Brasil na orfandade — morre aos 72 anos Getúlio Vargas
Artigo postado hoje, 22 de agosto de 2025, no
PÁTRIA LATINA — 22 de agosto de 2025
Pedro Pinho*
Na madrugada da quarta-feira, 24 de agosto de 1954, morreu com um tiro no peito o estadista Getúlio Dornelles Vargas. No 2º clichê, o jornal Correio da Manhã estampa, em matéria editorial: “Recusou a Renúncia”.
Foto: Arquivo Memorial da Democracia
Qual crise passava o Brasil para gesto tão extremo daquele que, 24 anos antes, era aplaudido pelo povo por onde passava na marcha gloriosa da Revolução Nacionalista, do Rio Grande do Sul ao Rio de Janeiro, então Distrito Federal?
A crise da vida adulta ocorre quando a pessoa ou o país não tem quem o oriente, precisa assumir o caminho que escolhera, enfrentar sua independência. O psicólogo Arthur Andrade, em “Crise de Idade: o que é e como lidar com ela” (05/07/2024), escreve: “não existe somente uma crise de idade, ela pode acontecer em diversos momentos da vida. Sendo assim, podemos pensar tanto num conflito interno que acontece no início da vida adulta (dos 20 aos 30 anos) ou até na clássica “crise de meia-idade”, que aparece, geralmente, por volta dos 40 anos”. E prossegue: “as crises ocorrem, pois não vemos o nosso momento de vida da forma que gostaríamos”.
Getúlio, desde o primeiro mês de Presidente, no Governo Provisório de 1930, já demonstrara sua preocupação com a verdadeira independência do Brasil, tendo como base um povo instruído e saudável, numa república que igualaria, em direitos e deveres, capital e trabalho. Recordando, em 3 de novembro de 1930, suspensa a Constituição de 1891, Getúlio é designado Presidente do Governo Provisório até que se elaborasse a nova constituição brasileira.
Passados somente 11 dias de governo, Vargas cria pelo Decreto nº 19.401, de 14 de novembro, o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública. Estas obrigações do Estado estiveram em mãos privadas, quase exclusivamente religiosas, desde 1549, quando Tomé de Sousa implanta o 1º Governo Geral, em cumprimento da Carta Régia do Rei de Portugal Dom João III, excluído o curto período de 19 de abril de 1890 a 30 de outubro de 1891, quando existiu a Secretaria de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, no primeiro governo republicano do Marechal Deodoro da Fonseca, ocupada pelo militar e professor Benjamin Constant Botelho de Magalhães. Em outubro de 1891, voltou a ser conduzida pelos interesses privados até o Decreto de Vargas.
Qual a importância de o Estado conduzir a Instrução?
Em “Os Analectos”, obra na qual Confúcio (552 a.C.-489 a.C.) deixou registrados seus ensinamentos, a primeira regra é estudar. “Não é um prazer, uma vez que se aprendeu algo, colocá-lo em prática nas horas certas?” (Livro I, 1).
Para este Brasil desgovernado, submisso a interesses financeiros, em que a parcela dos 0,1% mais rica cresce cinco vezes mais que a média dos brasileiros, que os 0,01% mais ricos (16 mil pessoas) detinham, em 2023, 6,2% da renda nacional (Monitor Mercantil, artigo de Aislan Loyola em 19/08/2025) não apenas estudar “Os Analectos”, mas como surgiram, é verdadeira condição de se posicionar politicamente para imprimir o rumo correto do interesse nacional.
As considerações que se seguem foram extraídas de obras da sinóloga francesa Anne Cheng (1955).
A China – que viu nascer Kong Fu Zi (Mestre Kong) e foi a catequizada pelos jesuítas, em 1600, tendo ocidentalizado o nome para Confúcio – era composta de países vassalos, também denominados Primaveras e Outonos, retirados dos Anais do período Chunqiu (722 a.C. a 481 a.C.). O que se sabe desta época vem destas crônicas e das tradições.
“Paralelamente à decadência do poder central”, escreve Anne Cheng, “desenvolve-se um cinismo político que desdenha todo o senso ético”. Parece o Brasil dos últimos 40 anos, de 1985 até hoje.
Para Confúcio é a perda do “Tao”, do “Caminho”, da “soma das verdades”, de algo que se constrói. O pensamento de Confúcio modela o homem, donde se pode falar do seu “agnosticismo”, de sua ética essencialmente fundada em valores humanos. No Livro VII, item 25, de “Os Analectos” se lê: “O Mestre ensina quatro matérias: cultura, conduta moral, fazer o melhor possível e ser coerente com aquilo que diz”.
Como estava o Brasil antes de Vargas?
