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(Millôr Fernandes)

domingo, 12 de julho de 2020

O Equacionamento Político das Forças Armadas no Brasil

Domingo, 12 de julho de 2020
Do


Link da música incidental para ouvir, enquanto lê o texto:
Por Salin Siddartha
O general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz, ex-Ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, chegou a afirmar em entrevista que o Exército “não marcha” ao lado do Governo de Bolsonaro. Entrementes o Governo de Jair Bolsonaro não titubeia em tentar valer-se das Forças Armadas para ameaçar a sociedade brasileira com a possibilidade de instauração de um autogolpe de inspiração militarista. Um dos seus filhos até mesmo disse que o Governo fecharia o Supremo Tribunal Federal usando apenas um soldado e um cabo, o que, evidentemente, se trata de um vilipêndio.
As Forças Armadas servem ao Estado brasileiro, e não a um partido político, todavia, o Governo Bolsonaro tenta usá-las como se fossem milícias de um partido político, mesmo não havendo movimento das Forças Armadas favorável a um golpe de Estado com o Presidente Jair Bolsonaro. Deveras, foi dessa maneira que o ex-Comandante do Exército, general Villas Boas, interveio no pleito eleitoral de 2018, para assegurar o afastamento do candidato indesejado (Lula) e garantir a vitória do candidato de sua preferência (Bolsonaro).
Almejando cooptar os quartéis, certamente com o objetivo de intentar um autogolpe, o Governo Bolsonaro criou um núcleo militar, o que chegou a levar os líderes de partidos no Congresso Nacional a verem com cautela, e até mesmo temor, a predominância de militares no primeiro e segundo escalão do Governo, principalmente nos postos mais importantes do Palácio do Planalto. Todavia, desde o início do governo de Bolsonaro, os militares se posicionaram de forma antagônica aos componentes “ideológicos” daquele governo, que têm como influenciador o misto de astrólogo, terraplanista, escritor e pretenso “filósofo” Olavo de Carvalho, que, por algumas ocasiões, postou ofensas contra os militares nas redes sociais e também os achincalhou em entrevistas. De qualquer jeito, o Exército é visto como a grande força de sustentação de um dos governos mais incapazes e corruptos da história brasileira.
É realístico reconhecer que, em toda História do Brasil, as Forças Armadas nunca chegaram próximas de uma etapa revolucionária, nem mesmo em 1935. Por sua vez, as fortes manifestações de cabos e marinheiros no início da década de 60, no Rio de Janeiro e em Brasília, não passaram de ações esquerdistas precipitadas, constituindo-se mais como atos de indisciplina militar provocados por infiltrações da CIA e dos reacionários da ultradireita militar, que só conseguiram fazer com que a tropa se retraísse, inclusive os oficiais e praças nacionalistas. É preciso que as esquerdas brasileiras tenham isso em conta.
Por outro lado, sobrevieram omissões irreparáveis na política que os Governos Lula/Dilma empreenderam em relação aos quartéis. Proveio logo do início do primeiro governo do PT procurar fazer com que os militares se adstringissem apenas à segurança pública, no combate à violência interna, inclusive sob o equivocado pretexto, utilizado principalmente na atualidade, de que se empenhem menos gastos com a defesa nacional. Ora, também é requisito de governabilidade articular os militares de forma a coadunar-se a composição armada do Estado dentro de aspectos estratégicos da defesa nacional, pautada por uma séria política e comando irradiada do poder civil, a partir do seu Comandante-em-Chefe, qual seja, o Presidente da República. Saber o Presidente coordenar a área militar depende de ele estar sendo bem assessorado por uma equipe de oficiais de alto nível; portanto o governante máximo da nação precisa ocupar-se também com os aspectos militares do Estado, de modo a que não sirvam de pedra de tropeço ao comportamento democrático deles em sua gestão, e é necessário que o Presidente prive com muitas pessoas no meio militar, ter em volta de si auxiliares militares que sejam seguidores de suas ideias e aceitem bem sua orientação. Em suma, o Presidente tem de conhecer bem as questões da caserna, até mesmo na hora de efetuar promoções. Afinal, é no nível político que se encontra todo o aspecto fundamental para o enfrentamento dessa questão. Tudo o mais é consequência.
As Forças Armadas são parte constitutiva da população brasileira, cuja concepção democrática precisa ser resgatada. Nesse aspecto, é superimportante um esforço de reaproximação com a sociedade civil para o desafio de pensar a Nação, porque o imperialismo sempre será nosso principal inimigo.
Foi o imperialismo estadunidense o principal articulador do Golpe de 1964. Ainda que, a bem da verdade, o penúltimo Presidente da República do ciclo militar, o general Ernesto Geisel, a despeito de seu passado antinacionalista, tenha procurado capacitar o País com a construção de um avanço tecnológico na área da informática, lastimavelmente, foi tudo totalmente desmobilizado e destruído a partir do seu sucessor, o general João Batista de Oliveira Figueiredo, que propiciou à indústria multinacional tomar conta do mercado da tecnologia da informação, tanto no setor de softwere quanto no de hardware. Isso foi provocado pelos banqueiros e o mercado financeiro mundial, responsáveis pela mudança de rumo no interior da política que era posta em prática pelos militares no governo ditatorial de Geisel, com a escolha do General João Batista Figueiredo para Presidente da República, cuja gestão deu uma guinada de abandono ao viés nacionalista que era executado pelo ex-Presidente Ernesto Geisel. Em verdade, frise-se que foi também o Presidente Ernesto Geisel que, em março de 1977, denunciou o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, revertendo o absoluto comprometimento do Brasil com a indústria bélica estadunidense, na tentativa de consolidar uma política de independência nacional nesse terreno. E, dessa maneira, um tardio, mas inicial destino de soberania nacional que começou a tomar lugar no ciclo dos governos militares estancou-se de forma tal que nunca mais foi retomado, nem com os governos civis que se instalaram em nossa pátria.
Malgrado a Ditadura ter acabado em 1985, em todos os governos civis que administraram o Brasil, desde o Governo de José Sarney, os líderes políticos brasileiros esqueceram que um país só pode ser forte militarmente se dispuser de condição para mobilizar-se industrialmente, em caso de necessidade – não adianta importar armamentos e depois ficar na dependência externa de fornecimento de munição ou peças de reposição.
É fato que as Forças Armadas de nosso país têm exercido uma função contraditória, contudo isso tem acontecido porque elas estão inseridas nas condições históricas da realidade nacional, que também é contraditória. No futuro, elas poderão voltar a ter papel progressista e, até mesmo, revolucionário, na medida em que os militares democratas, forçados pelas circunstâncias conjunturais internacionais e nacionais forem adquirindo consciência da realidade.
Cruzeiro-DF, 11 de julho de 2020
SALIN SIDDARTHA