Quarta, 17 de dezembro de 2025
Transição energética: fatos e fakes em três tópicos
Postado originalmente no PÁTRIA LATINA de 15 de dezembro de 2025
Pedro Augusto Pinho*
DEDICATÓRIA E APRESENTAÇÃO
Estes três artigos são dedicados ao político nacionalista ROBERTO REQUIÃO, que acompanhamos a trajetória desde a década de 1990, quando governou o Estado do Paraná. Nunca nos decepcionou pela integridade pessoal, pelo preparo político e pelas opções nacionalistas. É em sua homenagem que transcrevemos, na sequência, este trecho do artigo que Requião escreveu para comemoração dos 60 anos da Associação dos Engenheiros da Petrobrás – AEPET.
“O Estado brasileiro já perdera, dos desastrosos anos do governo de Fernando Henrique para cá, o controle sobre seu próprio destino, o comando de boa parte dos instrumentos que poderiam alavancar o desenvolvimento nacional e possibilitar aos brasileiros uma vida digna. Em nome de tal “modernidade”, sabotou-se a plena vigência da Constituição Cidadã, diminui-se o Estado, privatizou-se e concedeu-se à ganância das corporações nacionais e multinacionais, promoveu-se a agiotagem da dívida, submeteu-se aos abutres do capital vadio. Depois da desdita neoliberal fernandista, que os governos seguintes não refrearam, o que restou para chamar de nosso na pátria amada?” (Roberto Requião, “A Petrobrás e a Soberania Nacional”, abril de 2021, in “AEPET 60 anos de luta e convicção em defesa da Petrobrás”, 2021).
O Brasil, desde a sucessão do Presidente Ernesto Geisel, foi tomado pelas finanças apátridas. Foi início das deformações, das farsas e falácias, da imensa e nunca vista corrupção que tomou a política e a governança nacional, com nefastas consequências para formação do próprio povo, cada vez mais desinformado e subordinado à bandidagem.
A saga da Petróleo Brasileiro S.A. PETROBRÁS, em qualquer país que não fosse dominado pelos interesses estrangeiros, que não tivesse vergonha de sua nacionalidade, seria cantada em prosa e verso e orgulharia os jovens e os velhos.
A criação do Conselho Nacional do Petróleo (CNP) foi o resultado da luta de pioneiros, os tenentistas dos anos 1920, que conseguiram o Decreto nº 4.265, de 15 de janeiro de 1921, (Lei de Minas) e, em 29 de abril de 1938, no poder com Getúlio Vargas, obtém o Decreto-Lei nº 395. Era a vitória dos nacionalistas, dos industrialistas, dos desenvolvimentistas, sobre o rentismo e o poder agrário exportador.
O desmonte da Petrobrás tem início com o movimento de redemocratização da década de 1980, quando a soberania nacional e seus alicerces são substituídos pela ideologia neoliberal da competitividade entre desiguais e da supremacia financeira.
A Petrobrás teve seu primeiro Plano Básico de Organização elaborado pelo futuro Ministro Hélio Beltrão. Foi trabalho de excepcional qualidade que enfrentou as crises do petróleo do período 1968-1980, acolheu as mudanças na economia mundial e nacional, os distintos projetos industriais, tecnológicos, culturais de Vargas, Juscelino, João Goulart, Costa e Silva, Médici e Geisel, mas no sentido do desenvolvimento brasileiro, e na oposição aos de Humberto Castelo Branco e sua quadrilha.
O desmonte da Petrobrás começa pela agressão aos princípios que regeram o trabalho de Hélio Beltrão. Não apenas com a organização onde os meios prevalecem sobre os fins, porém, ainda mais grave, com a reforma estatutária onde o poder sobre as ações da empresa sai não só do âmbito da Companhia mas do próprio País.
O economista Sylvio Massa de Campos, criador da Petrobrás Distribuidora BR, diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobrás AEPET, no mesmo livro da citação de Roberto Requião que abre este artigo, escreveu “Mentirosos, Mentirosos, Mentirosos”, trazendo-nos à memória o célebre bordão de Tancredo Neves, quando foi anunciada, em subserviente Congresso, a derrubada do presidente João Goulart: “canalhas, canalhas, canalhas”.
E Sylvio Massa recorda a canalhice mais recente que transcrevemos: “Esse ferrenho combate à Petrobrás, à sua estrutura industrial integrada, efetivando a venda de rentáveis ativos, sob várias alegações, que não resistiriam à análise honesta dos números, tem sua origem ostensiva na orientação ideológica publicada pelo Globo, em 21/1/1992, do representante da Shell, sr. Robert Broughton, que “condicionava os investimentos da Shell no Brasil à extinção do monopólio e que os preços do petróleo e dos combustíveis fossem alinhados com os internacionais e as companhias estrangeiras tivessem algumas facilidades para começarem a atuar em um mercado longamente monopolizado”.
A Petrobrás Distribuidora BR foi vendida, em junho de 2019, pelo governo de Jair Messias Bolsonaro para VIBRA, que é uma empresa de gestores de ativos, como se vê na composição de seus sócios proprietários: Dynamo, Samambaia Master Fundo, BlackRock, Lazard, Previ e outros. Assim, sem qualquer identidade operacional com a distribuição de derivados de petróleo, não nos surpreenderá que especule com os ativos da BR, alienando-os para lucros rápidos e máximos.
