Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Que Natal queremos, o do templo e seus vendilhões? Ou o Natal Cristão dos explorados, humilhados e ofendidos?

Terça, 19 de dezembro de 2017
Do Blogue Náufrago da Utopia
Celso Lungaretti

Nascido numa estrebaria, era filho de José, o carpinteiro






Esqueçam o Papai Noel que a Coca-Cola vestiu com suas cores e a apoteose do consumismo. O que o mundo realmente celebra (ou deveria celebrar) no Natal é a saga de um filho de carpinteiro que trouxe esperança a pescadores e outras pessoas simples de um país subjugado ao maior império da época.

Os primeiros cristãos eram triplamente injustiçados:
  • economicamente, porque pobres;
  • socialmente, porque insignificantes;
  • e politicamente, porque tiranizados.

Jesus Cristo nasceu três décadas depois da maior revolta de escravos enfrentada pelo Império Romano em toda a sua existência.


As mais de 6 mil cruzes fincadas ao longo da Via Apia foram o desfecho da epopeia de Spartacus, que, à sua maneira rústica, acenou com a única possibilidade então existente de revitalização do império: o fim da escravidão. Roma ganharia novo impulso caso passasse a alicerçar-se sobre o trabalho de homens livres, não sobre a conquista e o chicote.

Vencido Spartacus, não havia mais quem encarnasse (ou pudesse encarnar) a promessa de igualdade na Terra.
Kirk Douglas no papel de Spartacus 

Jesus Cristo a transferiu, portanto, para o plano místico: todos os seres humanos seriam iguais aos olhos de Deus, devendo receber a compensação por seus infortúnios num reino para além deste mundo.

Este foi o cristianismo das catacumbas: a resistência dos espíritos a uma realidade dilacerante, avivando o ideal da fraternidade entre os homens.

Hoje há enormes diferenças e uma grande semelhança com os tempos bíblicos: o império igualmente conseguiu neutralizar as forças que poderiam conduzir a humanidade a um estágio superior de civilização.

A revolução é mais necessária do que nunca, mas inexiste uma classe capaz de assumi-la e concretizá-la, como o fez a burguesia, ao estabelecer o capitalismo; e como se supunha que o proletariado industrial fizesse, edificando o socialismo.

AS AMEAÇAS DE CATÁSTROFES 
E O FANTASMA DO RETROCESSO

O fantasma a ora nos assombrar é o do fim do Império Romano: ou seja, o de que tal impasse nos faça retroceder a um estágio há muito superado em nosso processo evolutivo.

O capitalismo hoje produz legiões de excluídos que fazem lembrar os bárbaros que deram fim a Roma; não só os que vivem na periferia do progresso, mas também os miseráveis existentes nos próprios países abastados, vítimas do desemprego crônico.

E as agressões ao meio ambiente, decorrentes da ganância exacerbada, estão atraindo sobre nós a fúria dos elementos, com conseqüências avassaladoras. Décadas de catástrofes serão o preço de nossa incúria.

"Se os prósperos voltarem as costas aos excluídos, estes morrerão como moscas"

"Se os prósperos voltarem as costas aos excluídos, estes morrerão como moscas"
No entanto, como disse o grande jornalista Alberto Dines, “criaturas e nações cometem muitos desatinos, mas na beira do abismo recuam e escolhem viver”.

Se a combinação do progresso material com a influência mesmerizante da indústria cultural tornou o capitalismo avançado praticamente imune ao pensamento crítico e à gestação/concretização de projetos alternativos de organização da vida econômica, política e social, tudo muda durante as grandes crises, quando abrem-se brechas para evoluções históricas diferentes.

Estamos em plena contagem regressiva, encaminhando-nos para o momento em que as contradições insolúveis do capitalismo acabarão desembocando numa depressão tão terrível como a da década de 1930; e em que nos veremos gravemente ameaçados pela sucessão de emergências e mazelas que decorrerão das alterações climáticas.

O sofrimento e a devastação serão infinitamente maiores se os homens enfrentarem desunidos tais desafios. Caso as nações e os indivíduos prósperos venham a priorizar a si próprios, voltando as costas aos excluídos, estes morrerão como moscas.
"...a solidariedade, ao invés do egoísmo..."

O desprendimento, em lugar da ganância; a cooperação, substituindo a competição; e a solidariedade, ao invés do egoísmo, terão de dar a tônica do comportamento humano nas próximas décadas, se as criaturas e nações escolherem viver.

E há sempre a esperança de que os mutirões criados ao sabor dos acontecimentos acabem apontando um novo caminho para os cidadãos, com a constatação de que, caso se mobilizem e organizem tendo o bem comum como prioridade suprema, eles aproveitarão muito melhor as suas próprias potencialidades e os recursos finitos do planeta.

Então, para além deste Natal mercantilizado, que se tornou a própria celebração do templo e de seus vendilhões, vislumbra-se a possibilidade de outro. O verdadeiro: o Natal cristão, dos explorados, dos humilhados e ofendidos.


Se frutificarem os esforços dos homens de boa vontade.