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quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Gaisel e a trajetória nacionalista: de Vargas a 1964

Quarta, 12 de agosto de 2020
Por
Pedro Augusto Pinho*

Em julho de 1932, o então tenente Ernesto Geisel, integrante do Destacamento Daltro Filho, enfrentou as unidades comandadas pelo Coronel Euclides de Figueiredo, na contrarrevolução liberal centralizada em São Paulo. Quarenta e sete anos depois, o filho do Euclides de Figueiredo, João Batista, participaria do golpe na sucessão do Presidente Ernesto Geisel que faria mudar a condução nacionalista pela neoliberal na administração brasileira.

A respeito da participação de Geisel nas tropas legalistas em 1932, escreve Fernando Jorge (As Diretrizes Governamentais do Presidente Ernesto Geisel, Edição do Autor, SP, 1976): “Ernesto Geisel tinha o direito de acreditar nas boas intenções de Getúlio Vargas. O jovem soldado foi um revolucionário de primeira hora, era fiel cumpridor dos seus deveres, e portanto um defensor da legalidade”.

Findo o movimento militar, Geisel retorna ao nordeste. Não mais ao Rio Grande do Norte, onde fora, em 1931, Secretário do Interior, Secretário-Geral do Governo e Chefe do Departamento de Segurança Pública. O tenente iria para Paraíba comandar a 7ª Bateria de Artilharia de Dorso, e em seguida a Sétima Bateria de Montanha, acumulando as funções militares com a de Secretário de Fazenda, Agricultura e Obras Públicas.

Conforme depoimento de João dos Santos Coelho Filho à revista Veja (in Fernando Jorge, citado), Geisel mandou confeccionar ternos e nunca compareceu à Secretaria fardado. E o Secretário Geisel conseguiu estabilizar as finanças do Estado e receber créditos monetários da União, devidos desde 1908, pelo seu “esforço pessoal”, conforme assinalou o Ministro da Viação José Américo de Almeida. O já Marechal Juarez Távora salientou a visão administrativa de Geisel naquele cargo paraibano.

O movimento comunista encontra o capitão Ernesto Geisel, em 27 de novembro de 1935, ao lado do tenente-coronel Eduardo Gomes defendendo a Escola de Aviação do Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro. Vendo as ideias radicais e os seus aproveitadores, tanto à esquerda quanto à direita, sem dúvida pode concluir pelo necessário equilíbrio da conduta, como se verá repetir nos diversos cargos civis e militares que iria ocupar.

Entre os movimentos políticos, sob o véu das ideologias em conflito naqueles tempos, que antecedem e correm até o fim da II Grande Guerra, o capitão Ernesto Geisel se dedica aos cursos de formação de oficiais, onde sempre se destaca pelo aproveitamento. Após concluir a Escola de Estado-Maior do Exército, é promovido a major. E nesta patente frequenta os cursos de aperfeiçoamento nos Estados Unidos da América (EUA).

Em 1945, como Chefe do Estado-Maior do General Álcio Souto, participa da deposição de Vargas. E, com a ascensão de Eurico Dutra, o major Geisel tem sua primeira função junto à Presidência: Chefe da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional. Em 1947 assume a função de Adido Militar junto à Embaixada do Brasil no Uruguai e, em 1948, é promovido a tenente-coronel.

Retornando ao Brasil é designado adjunto do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) e nesta condição torna-se um dos fundadores (1949) da Escola Superior de Guerra (ESG), diretamente vinculada ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.

Na passagem pela ESG, como membro do Corpo Permanente, debateu com o tenente-coronel Golbey do Couto e Silva e o coronel Rodrigo Octávio Ramos assuntos de interesse interno da Escola, mas, primordialmente, a Organização Administrativa e a Soberania Nacional. Um dos princípios defendidos pela ESG era a necessidade do planejamento e da estrutura administrativa capaz de o implementar, considerando os diversos aspectos da realidade brasileira.

Neste período é aprovada a criação da Petrobrás, que passa a operar, em 1954, com os 413 poços produtores e uma refinaria recebidos do Governo.

Em agosto de 1954, Café Filho assume a chefia do Governo com o suicídio de Vargas. O coronel Geisel já o conhecia pela sua passagem no Rio Grande do Norte e vai servir, por pouco tempo, como Subchefe do Gabinete Militar da Presidência da República. Em setembro de 1955, é colocado à disposição da Petrobrás onde será o Superintendente Geral da Refinaria Presidente Bernardes (RPBC), em Cubatão (SP), até janeiro de 1956, quando o abate a tragédia da morte acidental de seu único filho homem.