Em 1987, como antecedendo a dominação neoliberal sobre a energia, José Walter Bautista Vidal, que colocou o Brasil na contemporaneidade criando, no Governo Geisel, o Proálcool, ou seja, o pioneiro programa de energia da biomassa, escreveu “De Estado Servil A Nação Soberana”, onde se lê:
“A crise energética internacional, consequência das alterações ocorridas nas condições tradicionais de suprimento mundial de petróleo, atingiu cada País de modo diverso”.
Antes de prosseguir na reflexão de Bautista Vidal, coloquemos a informação fundamental para que o leitor compreenda onde está a “crise do petróleo”: na dispersão geográfica das acumulações deste hidrocarboneto.
Preliminarmente não se deve adicionar às reservas de óleo e gás natural o que é obtido pelo fraturamento hidráulico do xisto betuminoso. Esta técnica, injetar água, areia e produtos químicos sob alta pressão nos folhelhos betuminosos, é o primeiro passo ao qual se segue a transformação do betume em óleo ou gás. Por conseguinte não é um produto saído dos arenitos como o petróleo. Mas há ainda outro inconveniente. Os dejetos deste processo industrial são danosos ao meio ambiente, contaminando aquíferos, cursos d’água, terrenos, podendo mesmo provocar pequenos sismos.
Por conseguinte, nas reservas de petróleo, existentes em 2020, que totalizavam 1532 bilhões de barris, não estão computados os resultados de fracking no Canadá e nos Estados Unidos da América (EUA).
A maior quantidade de petróleo encontrava-se no Oriente Médio, 54% de todo então existente, na soma da Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Catar, Omã, Iêmen e Síria: 826 bilhões.
Seguia-se a América Latina, graças à Venezuela, detentora da maior reserva de petróleo no Planeta, 303,8 bilhões de barris. O Brasil com o pré-sal também aparece com volume significativo que coloca a América Latina com 364 bilhões de barris (Venezuela, Brasil, México, Equador, Argentina, Colômbia, Peru, Guatemala e Bolívia), 24% das reservas mundiais.
Em terceiro lugar estava a África, com 115 bilhões, 7% do total mundial, onde se destacavam a Líbia, Nigéria, Argélia e Angola. Completando 96% das reservas mundiais está a Rússia, com 108 bilhões de barris (7% do mundo), e seis países Comunidade dos Estados Independentes (CEI), destacando-se o Cazaquistão.
Estes dados já explicam muitas guerras e muitas “informações científicas”, pois como se viu, nem os EUA nem a Europa Ocidental têm petróleo para se manter. Como única exceção existe a Noruega, com 8,5 bilhões de barris de reservas, menos do que o Brasil (27 bilhões de barris), mas para a população de 5,5 milhões de pessoas, equilibrada quanto ao gênero, o que faz exigir imigrantes. O Brasil tinha 104.548.325 (51,5%) mulheres e 98.532.431 (48,5%) homens, em 2022.
Voltemos ao professor Bautista Vidal analisando a crise da década de 1970.
“No caso brasileiro, foi no setor transportes, hipertrofiado no segmento rodoviário, que ela mais intensamente se manifestou. Com efeito, em outros setores fundamentais, também atrelados ao petróleo e por isso afetados pela crise, as conversões requeridas para utilização de combustíveis alternativos, internamente disponíveis, não exigiam mais que algumas remontagens na infraestrutura”.
Conforme o Balanço Energético do Brasil, para 1980, a demanda total de energia primária estava na faixa de aproximadamente 843 milhões de barris de petróleo. Apesar de ligeira queda no consumo de óleo combustível, entre 1979 e 1980 (cerca de 2,1%), os combustíveis fósseis, especialmente o petróleo, ainda eram a espinha dorsal da matriz, respondendo por parcela majoritária da oferta interna de energia. Aliado à lenha, representavam a maior parcela do suprimento e do consumo de energia no Brasil.
A energia hidráulica já tinha participação significativa na matriz de energia elétrica (não na matriz energética total), mas ainda não era tão dominante quanto se tornaria nas décadas seguintes, com as hidrelétricas construídas durante os governos militares, após 1967: Usina Hidrelétrica de Itaipu, de Tucuruí, de Balbina, e de Ilha Solteira.
Houve o proposital erro na construção da matriz energética brasileira, promovido pelo presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), de promover a industrialização com a fabricação de carros por empresas estrangeiras que se estabeleceram no País. Com isso, não só desfiguramos a matriz energética como não desenvolvemos tecnologia nacional para transporte rodoviário. Foi a submissão aos interesses estrangeiros pela qual continuamos pagando ainda hoje, ainda piorada com a privatização da Eletrobrás pelo hoje presidiário Jair Bolsonaro (Lei nº 14.182/2021), em seu período presidencial 1/1/2019-31/12/2022.
II - 0 verdadeiro objetivo da transição energética
Quando se trata da energia, existe preliminar fundamental: quem será responsável pelo seu planejamento, fornecimento e controle. Porque apenas o Estado Nacional soberano poderá atender a todo país, com garantia de permanente assistência, com qualidade do que é entregue e custos acessíveis à economia nacional. Entregue à iniciativa privada, se não levar ao monopólio privado, certamente será criado cartel, oligopólio ou criminosa colusão ou conjuração contra o povo consumidor e o Estado ausente.

