Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Os dois lados de uma avenida chamada Brasil

Quarta, 11 de abril de 2018
Texto publicado ontem (10/4) no blog da professora Fátima Sousa*

Hoje, vi o quanto nossa democracia necessita ser cuidada.

Acreditei que já tínhamos ganho todas:

1- No movimento da Anistia, juntei-me às vozes que entoaram com a força da nossa alma pela “volta do irmão de Henfil”.


2- No movimento pelas “Diretas já”, tomamos as ruas, avenidas e praças. A da Sé, por exemplo, durante a festa da Esperança em busca da democracia, trago gravada em minha memória. Uma democracia filha de mulheres e homens que não temeram em conquistá-la. O que está em risco, em disputa, é o significado das instituições democráticas e suas mais diversas formas de expressá-las, e mais, como ela se apresenta, e se representa.

3- Assembleia Constituinte, outra conquista. Minha geração enche o peito para dizer, essa obra tem minhas mãos, mente e coração.

Hoje, ao viver, outra vez, as motos rodando, o helicóptero sobrevoando, os carros da polícia, a cavalaria, não tive dúvidas. A democracia ou a barbárie. 

Foto: Natália Fernandes


Nessa disputa, não devemos personalizar.
Fulano não gosta de Beltrano, todos(as) a priori, desconfiam uns dos outros. Pensamentos dessa natureza, colocam as verdadeiras raízes dos projetos em disputa, na régua dos que se escondem embaixo das mesas. Uma medição medíocre, pois, no atual estado de crise política, ética e cultural, não sobrou muito espaço para meio termo. Ou é uma coisa, ou é a outra. Cada um que escolha seu lado.



Portanto, as conquistas de outrora não são apenas simbólicas, são concretas. São projetos em jogo, com valores e visões de mundo completamente opostos.



Nós, os(as) construtores(as) da democracia, sempre por meios pacíficos, não podemos silenciar. Não podemos ficar indiferentes à violência, qualquer que seja ela, institucional ou pessoal. Isto porque, o tamanho do estrago de hoje, maltratará o futuro severamente.



Falo dos modos de edificarmos as instituições por dentro, muitas vezes em silêncio, outros, confiados aos “pares”, melhor aos “ímpares”, sob os olhares dos indiferentes, que rondam no mundo construindo outras narrativas, capazes de confundir até os ditos progressistas e democráticos.



O salão do Estado Democrático de Direitos não acendeu suas luzes hoje. Não falo em “resistência”, pois esse é nosso dever. Falo de deixarmos explícitas as propostas de seguirmos ampliando nossas conquistas e zelando pelos passos já percorridos.



Por isso, seria ingênuo dizer que o que aconteceu hoje, na Esplanada dos Ministérios, em caminhada, repito, pacífica, foi apenas um ato de resistência. Somos seres políticos por essência, experientes sobremaneira para resistir no entorno de causas perdidas.



O que vimos hoje, foi o uso da força bruta do Estado, e sabemos todos da arrogância, intolerância, da maldade de muitos que pensam que contra o braço armado do Estado ninguém pode.



Sabemos que os(as) que ali estavam eram mulheres, mães de família, homens, pais que só queriam um Direito: o de trabalhar e ter seu salário para viver com dignidade.



Não éramos soldados. Muito menos guerrilheiros. Senão lutadores em busca de luzes que iluminem a esperança da garantia do emprego e renda que sustentam seus filhos.



Ali ninguém disputava a revolução, a não ser a de uma UnB livre das piores doenças da humanidade: o ódio, a violência, a indiferença e a dureza para com os espaços individualistas, cinzas, sem poesia das ciências da humanidade.


Foto: Raelma Paz


A Polícia, braço armado do governo de patrão, não poderia usar a força para um ato unificado da comunidade UnB. Nosso movimento era para dizer, a muitos de nós, que nossa obrigação mais cara e urgente é dizer em alto e bom som que estamos do outro lado da avenida, chamada Brasil, e que nesse lugar cabe todos que defendam os direitos à educação, humanos, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Do outro lado, somente atiram as pedras sem saberem o seu desenrolar.



Os projetos são diferentes, as formas de conduzi-los também, as apostas, sobretudo, não podem ser confundidas. As conquistas, estas sim, dependem de nós.


*A Professora Maria Fátima de Sousa é Diretora da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB