Sexta, 11 de agosto de 2023
Mais de trinta anos se passaram desde a enunciação do Consenso de Washington. E tudo piorou muito para as sociedades, as coloniais e as colonizadas.
Pedro Augusto Pinho*
INTRODUÇÃO
Estas reflexões decorrem de palavras. Tiveram, como todo produto cultural, um tempo e um lugar. Porém marcaram situações que foram aproveitadas pelos poderes de outros tempos e de outros lugares até adquirirem sentidos excludentes, segregadores. O poder que não surja do povo sempre necessitará apontar inimigos, criar cizânia.
Thomas Carlyle, na “História da Revolução Francesa” (1837), escreve: “toda a morte é apenas a morte-nascimento”. Este historiador e ensaísta escocês, que entendeu as mudanças pelas quais a sociedade humana está sempre percorrendo, não pôde deixar de assinalar que o “ceptro está partindo das mãos de Luís” mas sua posse continuará mudando de mãos.
Os termos “esquerda” e “direita” apareceram durante a Revolução Francesa de 1789, quando os membros da Assembleia Nacional se dividiam em, à direita do presidente, os partidários do rei e os simpatizantes da revolução, à sua esquerda. E, desde então, passou-se a entender que a esquerda desejava mudanças, maior participação e atendimento ao povo em geral, e a direita a manutenção do status quo, do mesmo sistema e poder.
Porém, a partir do retrocesso das sociedades euro-estadunidenses e suas colônias com a vitória das finanças apátridas, em 1989, direita e esquerda passaram a indicar a submissão ou a independência aos mandamentos do decálogo “Consenso de Washington”, elaborado por financistas sediados na capital dos Estados Unidos da América (EUA), que nada tinha de consensual, pois impedia até mesmo o desenvolvimento do capitalismo industrial.
Porém ficou o rótulo empregado, ora por ignorância ora por má fé, principalmente nas comunicações políticas das mídias hegemônicas. Há sentido?
I PARTE
O intelectual senegalês, Alioune Diop (1910-1980), chamado por Léopold Senghor de “Sócrates Negro”, festejando a publicação do beninês Albert Tévoédjrè (1929-2019), em 1958 (“L’Afrique Révolté”, Présence Africaine, Paris), exclamou: “eis que nova geração de africanos eleva sua voz”. Uma voz de esquerda? De direita?
Recordando Carlyle, a voz que então pedisse o capitalismo seria a voz da esquerda, para a região que lutava pelo seu reconhecimento, conforme as distintas formações étnicas. Pois toda a África, que participara da II Grande Guerra como colônia, exigia sua individualidade e sua independência. A região de Diop, Senghor, Tévoédjrè, por exemplo, compreendia a imensidão da África Ocidental Francesa.
A Carta do Atlântico (1941), firmada pelo primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, e pelo presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Franklin Delano Roosevelt, parecia tratar apenas da Europa, pois nem os EUA ainda haviam formalmente nela sido envolvidos. Os segundo e terceiro pontos, de seus oito, não deveriam despreocupar senão europeus — os ajustes territoriais devem concordar com os desejos das populações afetadas e o reconhecimento do direito à autodeterminação dos povos — inimagináveis que eram para africanos e asiáticos.
O caminho para independência na África passou pela “negritude”, movimento que juntou as maiores expressões da intelectualidade: Aimé Césaire, Léopold Senghor, Alioune Diop, Jomo Kenyatta, Kwame Nkrumah, Julius Nyerere, Félix Houphouët-Boigny, Ahmed Sékou Touré entre outros.
Porém encontrou nas mãos colonizadoras a mobilização forçada para a guerra que não era deles, e os que permaneceram em suas casas sofreram tanto quanto os alistados. Além da guerra, ao prestar serviço militar, na Birmânia ou na Índia, encontraram a mesma sede da independência e lá ganharam conhecimentos de estratégias e táticas de luta. E, ao fim, vitoriosos, não lhe aguardavam quaisquer prêmios, recompensas ou indenizações, fazendo-os notar, sem qualquer dúvida ou desculpa, que europeus e africanos seriam sempre tratados diferentemente.
Via-se, então, que as dimensões da esquerda-direita não se davam apenas no tempo, também ocorriam nos espaços, eram diferentes conforme os lugares.
PÓS-CONSENSO DE WASHINGTON
Mais de trinta anos se passaram desde a enunciação do Consenso de Washington. E tudo piorou muito para as sociedades, as coloniais e as colonizadas.
No entanto, a farsa da globalização permanece. Global nem o ar que respiramos, frio aqui, quente ali, limpo cá, poluído acolá. Tudo que ocorre tem o lugar e o tempo, inclusive a esquerda e a direita.
O mundo multipolar é o futuro, é a transformação, a esquerda, se nosso âmbito de análise são os continentes. Se focamos um determinado e único lugar, a esquerda pode ser o governo forte, que tenha o projeto de desenvolvimento integral, não somente econômico, para seu país, como veremos em Singapura, “cidade dos leões”.
Pela ilha de Temasek, de 641 km², ao sul da península Malásia, chegaram, na era cristã, chineses, que formam atualmente 76% da população. Até o século XVI, por lá andaram os mongóis, os reinos vizinhos de Sião, Java e Malaca, até aportarem os portugueses, que a abandonaram em 1613. Ficou por muito tempo entregue à sorte. Em 1819, o inglês Thomas Stamford Raffles constrói um porto, o posto comercial Singapura, da Companhia Britânica das Índias Orientais. Ora junto à península, ora isolada, o arquipélago de Singapura ficou sob gestão colonial do Reino Unido até o pós-II Grande Guerra.
Em maio de 1959, o Partido da Ação Popular ganhou por vitória esmagadora. Singapura tornou-se estado autônomo dentro da Commonwealth, tendo Lee Kuan Yew como o primeiro primeiro-ministro.
A República de Singapura foi conquistada em agosto de 1965, com Lee Kuan Yew como primeiro-ministro e Yusof bin Ishak como presidente. As revoltas raciais surgiram mais uma vez em 1969. Em 1967, o país co-fundou a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Lee Kuan Yew tornou-se primeiro-ministro, e o país passou da economia do Terceiro Mundo para o abeiramento ao Primeiro Mundo em única geração.
O atual primeiro-ministro, Lee Hsien Loong, encontra-se em seu terceiro mandato, e ocupa o cargo desde 2004. Ele é o filho mais velho de Lee Kuan Yew, falecido em março de 2015.
Singapura é exemplo de esquerda ou direita?