Retorna às funções militares e passa a servir, desde abril de 1957, na Chefia da Secção de Informações do Estado-Maior do Exército, que acumula com a de representante do Ministério no Conselho Nacional de Petróleo (CNP).

É significativo o seu parecer na disputa entre a Petrobrás e uma empresa privada pela construção da fábrica de borracha sintética, do qual transcrevemos parte:

“O desmedido lucro, assim proporcionado pela indústria, contraindica a atribuição do empreendimento ao capital privado, parecendo mais razoável utilizar esse lucro como recurso complementar no desenvolvimento futuro da indústria nacional de petróleo”. Coube à Petrobrás construir a FABOR (Fábrica de Borracha Sintética) por sete votos a um. O Presidente do CNP, general Mário Poppe de Figueiredo, convencido pela argumentação do relator Geisel, abandonou o costume do voto apenas para desempate e foi mais um dos sete vitoriosos.

Com a transferência da capital do Brasil, em 21 de abril de 1960, Geisel recebe o Comando Militar de Brasília e da 11ª Região Militar do Distrito Federal. Mas continua no CNP se inteirando da situação do petróleo e seus derivados no Brasil e realizando estudos na área da distribuição que desagradavam políticos, como o Senador João Lima Teixeira (1909/2000), do Partido Trabalhista Brasileiro da Bahia (PTB-BA).

As crises de 1961 levaram à Presidência da República o deputado paulista Paschoal Ranieri Mazzili, do Partido Social Democrático (PSD), que designou para chefia do Gabinete Militar, então sem titular, o general Ernesto Geisel.

No episódio, onde os colegas de farda se colocaram contra o retorno e posse do vice-presidente João Goulart (Jango), o general Geisel, fiel ao acordo celebrado entra as correntes políticas do Congresso e o Presidente em exercício, colocou seu cargo à disposição, caso não houvesse aprovação dos ministros militares ao parlamentarismo, como proposto na emenda constitucional.

A atitude firme e decidida de Geisel evitou um golpe militar e possibilitou que a decisão não fosse conduzida pelas idiossincrasias das corporações, mas que se respeitasse a decisão do povo, por seus representantes, e pelo futuro plebiscito já previsto.

Deve-se registrar que a renúncia de Jânio Quadros frustrou um grande contingente da classe média, onde está a maioria absoluta dos oficiais das três armas, que havia levado Getúlio ao suicídio. Episódio que evitara a revisão das conquistas nacionalistas: econômicas, trabalhistas, sociais e culturais que mudaram o Brasil no que se chamou a Era Vargas.

A ação equilibrada, que resguardava os compromissos com os parlamentares, do general Geisel, ganhou o respeito, mesmo diante da discordância, da cúpula militar. Pode-se dizer que a diversificada experiência militar e civil nestes últimos trinta anos, havia formado um líder esclarecido, que sabia distinguir interesses nacionais daqueles corporativos e de classe social.

Desde janeiro de 1963, Jango estava com seus direitos de presidente recuperados pela insofismável maioria que lhe apoiara no plebiscito. Pesquisas de opinião, divulgadas muito depois de 1964, dão conta que a popularidade de João Goulart superava 50%, em todas as enquetes.

O que se viu, no entanto, foi um enorme despreparo político, administrativo e mesmo de conteúdo ideológico das frentes de esquerda naquele momento histórico. Imaginavam que estar na antessala era ter assumido o poder e com discursos, palavras de ordem, manifestações davam a entender uma capacitação que estavam muito longe de ter, além da mobilização das massas impossível de se realizar.

Geisel, como quase toda oficialidade da época, via, temeroso das consequências, aqueles rompantes. E disto se aproveitaram os segmentos mais conservadores, reacionários e entreguistas, com recursos de planejamento, comunicação de massa e financeiros dos EUA, para aplicarem o golpe de 1964.
É preciso registrar que militares nacionalistas, como Albuquerque Lima, Andrade Serpa, Ademar de Queirós, Euler Bentes, Adalberto Pereira dos Santos, almirantes Faria Lima e Barros Nunes, o então capitão da aeronáutica Sérgio Ferolla entre outros, participaram de 1964, abertamente ou com reservas. A expectativa era a retomada mais tranquila do processo desenvolvimentista, herança da Era Vargas. E muito contou, além do histórico profissional, o temperamento de Ernesto Geisel para que fosse escolhido Chefe do Gabinete Militar de Castello Branco.

