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(Millôr Fernandes)
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sábado, 12 de agosto de 2023

SEMENTE —Por que Margarida Alves não foge da luta? Legado histórico segue em Marcha há 40 anos

Sábado, 12 de agosto de 2023

Na década de 80, Margarida Alves se tornou a primeira mulher a presidir um sindicato de trabalhadores rurais - Reprodução

História de coragem da líder sindical está presente em reivindicações contemporâneas de mulheres em todo o Brasil

Daniel Lamir
Brasil de Fato | Recife (PE) | 12 de Agosto de 2023

O "andar junto" das edições da Marcha das Margaridas tem um sentido mais amplo que o numérico. A expectativa de 100 mil mulheres cobrando direitos em Brasília, nos próximos dias 15 e 16, se soma a uma coletividade de vozes, coragem e esperança afirmadas pela história da líder sindical assassinada há exatos 40 anos.

Pisando o chão do mesmo território de Margarida Alves, hoje a também líder sindical Roselita Vitor, da rede de sindicatos paraibanos do Polo da Borborema, sugere uma consciência histórica que ultrapassa o olhar restrito a apenas homenagens a sua conterrânea.

"Margarida expressa que é 'melhor morrer na luta do que morrer de fome' na certeza de que não era uma mulher só", define Rose, como é conhecida, ao espelhar as lutas populares contemporâneas com a de décadas atrás.

A frase emblemática de Margarida Alves no dia 1º de maio de 1983 retratava uma luta sindical iniciada nos anos 1970, em que trabalhadores e trabalhadoras de canaviais não tinham nenhum direito, no sentido literal.


"No sindicato de Alagoa Nova [na Paraíba], a gente perguntava se o dinheiro dava para o povo comer durante a semana. Tinha uns trabalhadores que diziam que não, que a comida só dava até quarta-feira", recorda a agricultora Maria de Lourdes Sousa, conhecida como Dona Quinca, de Remígio (PB).

Em plena ditadura militar, Margarida não se intimidou com latifundiários e governantes de extrema direita da região, alas da sociedade que não queriam ouvir falar em temas como carteira de trabalho, jornada de oito horas, 13° salário, descanso semanal, férias e licença maternidade.

"Naquela época, nos anos 1980, os canavieiros na Paraíba não tinham nenhum direito. Descobriu-se daquela época que a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) tinha chegado a Pernambuco e Alagoas, mas na Paraíba ainda não tinha", recorda o sindicalista Manoel Antônio de Oliveira, assentado da reforma agrária, no Engenho Geraldo desde 1984, em Alagoa Nova (PB).

A cada ano, um dos treze municípios do Polo da Borborema é escolhido para a realização do ato da Marcha / Foto: Túlio Martins

Na resistência contra os direitos trabalhistas, se destacava o chamado Grupo da Várzea, formado por famílias ricas e com poder político no estado da Paraíba. A articulação envolvia donos de vastas extensões de terras e usinas de processamento de cana de açúcar. Em Alagoa Nova, um dos locais mais emblemáticos neste cenário de opressão era a Usina Tanques, contra a qual Margarida Alves movia dezenas de ações judiciais por exploração trabalhista.

Para o professor e historiador Jadson Vieira, de Alagoa Nova, "existiam várias Usina Tanque na Paraíba, no sentido da exploração. E Alagoa Grande aglutinava essa relações de conflito". Ele lembra que a legislação trabalhista era uma realidade no país, mas disputada no cenário rural do Brejo paraibano.

"Então, esse contexto histórico faz com que esse conflito cresça e Margarida traga isso para as suas lutas. Nesse processo de construção de uma identidade de liderança camponesa e sindical, Margarida inova, sobretudo, num processo em que ela traz para as pautas de lutas da época uma inserção num contexto de mulher", ressalta Jadson.