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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

João Doria, o auge como presidenciável e a queda como prefeito rejeitado em 2017

Quinta, 28 de dezembro de 2017
Nesta reportagem, mostraremos como 2017 foi o ano do auge e da queda de João Doria.

Ana Beatriz Rosa
Repórter de Vozes, Mulheres e Notícias, HuffPost Brasil

LATINCONTENT/GETTY IMAGES

2017 foi o ano do auge de João Doria como presidenciável e queda como prefeito rejeitado.

Eleito prefeito de São Paulo em primeiro turno em 2016, feito inédito na capital paulista, o empresário João Doria viu a sua popularidade decolar ao se encaixar em narrativas como a do antipetismo, do outsider da política e do gestor de sucesso.

Cercado pela imprensa, vestido de gari e com o slogan "Acelera SP", o gestor até prometeu doar o seu salário de R$ 24 mil para conquistar o voto do eleitor descrente com a política tradicional, cansado da corrupção, assustado com o déficit das contas públicas e perdido em meio à polarização do País.
Inicialmente apadrinhado por Geraldo Alckmin na política local, a promessa da novidade frustrou o eleitorado em seu primeiro ano de gestão. Em um ano, a rejeição ao prefeito triplicou.
"O prefeito João Doria conseguiu a entrada na dimensão que é mais fácil, que é a local. Embora ele seja um outsider em um primeiro momento, ele foi eleito por meio da política tradicional", explica o doutor em Ciência Política pela USP (Universidade de São Paulo) Rafael Cortez, da Tendências Consultoria.
Se, ao longo do primeiro semestre de 2017, chegou a existir um projeto presidencial de Doria, atualmente até a performance dele no comando da prefeitura é colocada em xeque. "Faltou gestão", admitiu o prefeito sobre problemas na zeladoria da cidade, que faz parte de um dos programas mais badalados por ele, o Cidade Linda.
Nesta reportagem, mostraremos como 2017 foi o ano do auge e da queda de João Doria.

NACHO DOCE / REUTERS
"Eu não sou político, sou um empresário, um gestor", repetia candidato João Doria à exaustão.

Doria, o outsider festivo da política

Em agosto de 2015, João Doria Jr. realizou um evento para lançar a sua pré-candidatura à Prefeitura de São Paulo pelo PSDB. Na presença de famosos como Ronnie Von, Carlos Alberto Riccelli e Bruna Lombardi, Doria afirmou que pretendia inovar, investir em tecnologia e "pensar grande" caso liderasse a maior capital do Brasil. No mesmo evento, declarou que o slogan da campanha seria "acelerar" o crescimento de São Paulo, em crítica à gestão anterior do petista Fernando Haddad.
A partir daquele momento, a figura impecável de Doria, sempre ereto, com sorriso no rosto, vestido de cashmere, cabelos milimetricamente arrumados e tingidos passou a ganhar espaço entre os paulistanos. Ao assumir o perfil de milionário e empresário de sucesso, até mesmo de "coxinha", o então candidato forjou a personagem de outsider da política apostando exatamente naquelas características que seus adversários julgaram como fragilidades.
"Eu não sou político; sou um empresário, um gestor", repetia o então candidato à exaustão.
Para o consultor Rafael Cortez, a construção desse político não-político vinga até certo ponto.
"Em outros países, os novos partidos não têm 'partido' no nome, justamente para se afastar desse cenário e tentar indicar alguma renovação política para esse mercado eleitoral desencantado com a velha política. O resultado efetivo dessa renovação e da vitória de um outsider depende do casamento entre a demanda por parte dos eleitores e a oferta de candidatos realmente não-tradicionais", argumenta.

ADRIANO MACHADO / REUTERS
Ao apostar no anti-petismo e na rejeição da política tradicional, João Doria soube ocupar o espaço e o voto do eleitor desencantado com a política.

Doria, o novo eleito pelos velhos métodos

O caminho de João Doria até o gabinete municipal contou com o apoio decisivo do governador Geraldo Alckmin. Ainda no início do ano eleitoral, Alckmin "peitou" boa parte do PSDB nacional ao apostar em Doria como candidato à prefeitura e, inclusive, foi acusado de utilizar a máquina pública para impulsionar a campanha do empresário. Mais tarde, soube-se que a gestão do governador chegou a pagar R$ 1,5 milhões em propaganda política às empresas de comunicação do grupo Doria.
O apoio de Alckmin foi fundamental para que o nome do empresário extrapolasse os limites do Jardim Paulista e conquistasse a maior coligação na disputa por São Paulo. Para Cortez, a necessidade desse "apadrinhamento" se dá, sobretudo, porque o sistema eleitoral brasileiro é pensado para "políticos profissionais".
Essa entrada por vias tradicionais da política, já em 2017, veio cobrar o seu preço. De acordo com a última pesquisa do Datafolha, em um ano, a reprovação de Doria triplicou e atingiu 39% e impôs limites a uma ascensão do projeto presidencial do prefeito.
"Ele foi eleito com um discurso anti-política, mas no seu mandato foi se aproximando dos políticos tradicionais. Ao fazer isso, entra em contradição com o seu eleitorado. O aumento do conhecimento da população sobre o Doria não gerou mais popularidade. Os outsiders, da mesma forma que emergem de forma mais rápida, têm mais dificuldade em manter esse capital político. Doria representa bem essa volatilidade", argumenta Cortez.
A parcela da população desencantada com a política é pragmática, busca resultado rápido e quer solução para os seus problemas, mas também é moralista, explica Milton Lahuerta, coordenador do laboratório de política e governo da Unesp.
"Para conquistar esse eleitor, o que vai pesar é a capacidade de articulação política e de expressar um horizonte de esperança. Esse espaço de centro está em disputa. O Doria queria ser o anti-Lula, mas de bom senso, só que não se mostrou à altura disso", defende o especialista.