No Governo Castello Branco chegaria a general de exército, em 1966, e a ministro do Superior Tribunal Militar, em 1967.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

*Transcrito do MONITOR MERCANTIL, primeiro de uma série de quatro artigos que sairão às quartas-feiras, a partir de 12 de agosto de 2020.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Ditadura assassina! Geisel autorizou execuções de opositores durante ditadura, diz CIA

Sexta, 11 de maio de 2018
O memorando diz que deveriam ser mortos os "perigosos subversivos"

Por Agência Brasil*  Brasília e Denver (EUA)

Documento tornado público pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos mostra que o ex-presidente Ernesto Geisel (1974-1979) autorizou que o Centro de Inteligência do Exército (CIE) continuasse a política de execuções sumárias contra opositores da ditadura militar no Brasil adotadas durante o governo de Emílio Garrastazu Médici, mas que limitasse as execuções aos mais “perigosos subversivos”.

O memorando de 11 de abril de 1974, assinado pelo então diretor da CIA (serviço de inteligência dos EUA) Willian Colby e endereçado ao então secretário de Estado Henry Kissinger, afirma que o presidente Geisel disse ao chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) à época, João Baptista Figueiredo, que se tornou presidente entre 1979 e 1985, que as execuções deveriam continuar.

Segundo o documento, Geisel e Figueiredo concordaram que quando o CIE detivesse alguém que poderia cair na categoria de subversivo perigoso, o chefe do Centro de Inteligência do Exército deveria consultar o general Figueiredo que, por sua vez, deveria dar sua aprovação antes da execução. De acordo com o texto, Figueiredo insistiu na continuidade das execuções e Geisel fez comentários sobre os aspectos potencialmente prejudiciais da questão e pediu para refletir sobre o assunto no final de semana, antes de tomar uma decisão.

A publicação perdeu o sigilo em dezembro de 2015, mas o documento ganhou publicidade nesta quinta-feira por meio do professor Matias Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV). Nas redes sociais, onde divulgou o documento, o professor disse que "este é o documento mais perturbador que já li em 20 anos de pesquisa: Recém-empossado, Geisel autoriza a continuação da política de assassinatos do regime, mas exige ao Centro de Informações do Exército a autorização prévia do próprio Palácio do Planalto".

O memorando relata que o encontro teria ocorrido em 30 de março de 1974 entre Geisel, Figueiredo e os generais do CIE Milton Tavares de Souza (então comandante do centro) e Confúcio Danton de Paula Avelino (que assumiria o comando do CIE posteriormente). Ainda segundo o documento, o general Milton Tavares de Souza afirmou, na reunião, que cerca de 104 pessoas que entraram na categoria de subversivos foram sumariamente executadas pelo CIE no ano anterior.

O texto revela que, no dia 1º de abril, Geisel informou ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que era preciso assegurar-se de que apenas “subversivos perigosos” fossem executados. Os militares acertaram também que o CIE deveria dedicar quase todos os esforços ao combate da “subversão interna”.

Para Spektor, o memorando “é a evidência mais direta do envolvimento da cúpula do regime (Médici, Geisel e Figueiredo) com a política de assassinatos”.

O memorando de número 99 faz parte de uma série intitulada Foreign Relations of the United States (Relações Exteriores dos Estados Unidos) e documenta a história das relações dos Estados Unidos com a América do Sul entre 1973 e 1976.

Apesar de os EUA terem retirado o sigilo em 2015, o primeiro e quinto parágrafos do texto sobre a reunião permanecem sigilosos.

O documento original está arquivado no escritório do diretor da CIA em Washington. A transcrição está disponível online em um site do governo federal norte-americano.

Em nota, o Exército Brasileiro informou que os documentos que poderiam comprovar as afirmações foram destruídos, de acordo com norma da época que visava preservar informações sigilosas. "O Centro de Comunicação Social do Exército informa que os documentos sigilosos, relativos ao período em questão e que eventualmente pudessem comprovar a veracidade dos fatos narrados foram destruídos, de acordo com as normas existentes à época - Regulamento da Salvaguarda de Assuntos Sigilosos (RSAS) - em suas diferentes edições".

* Colaboraram Ana Cristina Campos, Marcelo Brandão e Gislene Nogueira