Prosseguia um país colônia, afastado do interesse nacional de soberania e da construção da cidadania. Fica evidente quando se examina a institucionalização do Estado. O que correspondia ao Provedor-mor de Tomé de Sousa, no Império e na República antes de Vargas, eram o Ministério da Fazenda, o da Indústria e Comércio e algumas funções distribuídas pelo Ministério da Justiça e Negócios Interiores e outras instituições subordinadas ao Presidente. Ao Ouvidor-mor cabiam as funções jurídicas e policiais, dos futuros Ministros da Justiça e Negócios Interiores, do Poder Judiciário e polícias estaduais. Ao Capitão-Mor da Costa todas as organizações militares. Outras funções do Estado ficavam com o Governador-Geral e com o Imperador, no Império, e com o Presidente, na República.
O verdadeiro poder até Getúlio era exercido pelos credores do Brasil, que, desde a chegada da família real, constituíam-se de bancos ingleses. Último verdadeiro sucessor da Era Vargas, o Presidente Ernesto Geisel governou com 21 órgãos que lhes eram diretamente subordinados: 17 ministérios, dois gabinetes – civil e militar, o Serviço Nacional de Informações e o Estado Maior das Forças Armadas. O Ministério Lula, em 2023, iniciou com 38 órgãos diretamente subordinados para compor a aliança governamental de 11 partidos. Já houve alterações nestes dois anos de governo.
Getúlio Vargas dá início à institucionalização do Estado Nacional Brasileiro. Embora fora do ensino de nossa história, esta iniciativa de Vargas deve ser entendida como o verdadeiro 7 de setembro, a Independência do Brasil. É até irônico, se não fosse trágico, imaginar que o Brasil se tornasse independente mantendo não só o mesmo tipo de governo, o imperial de uma família governante, como nem mesmo trocasse a família, que continuou sendo os Braganças, que passaram a governar dois países: Portugal e Brasil. Portugal teve quatro famílias reinantes: afonsina, criada com o reinado de Dom Afonso Henrique; a joanina ou do mestre de Avis, finda com Dom Henrique; a filipina, de 1580 a 1640, e a dos Braganças, que prosseguiu no Brasil até 15 de novembro de 1889, e, em Portugal, termina com Dom Manuel II, em 1910.
Na “construção da cidadania” cabe ao Estado Nacional planejar, organizar, empreender, acompanhar, fiscalizar diretamente dois conjuntos de atividades: as construtoras da cidadania e as mantenedoras da soberania nacional, como se seguem.
Educar, para que a instrução seja universal, atinja todos os brasileiros, seja também laica, integral, isto é, ensine-se o currículo para domínio das ciências, das técnicas, das letras, das artes, de esportes e exercícios físicos, da história, da política e, obviamente, de tudo que envolva a cidadania e a ética.
Garantir a saúde, com a prevenção das vacinas, com alimentação, com higiene, com acompanhamento periódico da situação física, tratamentos, medicamentos, cirurgias, diagnósticos e hospitalização.
Com projetos de urbanização, moradias e mobilidade urbana, proporcionando habitação em ambiente sadio e sem poluição, com facilidade de acesso aos locais de trabalho, de ensino, de lazer, de atendimento à saúde e dos bens indispensáveis à vida.
Garantia dos direitos é outra condição para construção da cidadania. Colocar a garantia dos direitos como poder independente, nem ocorria na Roma Republicana, nem é da tradição brasileira. É uma imposição colonizadora para que o Brasil fosse considerado um país democrático. No entanto, observe sem preconceito, o caro leitor. Em que país a população mais participa das decisões do Estado? É na China, que o jovem aos 14 anos se prepara para ser cidadão e participante das decisões do partido, que será discutida nos organismos de governança, desde o bairro, nos distritos, nas províncias até as decisões nacionais.
Por que mais de um partido se o interesse político é defender a soberania nacional e a formação e condição de vida da sociedade? Em sã consciência o brasileiro pode dizer que vive num estado democrático, quando todas as decisões obedecem às plutocracias financeira e fundiária?
E na construção da cidadania também se insere a comunicação. O permanente diálogo do povo com o Estado, seja para criticar, para apoiar a medida em discussão, a questão não entendida, o diálogo esclarecedor e que definirá a decisão pública. Com os sistemas de comunicação, os equipamentos, as linguagens, esta comunicação é das mais simples de implantar e das mais necessárias num país continental e populoso como o Brasil.
A soberania não se constrói com forças armadas, mas com estas defensoras de nossa autonomia e toda pesquisa científica, tecnológica, teórica, aplicada, industrial, agrícola, mineral e sobretudo das fontes primárias de energia e dos recursos aeroespaciais.
Veja-se a trajetória de Getúlio, leia-se seu Diário, observem-se seus colaboradores e opositores, e terá o sonho deste Estadista e a reles moral de seus adversários.
Por isso, ao completar 71 anos de sua imolação ao altar da Pátria, todos brasileiros nacionalistas, anti escravagistas, que sabem ser a educação a mais importante ação pública, recorda Getúlio e sofre pela sua ausência.
*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.