o
envolvimento deles com o contrabando de armas e o tráfico de drogas. O
jogo do bicho guarda uma relação estreita com o tráfico ilegal de drogas
e armas, porque é através dele que essas e outras atividades ilícitas
lavam boa parte do dinheiro de suas transações ilegais.
CONCLUSÃO – Assim, por intermédio das atividades criminosas sobre as
quais discorremos no artigo publicado na semana passada e nesta presente
matéria, é que se esvai o dinheiro do cidadão e desvia-se verba e
patrimônio público. De acordo com a Global Financial Integrity (GFI), o
Brasil perdeu, em média, 1,5% do PIB ao ano entre 1960 e 2012, com a
entrada e saída de dinheiro criminoso.
Não há crime organizado sem um braço no Estado (polícia, Poderes
Legislativo, Executivo, Judiciário e Ministério Público). Em nosso país,
há uma alta capacidade de corromper agentes públicos.
A lavagem de dinheiro se faz por intermédio de atividades
regulamentadas pela institucionalidade da República, ao entrar
normalmente por meio de empresas formais, times de futebol, bancos,
financeiras, investimentos etc. Ocorre financiamento de campanhas
eleitorais por meio de dinheiro oriundo de organizações criminosas com o
objetivo de que os candidatos eleitos também trabalhem para o
afrouxamento das leis. Em suma, o crime organizado privatiza o agente
público e, a partir dele, privatiza o Estado a seu serviço.
Políticos, advogados e juízes negociam sentenças criminais para a
libertação de presos ou liberação de bens apreendidos em ações penais.
Existem esquemas de vendas de liminares e um mercado paralelo de
sentenças que quase não deixam vestígio, para favorecer políticos e
criminosos em geral. Lamentavelmente, parece que a institucionalidade
brasileira foi construída para defender os interesses dos poderosos,
protegendo os magnatas e aqueles que os representam. Além do mais, ela
estabelece uma série de dispositivos jurídicos que resguardam quem pode
pagar um bom advogado e conta com capital suficiente para comprar
sentenças.
Ora, não se pode confiar na institucionalidade que beneficia o capital em detrimento da sociedade em geral.
De qualquer forma, é bom que se saiba que, quando um cidadão compra um
simples baseado de maconha para usufruí-lo recreativamente, adquire um
CD “pirata” ou um falso “Rolex” vendido por um camelô, ou vai até o
apontador do jogo do bicho para fazer uma “fezinha”, na outra ponta se
encontram criminosos que se aproveitam da inocência do homem comum a fim
de espoliar uma nação inteira, com a conivência de uma
institucionalidade pronta para legitimar o crime e deixar impune um
sistema que se aproveita da ganância da economia mundial “moderna”.
Cruzeiro-DF, 4 de dezembro de 2017
SALIN SIDDARTHA