De Caros Amigos
Por José Arbex Jr.
“Ouvi
aqui: ‘O Temer está muito frágil, coitadinho, não sabe governar.’ Conversa! Fui
secretário de Segurança Pública duas vezes em São Paulo e tratava com bandidos.
Sei o que fazer no governo e saberei como conduzir”, declarou o presidente
interino Michel Temer, em 24 de maio, ao cumprir os primeiros 12 dias de
governo, logo após a renúncia de Romero Jucá da pasta do Planejamento.
Dando
ênfase às suas palavras, Temer dá um murro na mesa, para mostrar que ele sabe,
mesmo, governar. Estabelece, portanto, uma equiparação, um sinal de igualdade,
uma identidade entre “governar” e “tratar com bandidos”. Nada e ninguém poderia
definir de modo mais preciso e exato o que significa a entrada de Temer no
Planalto. O bando que tomou o palácio, por ele chefiado, não tem um projeto de
País ou, sequer, um plano de governo. Não tem qualquer estratégia endereçada a
satisfazer as demandas de uma sociedade atingida por uma gravíssima crise
econômica, com todas as suas consequências, incluindo a principal, o
desemprego. Não tem nada a oferecer, a não ser mais miséria e repressão: ordem
e progresso, nas palavras do próprio Temer.
As
primeiras semanas de governo já mostraram que as suas ações cumprem, apenas, o
propósito de revogar as poucas conquistas sociais asseguradas pelos governos
petistas, com o objetivo de alcançar o superávit primário destinado a engordar
os cofres de banqueiros, especuladores e financistas mafiosos, e garantir as
condições políticas para o processo de contínuo saqueio das riquezas nacionais.
As medidas incluem, em suas linhas gerais, corte de verbas para o sistema
público de educação e saúde, ataque ao sistema previdenciário e trabalhista,
privatizações aceleradas de estatais, e a permissão para a exploração
irrefreada e sem controle do subsolo, da biodiversidade e das riquezas naturais
(tudo devidamente assegurado pela medida provisória 727, de 13 de maio, que
garante ao “mercado” o patrocínio de meios fornecidos pelo Estado, mediante o
estabelecimento de “parceria de investimentos”). Este é o seu horizonte: não há
mais nada além disso. Ponto final. Inútil tentar encontrar, por trás de suas
ações governamentais, os ensinamentos de uma escola ou orientação filosófica
qualquer, de uma doutrina econômica, de uma concepção sobre como deveriam ser
estabelecidas as relações entre Estado e sociedade. Não há o que discutir,
argumentar, raciocinar. A selvageria foi instalada. É simples assim.
O
seu emblema bem poderia ser a foto do encontro, em 25 de maio, entre Alexandre
Frota e o ministro da Educação Mendonça Filho, quando o estuprador confesso
pediu o fim da ideologia política e de gênero nas escolas (no mesmo dia, aliás,
em que, por uma ironia do destino, eclodia o escândalo de uma adolescente
vítima de um estupro coletivo no Rio de Janeiro). Os atos do presidente
policial prenunciam um caos muito maior do que o deixado pela hedionda ditadura
militar. O regime dos generais, ao menos, era portador de uma visão de País que
implicava um projeto de industrialização capaz de gerar 10 milhões de empregos.
Os
generais tinham uma visão de futuro, do lugar que o Brasil deveria ocupar entre
as nações, independentemente, é claro, da opinião que se possa ter sobre a
qualidade e a natureza de seu projeto. O “milagre brasileiro” aconteceu: entre
1969 e 1974, a economia cresceu a um ritmo de 10% ao ano. Quando os militares
foram apeados do poder, em 1985, deixaram um País dotado de certa
infraestrutura industrial, com uma classe média minimamente consolidada. A
atual gangue no Planalto não tem nenhuma visão de futuro. Não tem compromisso
com qualquer sistema ideológico, nem sequer com o neoliberalismo dos anos 1990,
anunciado pelo Consenso de Washington, cujos profetas pretendiam articular um
discurso supostamente civilizado, em defesa das “virtudes do mercado” e contra
o autoritarismo do Estado (nada mais contrário ao pressuposto neoliberal do
que, por exemplo, a já mencionada MP 727). Mas, tampouco se trata de um governo
neoconservador, como o chefiado por George Bush, nos Estados Unidos. Não é
neoconservador, por não pretender conservar coisa alguma. Ao contrário: não tem
respeito por qualquer tradição, instituição ou costume característico da vida
nacional (não por acaso, quis eliminar, logo de cara, o Ministério da Cultura,
considerado um inútil consumidor de verbas). Nem desenvolvimentista, nem
neoliberal, nem neoconservador: a gangue de mafiosos chefiada por Temer não
está vinculada a qualquer sistema ideológico coerente, nem preocupada com a
construção de coisa alguma. É formada por representantes da lumpemburguesia, disposta
a rifar o País, se isso lhe render lucros.
Os
principais integrantes da gangue são, todos, associados ao capital especulativo
transnacional, seja por vínculos diretos com o mercado financeiro (banqueiros e
especuladores), seja por associações ao agronegócio e ao mercado de títulos e
commodities negociados em bolsas de valores de mercados futuros. A própria base
de sustentação da camarilha que habita o Planalto ofereceu uma demonstração
disso, no fatídico 17 de abril, quando foi votada pela Câmara dos Deputados a
abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Os deputados provocaram
consternação mundial, mesmo entre aqueles que apoiaram o movimento pelo
impeachment, ao mostrar a sua face patética, fundamentalista evangélica, crua e
primária: até a “libertação de Jerusalém” foi invocada contra uma presidente
legitimamente eleita. Mesmo o príncipe Fernando Henrique Cardoso reagiu com
surpresa diante da falta de reação de seu próprio partido, o PSDB, à
inacreditável apologia da tortura feita, na ocasião, por Jair Bolsonaro.
Exatamente por não ter nada a oferecer, exceto mais miséria, fome e desemprego,
Temer confunde “governar” com “reprimir”.
A
polícia torna-se o grande eixo organizador da vida social. Mas, ao fazê-lo,
Temer coloca-se em sintonia com o que está acontecendo no mundo em geral.
Multiplicam-se movimentos neonazistas, fascistas, xenófobos e autoritários, em
toda a Europa (onde o neonazista austríaco Norbert Hofer obteve 49,7% dos
votos, no final de maio, quase abocanhando o cargo de primeiro-ministro) e nos
Estados Unidos (onde são bem representados pelas duas faces da mesma moeda,
Donald Trump e Hillary Clinton). Vivemos os desdobramentos bárbaros de uma
situação caótica, exposta pela crise eclodida em 2007, que revela a fragilidade
do edifício capitalista em agonia.
Os
vários setores da burguesia mundial disputam entre si os espólios do que resta
da economia mundial, e arrastam nessa disputa milhões de vidas ceifadas pela
destruição de estados nacionais (como no caso da Líbia, Síria e Iraque), pela
fome, por guerras e pestes. O mundo se parece, cada vez mais, com a descrição
proposta por Margaret Thatcher: não há sociedades, há apenas indivíduos e suas
famílias, que olham apenas por seus próprios interesses. Temer está em boa
companhia. Resta apenas saber se ele conseguirá derrotar a resistência, cada
vez mais ativa e maior, ao seu governo destruidor.