PAULO WHITAKER / REUTERS
O apoio de Alckmin foi fundamental para que o nome do empresário João Doria extrapolasse os limites do Jardim Paulista e conquistasse a maior coligação na disputa por São Paulo

As crises na gestão Doria e a ruína de um projeto à Presidência

guerra contra os grafiteiros, os protestos contra o aumento da velocidade nas marginais, a operação policial na Cracolândia, a "ração" a ser distribuída na merenda escolar, a denúncia de jatos d'água em moradores de rua e a quantidade de viagens que retiravam o prefeito do gabinete em São Paulo distanciaram cada vez mais João Doria do eleitor.
Se o prefeito foi eleito com o discurso de oposição às práticas políticas já conhecidas - fisiologismo, corrupção e autoritarismo -, o que a gestão trouxe até então foi pouco inovadora, a despeito das técnicas de marketing político digital e o uso profissional das redes sociais, argumenta Lahuerta.
"Não existe a crise da gestão em 2017. Ocorreu uma sucessão de medidas ou espetáculos pirotécnicos que levaram à erosão da credibilidade do Doria. Ele não tem uma agenda política de longo prazo e não mostra uma agenda para a cidade. É um discurso sempre midiático. Isso não tem como levá-lo muito longe em uma cidade tão complexa como São Paulo. Como político, ele é uma comédia", crítica o pesquisador em ciências políticas.
Outro ponto enfrentado por Doria é a dificuldade de se tornar um nome forte até mesmo dentro do PSDB em São Paulo. Para Rafael Cortez, o projeto do prefeito foi feito de forma muito individualizada e, ao romper com bases políticas já existentes, ele foi ficando cada vez mais alijado.
"O projeto pró-Doria pertence a um núcleo muito pequeno e encontra esses limites. A busca pelo voto de massa, de um eleitorado cada vez maior e mais distante da política, depende de institucionalizar e tornar coletivo esse apoio. São questões complexas, principalmente em uma sociedade que não participa do processo político com muita constância."
Para Lahuerta, houve uma excessiva precipitação na tentativa de Doria de fazer o seu nome ser conhecido nacionalmente em um projeto de pré-campanhapresidencial. As inúmeras viagens do político, ocorridas em meados de 2017, causaram divergência até mesmo dentro do seu grupo de apoio. Alguns achavam que o prefeito deveria estar mais presente no gabinete, outros que ele deveria "acelerar".
"Doria conseguiu criar atrito com toda a classe política a quem ele devia sua própria eleição. Se incompatibilizou com o Alckmin e até com o Fernando Henrique Cardoso. Se ele tinha qualquer chance no início do ano, elas se esvaíram", analisa Lahuerta.
Essa reação existe porque a atividade política é, sobretudo, reputacional, explica Rafael Cortez.
"A construção de candidaturas é feita em acordos. Eu peço seu apoio hoje em troca de um apoio amanhã. Mas não há nenhuma garantia que eu vá cumprir esses acordos", comenta o consultor. "Do ponto de vista da reputação, Doria é eleito por um acordo costurado pelo Alckmin e se torna rival do governador em uma disputa presidencial. A política não tem contratos formalizados, e é a reputação que proporciona a base entre as coalizões. Mas construir essa reputação não é uma atividade trivial."
Para o vereador Mario Covas Neto (PSDB-SP), João Doria é o segundo nome do partido caso Alckmin não venha a liderar a corrida à Presidência. O vereador valoriza a capacidade de comunicação do prefeito, mas admite que o político frustrou as expectativas do seu eleitorado no primeiro ano de sua gestão.
Covas Neto remete a problemas de orçamento e contenção de gastos, mas aposta na concretização de privatizações e concessões para que a prefeitura decole nos próximos anos.
"A partir de 2018, vai sobrar mais recurso e teremos uma resposta melhor da população. O prefeito é um comunicador nato e esse foi o grande sucesso inicial da administração. Mas isso criou uma expectativa muito alta. O tempo foi passando, e a população viu que os problemas não foram resolvidos com rapidez, então ele perde a credibilidade. Mas isso faz parte do processo", reflete Covas Neto, em entrevista ao HuffPost Brasil.

ADRIANO MACHADO / REUTERS
A possível candidatura de Geraldo Alckmin à presidência vai mostrar o peso do mainstream, apesar da procura pela novidade por parte dos eleitores.

O que resta para Doria e o PSDB em 2018?

Passado o frisson em torno do nome de João Doria, o PSDB parece caminhar para uma opção já conhecida pelos paulistas. Geraldo Alckmin já está no quarto mandato como governador do estado e sua possível candidatura à Presidência em 2018 vai mostrar o peso do mainstream, apesar da procura pela novidade por parte dos eleitores.
"É uma aposta na política tradicional. Ele não é carismático, não faz movimentos bruscos e tem como atributo a paciência política. Se essa será a aposta, ele é um dos nomes que menos sofreu com as investigações judiciais, e a expectativa é que ele possa mobilizar esse eleitorado de centro que está disperso ou ainda não definiu um nome", argumenta Rafael Cortez.
Já para Doria, os próximos passos carecem de projetos concretos e um entendimento mais amplo sobre o País, argumenta Milton Lahuerta.
"Não basta apostar na mera lógica da antipolítica. Quanto mais se aproxima da definição, o eleitor busca alternativa que lhe parece mais sóbria e confiável. Não basta que um outsider chegue com um discurso revolucionário. Com qual apoio político você vai construir essa transformação?", conclui o pesquisador.

João Doria 'vira' gari em São Paulo